Novas
pesquisas sugerem: nossa espécie é majoritariamente colaborativa, altruísta e
solidária. Ideia da ganância coletiva pode ser projeção ideológica dos que
concentram poder e capital
George
Monbiot – Outras Palvras - Tradução: Inês Castilho - Imagem: Marcos Alves
Você
se debate contra os sinais de indiferença e egoísmo humanos? Sente-se oprimido
pela sensação de que se preocupa com o mundo, ao contrário de muitos outros?
Julga que a indiferença de pessoas iguais a você está esvaziando o que resta da
civilização e da vida na Terra? Se assim é, você não está sozinho. Mas também
não está certo.
Um
Estudo da Fundação Causa Comum,
a ser publicado em novembro, revela duas descobertas transformadoras. A
primeira é que a grande maioria das 1000 pessoas pesquisadas – 74% –
identifican-se mais fortemente com valores altruístas do que com valores
egoístas. Significa que estão mais interessadas em gentileza, honestidade, perdão
e justiça do que em dinheiro, fama, status e poder. A segunda é que uma maioria
semelhante – 78% – acredita que os outros são mais egoístas do que realmente
são. Ou seja, cometemos um terrível erro sobre o comportamento das outras
pessoas.
A
revelação de que a característica humana dominante é, digamos, a humanidade,
não é surpresa para quem acompanhou o recente desenvolvimento das ciências
sociais e do comportamento. As pessoas, sugerem essas descobertas, são basica e
intrinsecamente boa gente.
Um artigo de
revisão no jornal Fronteiras em Psicologia (Frontiers in Psychology) afirma
que nosso comportamento em relação a membros de nossa espécie que não são
nossos parentes é “espetacularmente incomum, comparado ao de outros animais”.
Enquanto chimpanzés aceitam partilhar comida com membros do seu próprio grupo,
embora geralmente só depois de importunados por pedidos agressivos, com
estranhos eles tendem a reagir violentamente. Chimpanzés, observam os autores,
comportam-se mais como o Homo economicus da mitologia neoliberal do
que as pessoas.
Humanos,
ao contrário, são ultrassociais. Possuem elevada capacidade de empatia,
sensibilidade sem paralelos para as necessidades do outro, um nível
incomparável de preocupação com o bem-estar deste e capacidade de criar normas
morais que generalizam e fazem valer essas tendências.
Esses
traços emergem tão cedo em nossas vidas que parecem inatos. Ou seja, parece que
evoluímos para nos tornar assim. Por volta dos 14 meses, as crianças começam
a ajudar umas às outras — por exemplo pegando coisas para aquelas que não as
conseguem alcançar. Quando chegam aos dois anos, passam a compartilhar objetos
que valorizam. Aos três, começam a protestar contra
a violação das normas morais por outras pessoas.
Um texto fascinante
do jornal Infância (Infancy) revela que isso não tem nada a ver com
recompensa. Crianças de três a cinco anos mostram-se menos propensas a ajudar
alguém pela segunda vez se foram recompensadas ao fazê-lo na primeira. Ou seja,
recompensas externas parecem minar o desejo intrínseco de ajudar. (Pais,
economistas e governos, anotem, por favor.) O estudo descobriu também que
crianças dessa idade são mais inclinadas a ajudar pessoas que percebem estar
sofrendo, e desejam ver tal pessoa amparada, seja ou não por elas próprias.
Isso sugere que são motivadas por um interesse genuíno no bem-estar da outra
pessoa, ao invés do desejo de posar de benevolentes.
Por
que razão? Como a árdua lógica da evolução produziria tais resultados? A
questão é objeto de debates acalorados. Uma escola de pensamento defende que
altruísmo é a resposta lógica à vida em pequenos grupos de parentes próximos, e
a evolução, distraída, não foi capaz de perceber que agora vivemos em grandes
grupos, a maioria composta por estrangeiros. Uma outra argumenta que grandes
grupos, com grande número de altruístas, irão superar grandes grupos com grande
número de egoístas. Uma terceira hipótese insiste em que a tendência à
colaboração melhora a sobrevivência de cada um, independentemente do
grupo em que se encontre. Qualquer que seja o mecanismo, o resultado é motivo
para celebrar.
Se
é assim, por que conservamos uma visão tão sombria da natureza humana? Em
parte, talvez, por razões históricas. Filósofos, de Hobbes a Rousseau, Malthus
a Schopenhauer, cujo entendimento da evolução humana limitava-se ao Livro de
Gênesis, produziram relatos persuasivos, influentes e catastroficamente
equivocados sobre o “estado de natureza” (nossas características inatas,
ancestrais). Suas especulações sobre esse assunto deveriam há muito ter sido
colocadas numa prateleira alta, etiquetada de “curiosidades históricas”. Mas de
alguma forma elas ainda parecem exercer controle sobre nossas mentes.
Outro
problema é que – quase por definição – muitos daqueles que dominam a vida
pública têm fixação incomum em fama, dinheiro e poder. Seu extremo
autocentramento faz deles uma pequena minoria. Mas, como estão em todo lugar,
achamos que são representativos da humanidade.
A
mídia idolatra riqueza e poder, e às vezes lança ataques furiosos contra
pessoas que se comportam altruisticamente. Vale atentar para o espaço dado, nos
jornais e TVs, a pessoas que falam e escrevem como se fossem psicopatas.
As
consequências desse pessimismo indevido sobre a natureza humana são notáveis.
Como revelam as entrevistas e a pesquisa da Common Cause Foundation, os que têm
visão mais sombria da humanidade são os que tendem a votar menos.
Por que razão o fariam, raciocinam, se todos os outros votam apenas segundo
seus próprios interesses egoístas? De modo interessante, e que pode alarmar
pessoas da minha sensibilidade política, também descobriram que as pessoas de
ideias libertárias tendem a ter uma visão das
outras pessoas mais sombria que a dos conservadores. Você quer que a
transformação social avance? Se assim é, espalhe a notícia de que as pessoas,
em sua grande maioria, são bem-intencionadas.
A
misantropia abre campo para a minoria gananciosa, alucinada pelo poder, que
tende a dominar nossos sistemas políticos. Se soubéssemos quanto são anormais,
estaríamos mais inclinados a rejeitá-los e buscar líderes melhores. Isso
contribui para o perigo real que enfrentamos: não um egoísmo generalizado, mas
uma passividade generalizada. Bilhões de pessoas decentes balançam suas cabeças
enquanto o mundo pega fogo, imobilizadas pela convicção de que ninguém mais
quer saber de nada.
Você
não está só. O mundo está com você, ainda que não tenha encontrado sua voz.
Sem comentários:
Enviar um comentário