O
meu coração está com os que sofrem com a greve da fome de Luaty Beirão em
Angola. Apelo ao governo angolano para que encontre uma solução sensata para o
problema e salve a vida ao rapaz.
Pedro
Tadeu – Diário de Notícias, opinião
Há
uma coisa, porém, que tenho muita dificuldade em fazer: dar lições de moral a
quem, através do meu país, sofreu 400 anos de colonização violenta, com redução
à escravatura de milhões de angolanos e delapidação desenfreada de recursos...
E não, não são só coisas do passado longínquo.
Quantos
dos nossos queridos pais e avós, muitos deles ainda vivos, estiveram nas
colónias até há 40 anos, dedicados à "humanitária" tarefa de forçar
os "pretos"das fazendas a trabalhar, mal pagos, numa exploração do
homem pelo homem inaceitável, mesmo para os padrões da época?
Quantas
pessoas que amamos violentaram, numa guerra colonial sangrenta, em Angola e
noutras colónias, muitas populações civis de aldeias? Quantas guardam, ainda
hoje, numa recordação escondida no sótão ou na arrecadação, fotografias de
palhotas queimadas e cabeças de "turras" espetadas num pau? Quantos
destes monstros, ao serviço do Estado do passado, são agora anjos das nossas
casas?
Quantos
familiares reunidos à nossa mesa no Natal trataram os angolanos como atrasados
mentais, imprestáveis, numa exclusão racista que tornava inacessível o acesso
dessas pessoas à educação, ao emprego, a qualquer hipótese de alcançar
bem-estar material, intelectual e emocional, semeando o atraso em que essas
terras ficaram depois da fuga descolonizadora?
Quantos
aproveitaram a guerra civil para tráficos inconfessáveis?
Mais:
de há uns anos para cá milhares de portugueses foram para Angola enriquecer ou
auferir salários elevados à custa de um desenvolvimento económico que não
beneficia, na mesma proporção, a generalidade da população o que, com a memória
colonial, só pode aumentar o ressentimento nas ruas de Luanda contra o
"branco" que desembarca de Lisboa.
Eu,
cidadão português, estou disponível para tomar posição em favor da vida de
Luaty Beirão. Mas, precisamente por ser cidadão português, não consigo evitar
que um palavreado sobre direitos humanos vindo de mim para censurar uma
ex-colónia de Portugal soe, terrível, como a pior das hipocrisias.
A
desumanidade cometida por Portugal sobre Angola e outros países colonizados
nunca foi redimida. Quando iremos admitir, seriamente, os nossos erros
passados, não com vergonha, que os tempos e os valores eram outros, mas com a
serena sabedoria de quem soube evoluir para melhor?.. Talvez só daqui a uns
séculos... Poderemos, então, de consciência tranquila, dar lições paternais
sobre civilização.
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