Entrevista
do Presidente sírio Bashar Al Assad à revista francesa Valor Actuel

Valor
Actuel: Qual é o seu comentário sobre o que foi dito pelo presidente
francês François Hollande de que "o Presidente Assad não pode ser uma
solução, porque ele é parte do problema". Em sua opinião, isto é um ponto
de vista comum? Qual é a sua resposta para isso?
Presidente
Bashar Al-Assad: Em primeiro lugar, a primeira parte da minha resposta é
uma pergunta: Hollande foi autorizado pelo povo sírio para falar em seu nome?
Esta é a primeira pergunta.
Você,
como um cidadão francês, aceitaria um comentário semelhante por parte de
qualquer político neste mundo? Alguém que diga que o presidente Hollande não
deveria ser o presidente da França? Isto não constituiria um insulto ao povo
francês?
Nós
vemos esta questão de modo semelhante. Quando ele diz isso, não seria um
insulto ao povo sírio?
Será
que isso significa que ele não o reconhece?
Em
segundo lugar, a França sempre teve orgulho da tradição e dos princípios da
Revolução Francesa. Talvez da democracia e dos direitos humanos. Um dos
primeiros princípios da democracia é o direito dos povos de decidir por quem
serão governados. Então é vergonhoso, para qualquer um que represente o povo
francês, dizer algo que contrarie os princípios da República Francesa e do povo
francês. Em terceiro lugar, é uma vergonha que ele tente insultar um povo
civilizado, que tem uma história que abrange milhares de anos, como é a
história do povo sírio. Esta é a minha resposta. Eu acredito que isso não
afetará, em nada, a realidade na Síria porque a realidade não seria afetada por
tais declarações.
Valor
Actuel: Se o senhor tivesse uma mensagem para o Sr. Hollande e para o Sr.
Fabius, especialmente depois do que aconteceu em Paris, esta mensagem seria:
"Cortem, imediatamente, as relações com o Qatar e com a Arábia
Saudita"?
Presidente
Bashar Al-Assad: Em primeiro lugar, esta mensagem é multifacetada.
Eu começaria com a seguinte pergunta: Seriam ambos independentes para que eu
possa enviar uma mensagem, a qual pudessem implementar? A verdade é que a
política francesa, nos dias de hoje, não é independente da política dos Estados
Unidos. Isto vem em primeiro lugar. Então, mandar mensagens não ajudaria em
nada. Mesmo assim, se eu tivesse a esperança de haver alguma mudança na
política da França, a primeira coisa a se fazer é voltar para a política
francesa realista, independente e amiga do Oriente Médio e da Síria. Em segundo
lugar, a França deve ficar longe das abordagens americanas de dois pesos e duas
medidas. Portanto, se eles querem o apoio do povo sírio, como alegaram, no que
diz respeito à democracia, então seria melhor dar este apoio ao povo saudita em
primeiro lugar. Se você tem um problema com o Estado sírio, relacionado à
democracia, como é que você pode ter boas relações e construir amizades com
dois dos piores e menos desenvolvidos países do mundo, tais como a Arábia
Saudita e o Qatar? Esta contradição não sugere credibilidade.
Em
terceiro lugar, é natural que uma autoridade trabalhe pelo bem de seu
povo. A pergunta que faço, nesta mensagem, é: A política francesa deu
algum bom retorno ao povo francês nos últimos cinco anos? Qual foi o benefício
colhido pelo povo francês? Eu estou certo de que a resposta será: Nada. A prova
é o que eu disse, há alguns anos, de que a distorção deste abalo sísmico na
Síria reverberará em tremores pelo mundo todo. E isso acontecerá,
primeiramente, na Europa porque nós somos o quintal da Europa, tanto geográfica
quanto geopoliticamente.
Na
época, eles disseram: Estás nos ameaçando? Eu não estava ameaçando. O ocorrido
no Charlie Hebdo, no início deste ano, não foi apenas um incidente. E eu disse
que tal ocorrência era apenas a ponta do iceberg. O que aconteceu em Paris foi
mais uma prova disso. Eles devem mudar suas políticas pelo bem de seu próprio
povo. E aí teremos interesses compartilhados com o povo francês, especialmente
na luta contra o terrorismo. Portanto, nossa mensagem final é que nós os
chamamos para lutar de forma séria contra o terrorismo. Quando falarem sobre o
combate ao terrorismo, esta será a nossa mensagem.
Valor
Actuel: Os peritos franceses confirmaram que os terroristas receberam
treinamento no Oriente Médio, mas nós ainda não temos informações sobre isso.
Quais as circunstâncias que devem ser disponibilizadas para o estabelecimento
deste tipo de cooperação entre Paris e Damasco?
Presidente
Bashar Al-Assad: A condição mais importante é a seriedade. Se o governo
francês não for sério em sua luta contra o terrorismo, então não vamos perder o
nosso tempo colaborando com um país ou governo ou instituição que apoia o
terrorismo. Em primeiro lugar, eles devem mudar a sua política e que ela seja
baseada num critério único, não em vários, e que este país seja parte de uma
aliança que reúna os países que lutam contra o terrorismo e não por países que
apoiam e combatem o terrorismo ao mesmo tempo. Isto é uma contradição. Então,
estas são as bases que devem servir a qualquer cooperação. Nós queremos que
esta cooperação exista, não somente com a França, mas com qualquer país. Mas
essa cooperação deve ocorrer num ambiente adequado, dentro de certos critérios
e tendo propiciadas algumas condições.
Valor
Actuel: No futuro, se o governo mudar, isso seria possível?
Presidente
Bashar Al-Assad: Na política, não existe espaço para amizades e
sentimentos. Há apenas interesses. Este é o meu papel como político. E este é o
papel deles como políticos de seu país. A questão não é saber se eles gostam de
Assad ou se eu gosto ou não de Hollande. A questão não tem nada a ver com isso.
O meu trabalho é buscar o que é melhor para os sírios. E o trabalho deles
deveria ser buscar o que é melhor para os franceses. Não temos problemas quanto
ao futuro. O nosso problema está na política e não nos sentimentos.
Valor
Actuel: O senhor teve um encontro com o presidente Putin. Não perguntarei
o que ele disse ao senhor, mas gostaria de fazer outra pergunta. Quando alguém
diz que Putin é a última pessoa que poderia defender o Ocidente, o senhor
concorda com esta opinião? No sentido de que Putin seria o último presidente de
estado que poderia defender a civilização ocidental e o cristianismo.
Presidente
Bashar Al-Assad: Você quer dizer a minha opinião quanto à questão de se o
Presidente Putin defende a Europa Ocidental ou não?
Valor
Actuel: Isso mesmo.
Presidente
Bashar Al-Assad: Quando você fala sobre o terrorismo, está falando sobre
um só cenário. Não sobre um cenário sírio, outro líbio, um terceiro iemenita e
um quarto francês. É um só cenário. Este foi o impulso para a aliança russa
anunciada há alguns meses, antes do envio das tropas para a Síria. É que se nós
não lutarmos contra o terrorismo na Síria, ou talvez em outras partes do mundo,
o terrorismo vai atingir a todos os lugares, inclusive a Rússia. Portanto, isso
é real. Quando você luta contra o terrorismo na Síria, você está defendendo a
Rússia, a Europa e os outros continentes. Isso é certo. Esta tem sido a nossa
visão por décadas. Desde quando lutamos contra os terroristas da Irmandade
Muçulmana nas décadas de setenta e noventa do século XX. Esta foi a nossa
impressão. Nós sempre exigimos o estabelecimento de uma coalizão internacional
para combater o terrorismo, porque o terrorismo não reconhece fronteiras
políticas e não dá a mínima atenção para procedimentos. Sejam quais forem as
ações adotadas pela França, após o incidente do Charlie Hebdo, o que aconteceu
em Paris comprova esta teoria. Isto é certo e preciso. Qualquer um que luta
contra o terrorismo, e não somente o Putin, está protegendo o mundo inteiro.
Valor
Actuel: Durante a Conferência de Viena sobre a Síria e na reunião do G20,
em Ancara, em momentos diferentes, vários presidentes disseram que "A
solução está na saída de Bashar al-Assad,". O senhor estaria pessoalmente
pronto para abandonar o poder se esta for a solução exemplar para proteger a
Síria?
Presidente
Bashar Al-Assad: Esta é uma pergunta que se subdivide em duas partes. No
que diz respeito à primeira parte, sobre se eu faria alguma coisa para atender
ao pedido de um estrangeiro, a resposta é não. Eu não faria isso,
independentemente da demanda, se é grande ou pequena, importante ou sem
importância, porque não tem nada a ver com a determinação da Síria. A única
coisa que eles fizeram, até agora, é fornecer apoio aos terroristas das mais
diversas formas. Tanto através da cobertura dada a eles quanto através do
apoio direto. O que eles fazem é, tão somente, criar problemas. Eles não são parte
da solução. Estes países que apoiam o terrorismo não são parte da solução na
Síria. Portanto, seja lá o que eles digam, nós não os atenderemos porque,
francamente, nós não nos importamos com eles. Em segundo lugar, do meu ponto de
vista como um sírio, devo atender apenas às vontades da Síria e, claro, quando
falo sobre a vontade da Síria, deve haver algum consenso por parte da maioria
dos sírios e a única maneira de descobrir o que os sírios querem deve ser
através das urnas.
Em
terceiro lugar, para que qualquer presidente chegue ao poder ou deixe-o, em
qualquer país que se dê o respeito e respeita sua cultura e seu povo, deve
haver um processo político que seja um reflexo da Constituição. A Constituição
é quem dá poder e destitui o presidente, através do parlamento, das eleições,
do referendo e assim por diante. Esta é a única maneira em que o presidente
pode chegar ao poder ou deixa-lo.
FRASES
"a
política francesa, nos dias de hoje, não é independente da política dos Estados
Unidos"
"Na
política, não existe espaço para amizades e sentimentos. Há apenas
interesses"
"Países
que apoiam o terrorismo não são parte da solução na Síria"
"A
Turquia vem desempenhando o pior dos papéis em nossa crise e isso está
diretamente ligado ao próprio Erdogan
"Você
não pode lutar contra o terrorismo, enquanto adota políticas equivocadas que
apoiam direta ou indiretamente o terrorismo"
Valor
Actuel: O que ocorre, em todas estas negociações, afirma que a única
solução, não apenas para a Síria, mas também para o Iraque e o Líbano, é a
divisão. Ouvimos muita coisa sobre isso. Como o senhor sabe, fala-se sobre
secularismo e sectarismo, mas há muitas coisas sendo ditas em todo o lugar, no
que diz respeito à Síria, à região costeira e também ao Iraque, bem como ao
Líbano. Como o senhor se sente em relação a isso?
Presidente
Bashar Al-Assad: A impressão que eles querem dar, através da mídia
ocidental, é que o problema nesta região é uma guerra civil entre os vários
componentes, religiões e grupos étnicos que não aceitam o convívio uns com os
outros. Se for assim, por que eles não dividem o seu próprio país, podendo,
desta forma, ficar cada um em sua área? Na realidade, o problema não é bem
assim, porque, atualmente, você pode constatar que nas áreas que estão sob o
controle do governo, todos estes componentes convivem uns com os outros e levam
uma vida normal. Portanto, se eles querem a divisão, devem, primeiramente,
desenhar linhas muito claras entre os componentes, quer seja entre as etnias ou
as seitas religiosas. Nesse caso, se a região chegar a este ponto, eu vos digo
que haverá pequenos países lutando uns contra os outros, em guerras
intermináveis que durarão, talvez, por séculos. Uma situação como esta
significaria que serão deflagradas guerras permanentes. Para o restante do
mundo, isso significaria mais fontes de instabilidade e terrorismo, que poderão
ser exportadas para o mundo inteiro. Esta seria a situação. Todavia, esta é uma
forma muito perigosa de se pensar. Não queremos uma tutela social para tal divisão.
O fato é que se você perguntar a qualquer sírio, agora, quer seja a favor ou
contra o governo, todos dirão que apoiam a unidade da Síria.
Valor
Actuel: O senhor falou sobre a Constituição. Daqui a alguns meses, haverá
eleições na Síria. O senhor estaria disposto a receber observadores
internacionais para estas eleições?
Presidente
Bashar Al-Assad: Sim, mas nós já dissemos que a observação
internacional não inclui as organizações das Nações Unidas, porque não possuem
nenhuma credibilidade. Porque elas estão, francamente, sob o controle dos
americanos e do Ocidente em geral. Portanto, quando falamos sobre observação
internacional ou a participação ou a cooperação, nos referimos a países não
foram parciais durante a crise, não apoiaram os terroristas e não tentam
politizar suas posições sobre os acontecimentos na Síria. Estes são os países
que poderiam estar envolvidos na coordenação ou na observação. Nós não temos,
em princípio, nenhum problema quanto a isso.
Valor
Actuel: Falamos sobre o Qatar e a Arábia Saudita, mas não falamos sobre a
Turquia, que permite a centenas de milhares de refugiados a atravessar para a
Europa. Ao que parece, também permite que os jihadistas entrem na Síria. Como o
senhor vê o papel da Turquia?
Presidente
Bashar Al-Assad: É o papel mais perigoso em toda esta situação, porque a
Turquia tem fornecido todo o tipo de apoio a todos estes terroristas, dos mais
diferentes espectros. Alguns países apoiam a "Frente al-Nusra",
ligada à Al Qaeda, e outros apoiam o "Daesh", enquanto que a Turquia
apoia estas duas organizações e muitos outros grupos ao mesmo tempo. Ela
fornece o suporte em recursos humanos, em termos de recrutamento de
combatentes, e os apoia com dinheiro, armas, monitoramento e informações. Isso
sem contar o apoio logístico. Até mesmo as manobras levadas a cabo pelo
exército turco na fronteira com Síria, durante as batalhas, têm este objetivo.
Mesmo recursos captados, em todo o mundo, passam pela Turquia. O
"Daesh" vende o petróleo na Turquia. Portanto a Turquia vem
desempenhando o pior dos papéis em nossa crise. Em segundo lugar, isso está
diretamente ligado ao próprio Erdogan, assim como a Davutoglu, porque ambos
refletem a verdadeira ideologia que está em seus corações, que é a ideologia da
Irmandade Muçulmana.
Valor
Actuel: O senhor acha que ele é membro da Irmandade Muçulmana?
Presidente
Bashar Al-Assad: Não necessariamente um membro regular. No entanto, a
mentalidade dele é 100% a mesma da Irmandade Muçulmana. Ele tem um grande
interesse no Islã político, que é um islamismo oportunista, sem qualquer
relação com a religião muçulmana. Nós enxergamos o assunto desta forma, porque
não se pode politizar a religião. Então, a questão está ligada a ele
pessoalmente e ao seu desejo de ver a Irmandade Muçulmana governar todo o mundo
árabe, para que ele possa ter o controle sobre eles e ser o sultão deles, ou na
realidade um Imã. Este é o papel desempenhado pela Turquia.
Valor
Actuel: O senhor sabe a situação em que nos encontramos agora, após os
ataques a Paris e, anteriormente, ao Charlie Hebdo, assim como os eventos que
os antecederam. O senhor falou sobre isso, mas eu quero a confirmação do
que o senhor disse. O senhor acha que a França não poderá lutar contra o
terrorismo, se continuar em suas relações com o Qatar e com a Arábia Saudita?
Presidente
Bashar Al-Assad: Sim e acrescento que você não pode lutar contra o
terrorismo, se você não tiver relações com as forças que combatem o
"Daesh" ou o terrorismo no terreno. Você não pode lutar contra o
terrorismo, enquanto adota políticas equivocadas que apoiam direta ou
indiretamente o terrorismo. Se você não tiver todos estes fatores, você não
poderá atuar neste sentido. Eu não acredito, até o presente momento, que ela
possa fazê-lo agora.
Valor
Actuel: Muito obrigado, Sr. Presidente, por nos conceder esta entrevista.
Presidente
Bashar Al-Assad: Obrigado por nos visitar.
Fonte:
Embaixada da República Árabe da Síria - Data:
25/11/2015
Tradução:
Jihan Arar - Em
Pravda.ru
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