quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

PRIMAVERA ÁRABE CONTINUA A INSPIRAR JOVENS CONTESTATÁRIOS EM ANGOLA



Começou, há cinco anos, a primeira das revoltas populares que varreu o norte de África e Médio Oriente. Uma mobilização difícil em Angola, onde a consciência social e política é mínima, diz o ativista Rafael Marques.

Em dezembro de 2011 desencadeou, na Tunísia, o primeiro de vários movimentos populares de contestação. A chamada Primavera Árabe varreu depois os regimes do Egito e Tunísia. Houve protestos no Bahrein, Jordânia e começaram as guerras civis no Iémen e na Síria que até hoje causam vítimas.

A DW África entrevistou o ativista e jornalista angolano Rafael Marques para conhecer que impacto teve a Primavera Árabe em Angola.

DW África: Até que ponto estas revoluções inspiraram os movimentos em outros países africanos, nomeadamente em Angola?

Rafael Marques (RM): A primeira manifestação pós-Primavera Árabe em Angola, a 7 de março de 2011, foi precisamente inspirada pela Primavera Árabe. Até hoje, o grupo de jovens, que tem estado a tentar realizar manifestações, continua a olhar para a Primavera Árabe como uma fonte de inspiração.

DW África: Na Tunísia e no Egito, por exemplo, os manifestantes mobilizaram-se em massa nas ruas de Tunis e do Cairo, respetivamente. Porque é que o mesmo não acontece em Luanda?

RM: O mesmo não acontece em Luanda porque [e isso tem a ver com] um aspeto muito importante a reter, o nível de entendimento da população sobre os processos de mudança. Vivemos num país onde a corrupção tomou conta do tecido social. As pessoas acreditam mais na corrupção, na lei do menor esforço como forma de sobrevivência do que propriamente no esforço coletivo. A responsabilidade social e política dos cidadãos angolanos é mínima.

Temos uma canção famosa que as pessoas levam à letra até hoje: “Xé menino não fala politica!” Então, se o sistema de saúde está mal, as pessoas criam esquemas para resolver os seus problemas pessoais. Não há consciência social coletiva de lutarem por um bem comum.

DW África: O livro “Da Ditadura à Democracia”, publicado pela primeira vez em 1993, tem servido de inspiração a ativistas um pouco por todo o mundo. Foi escrito por Gene Sharp para ajudar birmaneses que lutavam contra a ditadura militar na Birmânia. Foi um dos argumentos usados pelas autoridades angolanas para justificar a prisão dos 15 ativistas. Considera este livro subversivo?

RM: Como o escritor angolano José Eduardo Agualusa bem disse “este livro só é subversivo para as ditaduras”, que têm medo de ideias plurais. O livro não tem nada que possa constituir perigo para o regime angolano, até porque quando iniciaram as manifestações as pessoas não tinham conhecimento da existência desse livro.

DW África: Onde estava quando se iniciou a Primavera Árabe e como acompanhou o desenrolar dos acontecimentos?

RM: Curiosamente estava no Senegal, almoçava todos os dias com a jovem tunisina que fazia o elo de ligação com a imprensa internacional. Nós até gozávamos com ela, porque ela dizia que estavam a fazer a revolução na Tunísia e saía sempre com o seu prato, não se sentava à mesa connosco. Nós achávamos graça a isso. E poucos dias depois, o regime caiu na Tunísia. E aqui em Angola infelizmente a consciência coletiva é para a corrupção, submissão, subjugação. Veja que temos um Presidente há 36 anos e as pessoas acham isso normal.

DW África: Numa altura em que está a decorrer o julgamento dos 17 ativistas, acusados de rebeliao contra o Estado, se o tribunal decidir que são culpados, acredita que essa decisão poderá gerar mais protestos contra o atual Governo de José Eduardo dos Santos?

RM: Não gerará protestos porque temos uma população que é intrinsecamente cobarde quando se trata de criar este ambiente de pressão coletiva para o bem de todos.

Manuel Ribeiro – Deutsche Welle

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