quinta-feira, 2 de maio de 2024

O Último Prisioneiro do Tarrafal -- Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

António Cardoso, luandense, filho de cantineiro do musseque. Baixa estatura e incomensurável amor à Pátria Angolana. Como nunca viveu de cócoras tinha dimensão de gigante. Foi o último preso político a ser libertado do Campo de Concentração do Tarrafal. Nessa qualidade fiz-lhe uma entrevista, ainda na Cidade da Praia onde ficou mais alguns dias antes de regressar a Angola. Apaixonou-se por uma senhora cabo-verdiana e dela fez a sua esposa. Partilharam tudo, até os filhos dela. Uma família exemplar.

Ao regressar a Luanda procurou-me na emissora Voz de Angola onde então realizava programas de rádio arautos dos novos tempos. Nesses dias estava a estudar um convite para chefiar a Redacção da Emissora Oficial de Angola (RNA). Uma responsabilidade gigantesca para a qual não me sentia capaz. Falei com Manuel Rodrigues Vaz e ele aceitou partilhar comigo essa missão. Frente ao último prisioneiro do Campo de Concentração do Tarrafal convidei-o para alinhar no projecto. Disse logo que não. Nunca tinha entrado num estúdio. Não sabia nada de Rádio. Isso resolve-se facilmente. Anda daí! E ele aceitou. 

A Direcção de Informação e a Redacção da Emissora Oficial  de Angola ficaram sob a responsabilidade de António Cardoso, Manuel Rodrigues Vaz e este vosso criado. Eu realizava e editava o Jornal das 13 Horas. O Manuel Rodrigues Vaz o Jornal das 20 Horas. O António Cardoso fazia os intercalares da noite até ao da emissão. Uns dias depois de assumir essa responsabilidade propôs-me a criação de um programa cultural. Já tinha nome e tudo: Resistência! Foi para o ar e é ainda hoje um marco da Rádio Angolana. Com ele colaborou Gabriela Antunes, na época professora do ensino secundário. Dava aulas de Inglês e Alemão. No programa declamava poemas.

O sonoplasta desse programa memorável era Artur Neves. Em Angola, nessa época existiam três gigantescos arquitectos do som: José Maria (programa Luanda), João Canedo (Café da Noite) e Artur Neves o faz-tudo da Emissora Oficial de Angola. Quando precisava de imprimir à informação uma dimensão estética e plástica o Man’Neves mostrava r o seu talento para a construção de edifícios sonoros. Ele e o realizador Brandão Lucas (programa Equipa) ganharam um prémio de Rádio entre artistas de todo o império colonial português. Eram os maiores! A minha gratidão por tudo o que me deram e ensinaram. Trabalhei com os dois. 

O que posso querer mais da vida? Correcção: Também trabalhei com o Zé Maria e o João Canedo. O produtor, realizador e sonoplasta do programa “Luanda” foi um inovador. Conseguiu imprimir aos edifícios sonoros o estilo único angolano, enriquecido com o ritmo radiofónico brasileiro. Criou um indicativo para o programa “Luanda” que só por si colava os ouvintes aos receptores.  Uma vertigem de arte sonora!

A empresa do Diário de Luanda editava o semanário ABC. Quando o jornalista José Manuel da Nóbrega (um dos maiores de sempre!) saiu do projecto, António Cardoso foi dar-nos uma mão. Nunca se negou.

Alguns anos mais tarde, no Natal de 1977, cheguei ao aeroporto de Luanda. Quando me dirigia para a viatura, vi o António Cardoso. Depois do abraço a pergunta: Estás à espera de alguém? Resposta: Sim, estou à espera de clientes. Pus o meu carro no processo. Sou candongueiro. Caiu-me o coração aos pés. 

Muitos anos depois fui do Porto a Lisboa participar numa manifestação em frente à embaixada dos EUA em Lisboa. Abaixo o imperialismo! Bush Assassino! Estava eu nestes preparos de protesto quando se aproximou um senhor baixinho, passos lentos, magrinho. Era o António Cardoso. Estava em Portugal muito doente. Morreu pouco depois o último prisioneiro a sair do Campo de Concentração do Tarrafal. Morreu com ele, uma parte importante daminha vida. 

Nos EUA os estudantes fazem manifestações de protesto contra o genocídio na Palestina. Ocupam universidades. Exigem que o trio assassino Biden, Blinken e Austin ponham fim ao genocídio que nesta altura tem estes números: Dois milhões de deslocados. Crianças mortas: 8.730. Jornalistas mortos: 143. Civis mortos deste 7 de Outubro de 2023: 34.596. Feridos graves: 77.816 muitos deles amputados. Civis presos na Cisjordânia ocupada: 8.550 entre os quais crianças. Os serviços de protecção civil da Faixa de Gaza estimam que sob os escombros estejam 10.000 cadáveres. Há milhares de crianças desaparecidas.

Blinken já foi sete vezes ao Médio Oriente mobilizar apoios, quanto mais não seja por omissão, para o genocídio na Palestina. Os jovens estudantes dos EUA sabem que é isso mesmo que ele anda a fazer. Porque se a administração Biden estivesse contra o genocídio na Palestina já tinha tomado medidas. Bastava cortar a Israel o fornecimento de armas e munições.

Em Nova Iorque a polícia prendeu mais de mil manifestantes contra o genocídio na Palestina. A ONU, numa declaração inaudita, denunciou que a violência policial sobre os manifestantes foi excessiva! Imaginem que isso acontecia em Angola! Milhares de detidos em manifestações e violência policial! 

Hoje em Los Angeles (Universidade da Califórnia) milhares de manifestantes foram vítimas de brutalidades “impróprias do Século XXI” como afirmam os professores que apoiam a luta dos estudantes. Alguns também foram presos e espancados! Imaginem que isso acontecia em Angola. O estado terrorista mais perigoso do mundo já não mete medo a ninguém. Nem aos seus estudantes. Blinken e o seu homólogo do Reino Unido, David Cameron, estão muito empenhados no genocídio da Palestina. Mas para fingirem que não, dizem que a “proposta” dos nazis de Telavive para um cessar-fogo na Palestina “é muito inteligente e muito generosa”. Perderam a vergonha.

Carlos Rosado de Carvalho recebe de um dono e manda João Lourenço para casa, a meio do seu mandato. O mesmo artista recebe de outro dono e diz que o Presidente da República quer fazer um terceiro mandato. O criminoso de guerra Abílio Camalata Numa aproveita para fazer de idiota inútil. Se ele é o modelo dos quadros da UNITA, estamos nas mãos de australopitecos primários. A besta insanável não merece mais palavras. Outa besta que recebe do Miala mas também do Palácio da Cidade Alta compara o presidente do F.C. Porto e a sua derrota eleitoral com a realidade política angolana. Venderam o juízo!

Terceiro mandado é conversa dos sicários da UNITA. João Lourenço já disse que isso está fora de causa porque respeita a Constituição da República. Dirigentes do MPLA disseram publicamente que um terceiro mandato presidencial nunca foi hipótese nem será. O que se exige é isto: João Lourenço continua no cargo até ao final do mandato. Ainda faltam dois anos e alguns meses. E neste tempo que falta, o Titular do Poder Executivo tem o dever de  cumprir o Programa do MPLA sufragado por uma maioria absoluta de eleitores.

O importante é que em 2027, quando João Lourenço concluir o seu mandato, o novo Presidente da República não excremente o seu antecessor como ele fez com José Eduardo dos Santos. Que o novo Presidente da República não persiga os filhos de João Lourenço. Que não destrua ou confisque as suas empresas com João Lourenço está a fazer. 

Que os colaboradores próximos do Presidente João Lourenço não sejam perseguidos, presos e espoliadas dos seus bens, como ele fez com os que colaboraram com José Eduardo dos Santos. Que o Presidente da República eleito em 2027 não destrua os grupos económicos formados ou reforçados durante os mandatos presidenciais de João Lourenço, como ele fez com os que vinham do tempo de José Eduardo dos Santos. Que ninguém se sirva da esposa de João Lourenço para abandalhar o seu nome ou perseguir os seus filhos como o actual Presidente fez com a esposa de José Eduardo dos Santos.

João Lourenço no final de 2027 vai descansar. Viver para ele e sua família porque todos estes anos viveu para o Povo Angolano e o MPLA. Mal ou bem, deu tudo por Angola. Merece uma reforma tranquila. Infelizmente, o Presidente da República faz exactamente o contrário com as famílias de José Eduardo dos Santos e Agostinho Neto, seus antecessores. Se este exemplo frutificar, qualquer dia os partidos não conseguem cabeças das listas de deputados. E sem cabeças de lista não há candidatos. Sem candidatos não há democracia. 

Sem democracia temos o MPLA vazio, uma espécie de emblema na banda do casaco de João Lourenço. O MPLA já foi próximo das democracias populares. Depois integrou a Internacional Socialista. Hoje está muito próximo do populismo que domina o chamado mundo ocidental. Nunca imaginei ver o MPLA tão longe dos seus valores. Tão indiferente ao Programa Eleitoral que foi sufragado por uma maioria absoluta de eleitores. Isto é que deve preocupar todas e todos os patriotas. Isso de terceiro mandato é manobra de diversão.

* Jornalista

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