quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

Timor-Leste. Alkatiri recusa moderação e insiste que é preciso "agitar" e "mobilizar" a população



O secretário-geral do partido timorense Fretilin, Mari Alkatiri considera que ser moderado "não serve" para responder a grande desafios - luta armada ou mobilizar pessoas para causas-- e que é necessário "agitar, mobilizar e organizar" a população.

"Tenho 66 anos e continuo a pensar hoje como pensei sempre. Quando se quer realmente enfrentar grandes desafios a moderação não serve", disse em entrevista à Lusa no ano dos 40 anos da proclamação unilateral da independência de Timor-Leste.

Alkatiri, um dos fundadores da Frente Revolucionária do Timor-Leste Independente (Fretilin), insiste que a alternativa tomada em 1975 foi a única viável para conseguir mobilizar os timorenses para apoiar a independência do país: "Para mobilizar pessoas, ter a maioria do teu lado, tens que saber agitar, mobilizar e organizar. Essa sequência tem que ser cumprida".

"Se agitas e largas tens bandidos" pelo que "só com planificação e organização é que se pode sustentar uma luta prolongada", afirmou, rejeitando que o partido tenha sido construído por estudantes que regressaram de Portugal em 1975.

"A Fretilin nasceu de nós próprios no interior. O núcleo instalador da ASDT (Associação Social Democrata Timorense) é que criou a Fretilin", disse, discordando da ideia da ideia defendida por pessoas como Abílio Araújo que, em recente entrevista à Lusa, considerou que foi um erro da luta ter optado por uma frente revolucionária em vez de uma frente unida.

"A génese dessa frente unidade era uma confusão. O grupo [de estudantes] que veio de Lisboa [em que se incluía Abílio Araújo] defendia que devia haver a união entre a ASDT e a Apodeti" (Associação Popular Democrática Timorense), disse, referindo-se ao partido que em 1975 defendia a integração de Timor-Leste na Indonésia.

"Vinham com a teoria de que a Apodeti era nacionalista porque era contra o colonialismo português. Querer a integração na Indonésia era uma forma de independência. Nós dissemos que o colonialismo português tinha acabado e uma ligação com a Indonésia seria um colonial expansionismo", afirmou.

Apesar das diferenças, Alkatiri insiste que a simbiose do interior -- habituados a "mobilizar as bases" - com os estudantes "que vinham com o espirito revolucionário de Portugal" ajudou a Fretilin a "ganhar raízes junto do povo", embora admita que houve alguma radicalização do movimento, com excessos que "eram inevitáveis", recordando que uma organização que começou com apenas 30 homens mal armados a 15 de agosto de 1975, cinco dias depois já tinha "27 mil pessoas armadas".

"Controlar em termos de comando e controlo não é fácil. De tal forma que houve exageros. As pessoas que estavam armadas aproveitavam o momento de estarem armadas para se vingarem contra os seus 'inimigos'. Fundamentalmente por questiúnculas pessoais", disse.

"Lembro-me de casos em que tive que entrar na prisão de Taibessi e correr com membros da Fretilin que estavam a praticar alguns exageros. Não vou mencionar o nome deles porque já são falecidos. Mas em Taibessi também estavam presos gente da Fretilin. Exatamente por causa dos ditos exageros e vinganças", recordou.

Os discursos "inflamados" do primeiro presidente Indonésio, Sukarno, os combates no Laos, Camboja e Vietname e o movimento independentista em Angola foram inspiração para o arranque da política em Timor-Leste, recorda Alkatiri.

O movimento dos não-alinhados e a situação interna de "certo abandono" e esquecimento de Timor-Leste, que se vivia na primeira metade da década de 70 do século passada, foram outras das "escolas" para o movimento da independência do país.

"Essa foi a nossa escola política. Não havia internet, telefones, nem televisão em casa. Havia só um radiozito", contou à Lusa.

Viola ritmo, Alkatiri apostou na música para a mobilização dos jovens, estando na génese de grupos como Os Académicos, os 5 do Oriente e os Eclipse: "este nome se calhar foi mal escolhido porque acabou por se eclipsar muito rapidamente", relembra.

"Organizávamos festas e fomos tentando mobilizar. Geralmente eram jovens do liceu, mais jovens que nós. Tocava-mos tudo desde o pop da altura, até musicas indonésias românticas ou músicas portuguesas. Mas o fundamental era fazer passar a mensagem", relembrou.

Muçulmano e mestiço, Mari Alkatiri fugiu à formação tradicional timorense e foi estudar em Luanda para topógrafo, convivendo com os movimentos africanos independentistas. De regresso em 1973, Alkatiri chegou ir à Indonésia "numa tentativa de sondar a possibilidade estabelecer uma base de apoio, particularmente junto à fronteira".

A ideia fracassou porque, considera, "a Indonésia sempre teve a ambição de anexar Timor-Leste", pelo que a opção foi o regresso a Timor-Leste, no início de 1974 onde Mari Alkatiri intensificou a ação política, um processo acelerado pelo 25 de abril que ajudou a formar um grupo alargado a pessoas como Nicolau Lobato, Ramos-Horta e outros.

"Pensava-se numa organização que pudesse incluir todos. Entendeu-se que se deveria preparar uma comissão instaladora de um futuro partido politico", disse.

ASP // PJA - Lusa

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