domingo, 1 de março de 2015

ESTAMOS DE VOLTA. A LUTA, ESSA CONTINUA E A VITÓRIA É CERTA - Folha 8




Depois de múltiplos ataques para porem KO o site do Folha 8 (tal como fazem em relação à edição em papel), os mercenários – escondidos com o rabo de fora – conseguiram na passada sexta-feira, dia 27, aquilo que para os seus mentores foi julgado como um eterno orgasmo. Mandaram-nos ao tapete.

Equipa Folha 8

MMas, mais uma vez, o tiro saiu-lhes pela culatra. Não fomos nem seremos derrotados porque nunca deixaremos de lutar. Estamos de volta. O nosso compromisso sagrado é com quem merece todo o nosso esforço: o Povo. Assim vai continuar.

De acordo com a equipa que nos trata da segurança do servidor, o que se verificou foi uma intrusão com colocação de software malicioso, denominado ‘malware’. O intuito deste era causar danos no nosso servidor incapacitando-o e também colocar na plataforma Google um aviso a dizer a todos os utilizadores que o nosso site poderia danificar o computador destes.

O ataque veio da OVH SAS localizada em França, não sendo ainda possível determinar se o mesmo partiu de lá, ou, como é habitual, se tenta mascarar a origem do ataque usando servidores ‘em ponte’ no caminho.

O nosso servidor e site contam já com 38 tentativas de intrusão desde o lançamento a 19 de Novembro e só em Fevereiro foram 11. Tudo temos feito para que este tipo de problemas não ocorra e daí termos, a nível técnico, uma equipa internacional que trata apenas de aspectos de segurança porque fomos aprendendo com o que foi acontecendo a sites que, tal como nós, não são alinhados com o regime.

Mas, como diz o nosso chefe de segurança, Dinesh Ishan, não existem sistemas impenetráveis e a única forma de se estar 100% seguros é não estar ligado a nada. Ele recorda que o próprio The New York Times, que é o maior website mundial em jornais, com múltiplos servidores em cloud, também foi abaixo fruto de um ataque concertado aos seus servidores.

Dinesh Ishan garante que temos as melhores ferramentas para a plataforma que escolhemos e temos meios de perseguir, até ao limite do possível, os autores deste ataque. Já começámos a fazê-lo reportando e pedindo dados à empresa de onde partiu o ataque directo ao nosso servidor.

O nosso servidor é no momento o mais rápido em tempos de carregamento, funcionalidades e segurança, mas desta vez não pudemos como das outras 37 vezes parar o ataque. Para segurança de todos vimo-nos forçados a suspender o nosso servidor para repormos as definições de origem (reformatar) e fazermos a actualização do nosso site no ponto em que este estava estável e sem a presença deste software que procuraria apoderar-se do servidor por razões ainda desconhecidas, mas que estão e serão investigadas.

Pelo transtorno a todos os nossos leitores pedimos as nossas desculpas, isto abala-nos porque somos no momento o site angolano de jornais que maior crescimento verifica, mas faz-nos crer que é também por isso que devemos lutar pela verdade e continuar a resistir.

Queremos igualmente agradecer o apoio e a solidariedade, individual e colectiva, que diariamente recebemos de todo os cantos do mundo. Esperamos continuar a ser dignos da amizade, muitas vezes crítica, dos nossos leitores e de alguns colegas.

Um obrigado muito especial à equipa do Página Global que, para além da solidariedade, acompanhou e divulgou em permanência esta nossa luta.

Angola. DEBANDADA À VISTA




O fiscalista João Espanha considera que Angola “arrisca-se a assistir à debandada do investimento estrangeiro” se a taxa que vai ser criada sobre a saída de divisas do país estiver nos dois dígitos.

ÀLusa, a propósito dos efeitos da criação de uma taxa sobre a saída de divisas do país, que se aplica em qualquer situação, incluindo salários e repatriamento de lucros, João Espanha salientou que “essa taxa ou desaparece ou desce para níveis suportáveis, ou então Angola arrisca-se a assistir à debandada do investimento estrangeiro”.

Para o fiscalista com vários clientes portugueses com investimentos em Angola e também Moçambique, “a taxa é mais perigosa para as Pequenas e Médias Empresas porque põe em risco a viabilidade do próprio negócio”, razão pela qual considera que, a confirmarem-se os valores que circulam em Luanda, e que podem chegar a quase 20%, Angola entraria pelo caminho do “isolacionismo, e é uma loucura, porque Angola não tem uma economia suficientemente desenvolvida para conseguir sobreviver”.

A criação de uma taxa sobre a saída de divisas é uma das medidas que constam no OGE rectificativo apresentado para equilibrar as contas públicas depois da queda do petróleo na segunda metade do ano passado, que obrigou o Governo de Luanda a rever as previsões macroeconómicas e a enfrentar medidas difíceis relativamente a poupanças na despesa pública, bem como outras de aumento das receitas fiscais.

A medida, diz João Espanha, “nasce do desespero”, admitindo que “no curto prazo vai contribuir para um aumento das receitas porque há projectos já em andamento e que são inevitáveis”, mas alerta que, “a médio prazo, a lei vai deixar de produzir resultados porque ou os negócios param ou os fluxos passam a ser feitos por meios artificiosos, uma vez que a propensão para a evasão fiscal aumentará significativamente”.

Os seus clientes com negócios em Angola, em áreas como a banca, a consultoria e negócios de importação e exportação, “estão em pânico e os que puderam pararam tudo até ver o que vai acontecer”. De resto, sublinha que “a clientela já gostava mais de Moçambique e cada vez gosta mais de Moçambique em vez de Angola, apesar de em Moçambique haver mais lentidão e menos know-how, alguma pequena corrupção, ganhos e negócios em menor escala, mas em Angola os custos e constrangimentos de contexto, a insegurança e a incerteza são muito maiores”.

Esta taxa, a ser implementada com valores acima de dois dígitos, como parece ser a intenção do executivo, a avaliar pelas notícias que têm saído na imprensa local, “é um suicídio, porque apesar de poder ser uma forma de captar algum dinheiro no curto prazo, uma vez que há coisas lançadas e cujo pagamento é inevitável”, depois assiste-se “a mais do que fuga de capitais, à fuga de negócios, ou seja, vai-se toda a gente embora e só lá fica quem beneficie de perdões fiscais”.

Folha 8 Diário

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Angola. ECONOMISTA DEFENDE DESVALORIZAÇÃO DO KWANZA




Carlos Rosado de Carvalho diz que a taxa sobre transacções em divisas irá afectar empresas e trabalhadores estrangeiros que operam em Angola.

João Santa Rita – Voz da América

Em vez de um imposto sobre as transferências cambiais o Governo angolano deveria ter optado por uma desvalorização da moeda nacional, o Kwanza, disse o economista Carlos Rosado de Carvalho.

Em entrevista à VOA, Carvalho, que é também director do jornal  Expansão, afirmou que “uma forma de controlar as reservas e as transferências para o exterior é – e eu preferia que fosse assim – através da desvalorização do Kwanza”.

O economista disse estar ciente de que a intenção do Governo  com a taxa sobre as transferências é “refrear as transferências e ganhar alguma coisa com isso”, pois o imposto vai directamente para os cofres do Estado e com uma desvalorização isso não acontece.

Carlos Rosado do Carvalho reagia assim à notícia de que o governador  do Banco Nacional de Angola, José Pedro de Morais Júnior, tinha confirmado a intenção do Governo de taxar os rendimentos gerados no país e que são enviados para o estrangeiros.

As autoridades têm ainda que decidir sobre os pormenores do imposto, nomeadamente sobre quem será abrangido e qual o montante a pagar.

Para Carlos Rosado de Carvalho “na prática é como se o Kwanza fosse desvalorizado” pois vai ter que se pagar mais Kwanzas pelo dólar ou outra moeda estrangeira.

A medida irá afectar empresas e trabalhadores estrangeiros que operam em Angola.

O economista fez notar que com esta medida  o Executivo quer estancar a saída de divisas, o  que que tem vindo a aumentar grandemente. Como exemplo fez notar que os “contratos de assistência técnica” em Angola subiram substancialmente nos últimos anos.

De acordo com os números oficiais referentes a 2013, naquele ano houve mais de 9 mil milhões de dólares de contratos de assistência técnica. Em 2002 esses contratos eram de 1,5 mil milhões de dólares.

“O Governo pretende refrear o ritmo dessas transferências porque quando aumenta o preço diminui a procura”, afirmou Rosado.

"O Executivo tenta dessa maneira aliviar a pressão sobre as reservas”, diz o economista, acrescentou que ao mesmo tempo “os cofres do Estado vão ganhar com isso”, já que a taxa reverte a favor do Estado, o que alivia, por seu turno,  a pressão sobre o Orçamento Geral do Estado.

“Do meu ponto de vista, uma desvalorização do Kwanza é mais transparente já que trata todos da mesma maneira”, disse.

As empresas que conseguirem passar os novos custos aos clientes vão fazê-lo mas o economista manifestou dúvidas que o consigam de todo.

O jornal Expansão avançou na sua última edição que o novo imposto ficaria entre os 15 e os 18 por cento, "o que provocou algum burburinho".

"Face às reacções negativas, admito que eventualmente a taxa pode ser mais baixa, mas não sabemos", concluiu Carlos Rosado de Carvalho

RELES SABUJICE




Deus os fez, Deus os juntou, provavelmente tomou de ponta a Península Ibérica não se sabe bem porquê e entregou-nos nas mãos destes trastes, os quais, quando se pensa que já tudo usaram do arsenal de indignidades, conseguem, ainda e sempre, superar-se a si próprios.

Desta feita, poucas horas de terem levado um puxão de orelhas de Bruxelas porque nem o trabalho encomendado e muito bem explicadinho conseguem fazer com um mínimo de competência, os chefes dos governos de Espanha e Portugal enviaram à Comissão Europeia uma carta de queixinhas. E contra quem? Como já adivinharam, contra o primeiro-ministro grego, culpado de vir sobressaltar esta paz podre europeia que ia tão bem encaminhada para o abismo e para o fabrico de multimilionários por atacado, à custa da desgraça de dezenas de milhões de seres humanos.

Qual é a razão que os dois governos – já sem qualquer legitimidade e apenas empenhados o mais possível em prolongar a agonia dos seus povos – invocam contra Atenas? A de, com o seu exemplo, andar a meter más ideias nas cabeças dos outros europeus, fazendo-lhes ver que há mais caminhos políticos para além da austeridade.

Os governos de Portugal e de Espanha acham que o facto de o primeiro-ministro grego ter explicado o que na verdade se passou até que fosse alcançado o recente acordo entre a Grécia e a União Europeia é um mau comportamento, logo passível de queixa. Esclarecer os povos é mau; o melhor, o essencial, aliás, é mantê-los na ignorância do que se passou para que as suas versões falsas dos acontecimentos não sejam desmontadas como aquilo que são: mentiras.

Coelho e Rajoy queixam-se à Comissão Europeia, que aliás não tem qualquer competência nesta matéria, de que Tsipras os acusou de terem bloqueado o citado acordo, para que não resultasse aí um mau exemplo inspirador para os povos ibéricos. Os dois desqualificados políticos acham-nos a todos suficientemente estúpidos para acreditarmos que eles não tentaram bloquear esse acordo. Tentaram sim senhor, e disso não há quaisquer dúvidas, basta repescar os discursos que fizeram, discursos mais alemães que o do Kommandant Scheible, quando o governo da Grécia se ergueu e disse que não estava para aceitar ordens, queria negociar.

O problema de Coelho e Rajoy é esse. O mau exemplo não é o acordo, é o facto de haver o chefe de um governo que não se limita a aceitar ordens, precisamente a única coisa que eles sabem fazer e a que têm o despudor de chamar política, democracia e representação dos interesses dos seus povos.

Pensando bem, receber e aceitar ordens não é a única coisa que Coelho e Rajoy sabem fazer. Agora também providenciam queixinhas, iniciativa que, para que conste, sem surpresa, partiu de Lisboa. Na escola diziam-nos que isso era feio, e com toda a razão; na fase da vida em que ambos estão não é apenas muito feio, é reles sabujice.


UE - Schäuble. BERLIM PEDE À GRÉCIA QUE CUMPRA ACORDADO E MODERE DECLARAÇÕES




O ministro das Finanças alemão, Wolfgang Schäuble, reiterou numa entrevista publicada hoje no Bild am Soontag que a Alemanha quer que a Grécia permaneça no euro, mas pediu a Atenas que cumpra o acordo e modere as suas declarações.

"Não queremos um 'Grexit'", afirmou Schäuble, numa referência a uma eventual saída da Grécia da zona euro, mas considerou que a decisão final a esse respeito cabe a Atenas.

"Somos solidários, mas não extorsionários. Ninguém forçou a Grécia ao programa de ajuda. Por isso, está totalmente nas mãos do governo de Atenas", acrescentou.

O ministro das Finanças alemão sublinhou que "os acordos adotados estão vigor", ou seja, Atenas deve continuar com os ajustes e reformas assumidas como contrapartidas no programa que acompanhou o seu segundo resgate e que a extensão de quatro meses acordada recentemente não prevê novos desembolsos para o país.

Atenas "tem a palavra. Se a Grécia não cumprir [com o acordo], não haverá mais ajudas", acrescentou o governante alemão.

Além disso, Schäuble considerou que tanto o primeiro-ministro grego, Alexis Tsipras, como o seu ministro das Finanças, Yanis Varoufakis, deveriam baixar o tom, embora pessoalmente dê mais valor "aos acordos do que às declarações".

"Seria bom que o governo grego não falasse de modo que nos seja difícil convencer os nossos cidadãos", comentou.

O homem forte da chanceler alemã, Angela Merkel, evitou, no entanto, avançar se Atenas irá precisar de mais ajudas assim que concluir o programa.

Schäuble considerou ainda que "é preciso dar algum tempo aum governo novo", aludindo ao facto de o partido da esquerda radical Syriza ter chegado ao poder após as eleições de 25 de janeiro.

Na sexta-feira, os deputados alemães aprovaram, por esmagadora maioria, o prolongamento do programa de resgate por quatro meses, até 30 de junho próximo, após um compromisso entre os ministros europeus das Finanças e Atenas, que aceitou manter as reformas.

"O meu homólogo grego tem o direito a ser tão respeitado quanto os outros", afirmou Schauble sobre Yanis Varoufakis: "Ele comportou-se comigo de forma absolutamente correta".

Lusa, em Notícias ao Minuto

UMA EUROPA GERMANÓFILA?



Arnaldo Gonçalves – Hoje Macau, opinião

União Europeia começou como projecto de integração há sessenta e quatro anos como uma escapatória, uma solução de recurso, uma emergência para colocar os povos europeus a coberto de um terceiro mergulho num belicismo autofágico que dinamitasse o continente. Como espaço de liberdade, de encruzilhada de culturas, línguas e religiões, de convergência de identidades, a Europa afirmou-se, benignamente, pela sua diversidade, pluralismo e sentido de inclusão.

Os Pais Fundadores do que se consagrou dizer-se Comunidades Europeias e depois União Europeia, tiveram a ideia de pôr em comum as indústrias que alimentaram as guerras e as infra-estruturas económicas que possibilitassem, através da gestão conjunta e independente, o desenvolvimento sustentado do espaço de integração. No fundo, sem o que o dissessem explicitamente, quiseram criar mecanismos de auto e hetero-vigilância que dissuadissem os sonhos nacionalistas de rearmamento e anexação territorial que haviam partido de Berlim.

Afinal, nos séculos que o precederam, a história da Europa havia sido um ciclo interminável de criação e fim de impérios, de guerras religiosas e étnicas, onde à velocidade de cruzeiro se redesenhavam as fronteiras pela diletante vontade de príncipes e monarcas nos seus sonhos megalómanos de grandeza, poder e domínio territorial. O sistema absolutista, fundado no direito divino dos reis (e dos príncipes), foi o gramasso ideológico desta sedução pelo mando e pela hegemonia que esteve sempre nos pesadelos da Europa.

A democracia, na sua raiz etimológica grega ‘demo’e ‘kratia’, surgiu como alternativa de governo num arquipélago a sul do continente como forma de preservação da identidade étnico-cultural das cidades-estado que o integravam e de sobrevivência das suas elites. Afinal, o governo de ‘todos’ excluía os escravos, os prisioneiros, os veraneantes, os metecos dessas pequenas comunidades de pouco mais de mil habitantes. Um milénio e meio depois, a ideia de uma democracia representativa fundada no censos das propriedades afirmava-se numa ilha do Mar do Norte como afirmação da voz dos gentis-homens contra as apetências autocráticas de um soberano. Um rei que se via a governar pelo mando de Deus contra (se necessário) a vontade dos seus súbditos representados em Parlamento. A Magna Carta – cujo centenário se comemorou há pouco – simboliza a amarração da ideia de governo pelo consentimento ao projecto europeu. Valor fundacional que através das revoluções liberais se estendeu ao continente e por aí se ancorou.

Esteve sempre presente na incubação do projecto europeu que os governos, ainda que eleitos em eleições livres e universais, têm um mandato limitado no tempo e condicionando à vontade dos cidadãos reunidos em assembleia política. Vontade expressa através dos seus representantes eleitos. Como esteve presente que aqueles são mandatados para exercer o poder são responsáveis perante o povo e prestam-lhe contas, regularmente.

Corolário deste ideia central de um poder não ilimitado ficou impresso nos textos sagrantes da União Europeia que os Estados-membros mantêm o essencial dos seus poderes soberanos, que os governos nacionais subsistem como entes independentes com os seus parlamentos nacionais e que a última expressão do exercício da vontade soberana reside na Nação.

Sempre que a hipótese da união da Europa, através de uma federação, se colocou, quer como utopia quer como inevitabilidade, os europeus pronunciaram-se de forma clara contra esse projecto, contrapondo-lhe o paradigma de uma união voluntária de estados-nação escrupulosos da sua independência. Recorda-se os movimentos políticos dos anos 1950 que propugnaram a federalização da Europa e a fracassada Convenção para o Futuro da Europa de 2003. No arrebatamento pró-federalista isso foi lido como uma resistência irracional aos rumores do tempo e do ‘progresso’, uma recusa ‘egoísta’ das elites em aceitar a inevitabilidade da marcha para um qualquer reino neoplatónico de felicidade na Terra, simbolizado por uma bandeira azul multi-estrelada e pelo Hino da Alegria de Beethoven.

Este sonho idílico faria sentido se a Europa pudesse permanecer em paz sem ameaças visíveis nas suas fronteiras a Sul e a Leste, se o modelo económico de solidariedade institucional funcionasse como um carrilhão bem oleado, se os grandes potentados como a Alemanha e a França desistissem da sua apetência para a hegemonia no continente, a qual alimentara os sonhos imperiais de uma e de outra. Mas as nações raramente mudam os seus desígnios mais profundos a menos que a história e o destino lhes imponham que ajoelhem ou se contenham pela ameaça da derrota ou do aniquilamento.

Num precipitado movimento de alargamento para além do que poderia comportar, a União Europeia abraçou primeiro os países ibéricos e do Sul, depois os países do Centro e do Norte que resultaram da implosão da União Soviética e dos seus satélites e finalmente alguns dos componentes da antiga República Jugoslava. Como modelo escolheu a virtude laborista do protestantismo huguenote que levara à transformação da Prússia na Alemanha dos nossos dias, esquecendo que os valores culturais que animam esses povos das terras do frio e da neve não são compatíveis com a predilecção setentrional para o lazer, o consumo, a boa-mesa, o divertimento lúdico e o veraneio. Porque o capital, numa lógica da acumulação e multiplicação das rendas havia singrado para as praças financeiras do Norte da Europa, a Europa embarcou na aventura da moeda única que identificara como o terceiro símbolo da sua união de vontades. Fê-lo sem perceber (ou não o querer) que nem todos os Estados estavam em condições de respeitar os critérios de convergência da União Económica e Monetária, nem havia garantias de o garantirem no futuro.

O que é que mudou nos últimos quinze anos que fez estremecer as branduras de um casamento para toda a vida dos estados-membros da Europa? Desde logo, o facto de a queda do Império Soviético ter transformado a Rússia na Prússia de outrora, de regresso aos seus sonhos de grandeza imperial à custa dos vizinhos. A anexação da Crimeia, a constituição do arco sanitário russófono no leste da Ucrânia, o assédio às repúblicas do Báltico revela que o estalinismo escondido de Vladimir Putin incorpora, na verdade, desígnios de expansão territorial à custa de países que são hoje parte da União Europeia. Em segundo lugar, a quebra do eixo franco-alemão permitindo à Alemanha se apresentar, aos olhos de todos, como a única guardiã da unidade europeia, a garante das suas políticas económicas, financeiras e de integração. Um domínio matizado pelo controlo inteligente do Banco Central Europeu, pelo peso dos bancos alemães no sistema monetário europeu e pela liderança política alemã do Conselho Europeu.

A crise da Grécia é apenas uma pequena nota do que aí vem em termos de perturbação do projecto europeu, de erosão da solidariedade e coesão europeias, da periclitante sobrevivência do Euro e da relação político-estratégica com a Rússia de Putin. É a relação da Europa – no seu todo – com a Alemanha de Ângela Merkel que está hoje problematizada.

A Europa foi a bóia de salvação da Alemanha no doloroso processo de reconstrução do pós-guerra. Setenta anos depois não pode aceitar ser o parceiro acomodatício e silencioso perante o namoro germano-russo. Talvez como há sete décadas atrás a esperança resida num promontório delimitado por escarpas do outro lado do Canal da Mancha habitado por gente especialmente zelosa da sua liberdade. 

PARA QUE SERVEM AS “LOJAS CHINESAS” À REPÚBLICA POPULAR DA CHINA?



Renato Guedes*

O capital para ir e vir (um empresário quer fechar uma fábrica aqui e ir para a China, vende aqui, pega nos euros ou dólares e vai para a China). Mas assim que lá entra, entrega o dólar ou euro ao Banco Central, recebe a moeda chinesa, yuan, e começa a investir e a exportar e a receber, sempre em yuan. Mas para investir na China, tem de ter a garantia de poder retirar o seu capital quando quiser – porque decidiu ir para outro país, por exemplo – e de que quando o recebe o retira em dólares e euros e não em yuan. Ninguém quer a moeda chinesa (à exceção dos Chineses na China) para nada.

O governo e os empresários chineses – que vivem em cima da miséria obscena dos seus trabalhadores – gostam de dizer que compram dólares, logo os dólares são da China. A visão do empresário americano ou europeu é outra, os dólares são emprestados à China – e ao Brasil e à Índia, e não são mais do que um depósito bancário.

Ora, para que o Governo Chinês possa dar essa garantia duas coisas são necessárias:

1) a taxa de juro com que a China remunera o capital tem de ser maior do que a taxa de juro da moeda de troca – e de facto é, os países de moeda fraca como a China e o Brasil têm taxas de juros maiores do que os EUA e a UE;

2) ter a garantia de que o dia em que encerrar ou transferir total ou parcialmente o seu negócio na China possa converter a moeda chinesa que lá ganhou em dólares ou euros. Para isso o Governo Chinês tem que dar essa garantia e essa garantia são os enormes superavits acumulados nas exportações chinesas.

Agora reparem: o Governo Chinês não pode pegar nessa moeda e investir por exemplo em infra-estruturas, ou melhor, tem um limite muito restrito, porque se gasta esse dinheiro, como vai devolver os dólares? Por isso investe em dívida pública norte-americana, dívida pública europeia, activos de empresas no exterior –a EDP, por exemplo.

Portanto o Governo Chinês não pode usar a moeda estrangeira que entra no país pelas exportações, mas continua a precisar de moeda estrangeira para as trocas necessárias. É aí que entram as lojas chinesas; trata-se de empresários chineses que têm essa garantia, de que o euro acumulado aqui é convertido lá, pode ser usado pela China, não é um mero depósito como são os dólares ou euros das exportações.

*Físico teórico, investigador


UM CONTRAPESO AO PODER DO OCIDENTE?




Num cenário em que EUA apelam à guerras e vigilância permanentes, mobilização social é indispensável. Mas Rússia pode ser aliado importante

Seumas Milne, Guardian – Outras Palavras - Tradução Eduardo Sukys

O que foi feito do “fim da História”? Conflitos multiplicam-se em três continentes. Do Afeganistão até o norte da África, há um “arco de guerra”, intervenção estrangeira e colapso dos Estados. Agora, o chamado Estado Islâmico – filho mutante da “guerra ao terror” – é o alvo de nova intervenção, conduzida pelos EUA no Iraque e na Síria. Na Ucrânia, milhares já morreram na guerra por procuração entre rebeldes apoiados pela Rússia e o governo de Kiev, patrocinado pelo Ocidente. E no Extremo Oriente, crescem as tensões entre China, Japão e outros aliados americanos.

As tropas britânicas finalmente encerraram as operações de combate no Afeganistão após treze anos de uma ocupação desastrosa. A justificativa bizarra, apesar do aumento da presença global da al-Qaeda, é de que a missão foi “muito bem-sucedida”. Isso em um país no qual dezenas de milhares de pessoas foram mortas, o Talibã controla áreas imensas, a violência contra as mulheres aumentou demais e as eleições são uma cortina de fumaça para fraudes e intimidações.

A invasão afegã deu início ao que se tornaria a guerra sem fim do Ocidente, abrangendo a catástrofe do Iraque, guerras com drones do Paquistão à Somália, apoio às escuras para rebeldes jihadistas na Síria e intervenção “humanitária” na Líbia que deixou para trás um estado falido à beira da guerra civil.

O Oriente Médio está mergulhado em uma crise ímpar e sem precedentes. Mais do que qualquer outra coisa, esse é o resultado de uma intervenção contínua dos EUA e do Ocidente e do apoio a ditadores, tanto antes quanto depois da “primavera árabe”, sem qualquer restrição por um sistema internacional de poder ou de direito.

Mas se o redemoinho do Oriente Médio é o fruto de uma nova ordem mundial dominada pelos EUA, a Ucrânia é o resultado do desafio ao mundo unipolar que se seguiu ao fracasso das guerras do Afeganistão e do Iraque. Foi a tentativa dos falcões norte-americanos e da União Europeia (UE), de levar a dividida Ucrânia para o lado ocidental após anos de expansão da OTAN no Oriente, que deflagrou crise, a absorção da Crimeia pela Rússia e as revoltas na região de Donbass ao leste, na qual o idioma falado é o russo.

Oito meses depois, com eleições nos dois lados, parece que a divisão no país aumentou. A realidade, descartada continuamente como propaganda de Kremlin, é que os EUA e a UE apoiaram a derrocada violenta de um governo eleito, apesar de corrupto, e agora estão apoiando uma campanha militar que inclui milícias de extrema direita acusadas de crimes de guerra — enquanto a Rússia fica sujeita a sanções avassaladoras dos blocos ocidentais.

Há algum tempo, no centro de debates denominado Clube Valdai, e localizado próximo a Sochi, o presidente russo, Vladimir Putin, fez sua denúncia mais feroz sobre este papel dos EUA no mundo, logo após Barack Obama colocar a Rússia no mesmo grupo que o víruos do ebola e o Estado Islâmico (ISIS), como as três principais ameaças globais à América. Após a guerra fria, declarou Putin, os EUA tentaram dominar o mundo por meio de “imposições unilaterais” e “intervenção ilegal”, desconsiderando a lei internacional e as instituições, caso elas atrapalhem. O resultado foi conflito, insegurança e o surgimento de grupos como o ISIS, enquanto os EUA e seus aliados “lutavam constantemente contra as consequências de suas próprias políticas”.

Nada disso é controverso, na maior parte do mundo. Durante uma sessão presidida por mim no clube Valdai, Putin disse aos jornalistas e acadêmicos estrangeiros que o mundo unipolar foi um “meio de justificar ditaduras sobre pessoas e países” – mas o mundo multipolar emergente provavelmente será mais instável. A única resposta – com a clara intenção de uma abertura ao Ocidente – era reconstruir as instituições internacionais, com base no respeito mútuo e na cooperação. A opção era: novas regras, ou nenhuma regra! O que poderia gerar uma “anarquia global”.

Quando perguntei a Putin se as ações da Rússia na Ucrânia foram uma resposta à “ordem mundial sem regras” — e, ao mesmo tempo, um sinal deste fenômeno, ele negou, insistindo que o precedente de Kosovo indica que a Crimeia tinha todo o direito à autodeterminação. Porém, ao reconhecer, de forma relutante, que as tropas russas intervieram na Crimeia “para bloquear as unidades ucranianas”, ele realmente admitiu ultrapassar a linha da legalidade – mesmo que nem chegue perto das invasões, campanhas de bombardeio e intervenções veladas ilegais dos EUA e seus aliados, nos últimos 15 anos.

Mas há poucas chances de o lado ocidental responder ao apelo de Putin por um novo sistema de regras globais. Na verdade, os EUA mostraram pouco respeito às regras durante a guerra fria, realizando implacavelmente intervenções sempre que tinham a oportunidade. Porém, havia o respeito pelo poder. Com o colapso da União Soviética, essa restrição desapareceu. Foi apenas com o fracasso das guerras no Afeganistão e no Iraque, e com o desafio russo à expansão ocidental e à intervenção na Geórgia, Síria e Ucrânia, que o poder desenfreado americano foi colocado em cheque.

Aliado à ascensão da China, este fenômeno também criou algum espaço para que outros países procurassem construir sua independência política — principalmente na América Latina. Talvez o nacionalismo oligárquico de Putin não tenha muito apelo global, mas o papel da Rússia, como contrapeso à supremacia ocidental, com certeza tem. E é por esse motivo que grande parte do mundo tem uma visão diferente dos eventos na Ucrânia, se comparada à dos ortodoxos ocidentais; e por isso China, Índia, Brasil e África do Sul abstiveram-se da condenar a Rússia, com relação à Crimeia, nas Nações Unidas.

No entanto, a capacidade de Moscou frente à força militar dos EUA é limitada. Sua economia é muito dependente de petróleo e gás, sofre com falta de investimentos e agora está sujeita a sanções prejudiciais. Apenas a China oferece uma possível contenção global ao poder unilateral ocidental, e isso ainda está longe de acontecer. Segundo o que Putin teria dito ao vice-presidente dos EUA, Joe Biden, talvez a Rússia não seja forte o suficiente para competir pela liderança global — mas ainda pode decidir quem será esse líder.

Até mesmo Obama insiste que os EUA são a “nação indispensável”. E parece quase certo que o sucessor de Obama, quem quer que seja, será consideravelmente mais linha-dura e intervencionista. A elite norte-americana continua comprometida com a dominação global e com a preservação da nova ordem mundial pós-1991.

Apesar dos benefícios do mundo multipolar emergente, o perigo de conflitos, incluindo guerras de grandes proporções, parece crescer. A pressão da opinião pública, que fez as tropas ocidentais retirarem-se do Iraque e do Afeganistão, terá que se fortalecer muito nos próximos anos, para que essa ameaça não nos destrua.

Demandas diplomáticas marcam a segunda rodada de negociações entre Cuba e EUA



Opera Mundi, São Paulo

Norte-americanos querem reabertura de embaixada em Havana até abril; cubanos exigem saída de lista de países patrocinadores de terrorismo

Após cinco semanas, representantes dos governos dos Estados Unidos e de Cuba se reencontraram na sexta-feira (27/02), em Washington, para a segunda rodada de negociações que têm como intuito a retomada de relações diplomáticas entre os países.

Um dos temas centrais da discussão foi a reabertura das embaixadas. De acordo com o responsável pelo Escritório de Interesses de Cuba nos EUA, Juan Jacomino, o objetivo é que as sedes diplomáticas sejam reabertas "assim que possível", segundo a agência italiana Ansa.

Já a secretária-adjunta do Departamento de Estado dos Estados Unidos, Roberta Jacobson, disse que confia que os governos norte-americano e cubano possam terminar o processo para abrir as embaixadas nas respectivas capitais a tempo para a Cúpula das Américas que será realizada em abril, no Panamá.

Uma das exigências dos cubanos é que a Casa Branca retire a ilha liderada pelos irmãos Castro da lista elaborada pelo Departamento de Estado norte-americano de países patrocinadores do terrorismo, o que foi negado pelo secretário de Estado John Kerry.

O governo cubano critica que a lista impossibilita a realização de operações bancárias, assim como outros negócios nos Estados Unidos que seriam necessários para a reabertura de sua embaixada. Embora Havana reforce a importância da demanda, assegurou em tom diplomático que isso não será uma “pré-condição” para a normalização das relações, reportou a Agência Efe.

Em resposta, Jacobson ressaltou que os Estados Unidos sempre consideraram que esses dois assuntos devem ser tratados de forma separada e disse estar “otimista” com o “tipo de cooperação” que houve durante a reunião. A rodada de sexta se encerrou sem nenhuma data prevista para um terceiro encontro, mas com o compromisso de ambas partes de manter-se em "comunicação permanente", acrescentou a norte-americana.

Já a secretária-adjunta do Departamento de Estado dos Estados Unidos, Roberta Jacobson, disse que confia que os governos norte-americano e cubano possam terminar o processo para abrir as embaixadas nas respectivas capitais a tempo para a Cúpula das Américas que será realizada em abril, no Panamá.

Uma das exigências dos cubanos é que a Casa Branca retire a ilha liderada pelos irmãos Castro da lista elaborada pelo Departamento de Estado norte-americano de países patrocinadores do terrorismo, o que foi negado pelo secretário de Estado John Kerry.

O governo cubano critica que a lista impossibilita a realização de operações bancárias, assim como outros negócios nos Estados Unidos que seriam necessários para a reabertura de sua embaixada. Embora Havana reforce a importância da demanda, assegurou em tom diplomático que isso não será uma “pré-condição” para a normalização das relações, reportou a Agência Efe.

Em resposta, Jacobson ressaltou que os Estados Unidos sempre consideraram que esses dois assuntos devem ser tratados de forma separada e disse estar “otimista” com o “tipo de cooperação” que houve durante a reunião. A rodada de sexta se encerrou sem nenhuma data prevista para um terceiro encontro, mas com o compromisso de ambas partes de manter-se em "comunicação permanente", acrescentou a norte-americana.

Entenda caso

A primeira rodada de negociações entre representantes dos governos de Cuba e Estados Unidos aconteceu no dia 21 de janeiro em Havana, com foco no tema da imigração. Na ocasião, Cuba expressou preocupação com a política migratória norte-americana, que classifica como "o principal estímulo para a emigração ilegal para os EUA".

Os dois lados também estudam apresentar metas de longo prazo. Havana também exige o fim do embargo, enquanto Washington investe na flexibilização do governo de Raúl Castro.

À época, o presidente norte-americano, Barack Obama, ainda afirmou que os Estados Unidos devem começar "neste ano" a suspender o bloqueio comercial, imposto à ilha há mais de 50 anos, para "acabar com um legado de desconfiança no continente".

Essas rodadas de negociações acontecem em meio à retomada de relações entre Havana e Washington após mais de 50 anos, anunciada no dia 17 de dezembro de 2014.

Resultado de 18 meses de negociações secretas, o anúncio pegou a comunidade internacional de surpresa, simbolizando a maior reviravolta desde a imposição do bloqueio econômico, em 1961. Desde então, já se esperava que, entre as medidas, estaria o início das conversas bilaterais, a flexibilização do embargo e a libertação de presos políticos e espiões de ambas as partes.

No dia em que foi anunciada a reaproximação, Washington e Havana trocaram prisioneiros: enquanto Cuba libertou o norte-americano Alan Gross, que cumpria pena de 15 anos na ilha por espionagem, Washington soltou também os últimos três dos Cinco Cubanos presos nos EUA, também acusados de espionagem. Além disso, no dia 12 de janeiro, Cuba libertou 53 presospolíticos norte-americanos, o que também estava previsto conforme os acordos.

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ACERCA DE NEGOCIAÇÕES. LIÇÕES DO CASO SYRIZA



Daniel Vaz de Carvalho

Quando se abre a caixa de Pandora da finança liberalizada é impossível fecha-la pela metade.  - Cédric Durand, Le capital fictif , Ed. Les prairies ordinaires, 2014.

1 – Negociações não antagónicas

Um governo progressista em Portugal será confrontado com as imposições da UE. As negociações do Syriza, representando uma indisfarçável capitulação, encerram lições sobre o que deve ser feito na defesa dos interesses nacionais.

Dizem os psicólogos que tudo na vida é negociação. Os sexólogos confirmam. Questão de bom senso. Há no entanto negociações antagónicas e não antagónicas. Vamos primeiro tratar destas sem as quais não se entendem plenamente as outras.

Nas negociações não antagónicas, é possível estabelecer situações de ganho mútuo, ditas "win-win", em que os oponentes se podem considerar parceiros. De qualquer forma, em qualquer negociação há sempre uma parte mais fraca e uma mais forte. A parte mais fraca deve colocar-se na posição de poder desencadear a negociação e apresentar o que pretende.

Em que se pode basear a parte mais fraca? Basicamente, em cumprir as regras preestabelecidas, mostrando que a outra parte não as cumpre ou não as cumpriu. Num contrato entre empresas, a parte mais fraca (o fornecedor, o empreiteiro) terá de argumentar baseada no clausulado contratual que cumpriu ou se não cumpriu tal foi devido a circunstâncias que não podia controlar, ou por alteração das circunstâncias contratualmente previstas, ou por incumprimento da outra parte.

Há aqui a considerar dois pontos fundamentais: o momento em que é desencadeada a negociação e a aceitação dos interlocutores. O momento em que é desencadeada a negociação tem de ser escolhido numa altura crítica para o sucesso do contrato, no qual a outra parte está obviamente interessada, até por razões pessoais, e que por isso também depende da ação da parte mais fraca.

A típica situação "win-win" estabelece-se no reconhecimento que num possível litígio, a parte mais forte teria mais a perder do que aquilo que a parte mais fraca solicita ou está disposta a aceitar.

Quanto aos interlocutores é evidente que não há negociação possível com técnicos ou burocratas sem poder de decisão, devendo exigir-se à partida elementos com procuração suficiente para comprometer as entidades que representam. O facto da negociação poder ser conduzida para arbitragem em moldes mutuamente aceites não a torna antagónica.

Note-se que muitos contratos consistem em clausulados preestabelecidos aos quais não são admissíveis alterações. Compete à parte mais fraca descobrir os pontos que constituem obrigações da outra parte e focar-se nesses pontos na realização do contrato. Se o contrato não contiver estes pontos então pode dizer-se de carácter leonino, ilegítimo e terá de ser recusado, pois não estabelece condições aceitáveis para a sua concretização.

Estas condições poderão ser contudo incluídas no planeamento, definindo circunstâncias limitativas das responsabilidades da parte mais fraca e a sua precedência sobre outro clausulado. A gestão de um contrato deve desde o primeiro momento ser feita de forma a um eventual litígio poder ser ganho. É a melhor maneira de o evitar.

2 – Negociações antagónicas 

Nas negociações antagónicas pode acontecer que não haja um contrato mutuamente acordado ou que uma das partes deixe de o reconhecer ou aplicá-lo. É o caso de uma agressão ou da violação de tratados internacionais ou do contrato social preexistente. Neste caso, não existem parceiros, mas sim adversários.

O ponto de partida terá de ser a parte mais fraca a mostrar à mais forte que ela pode perder mais do que a mais fraca está disposta a suportar se não se chegar a acordo. É uma situação de "I loose – you loose". As negociações antagónicas ocorrem por incompetência, falta de honestidade ou má-fé de uma ou ambas as partes, mas são sempre o resultado de relações antagónicas irresolúveis.

O objetivo da parte mais fraca é chegar à negociação, o da mais forte que não exista negociação, que a parte mais fraca se conforme com as suas decisões e critérios. Valem as relações de força, poder, ameaças, diversas formas de chantagem, agressão psicológica.

Nas relações entre Estados o típico destas situações é a agressão, que pode não ser militar. A parte agredida, tem de se colocar numa posição de força para motivar negociações. A posição de força passa por estabelecer uma estratégia para mostrar que controlo ou domínio da outra parte se tornou irrealizável. Como exemplos deste tipo de situações podemos mencionar o fim da guerra do Vietname, as lutas de libertação nacional, a resistência do povo cubano perante os EUA, as negociações das FARC com o governo colombiano. Escusado será dizer que a resolução de relações antagónicas, implica esforços, determinação, sacrifícios.

Refiram-se ainda as questões laborais. Se a lei protege a parte mais fraca – os trabalhadores, o movimento sindical – as negociações podem ser do tipo não antagónico, apesar do desenvolvimento de greves. Caso a lei consagre a "flexibilidade laboral" então as relações laborais são sempre de natureza antagónica. Os trabalhadores terão de considerar como seu objetivo estratégico a derrube do sistema que origina tais relações.

3 – O "memorando de entendimento" em Portugal [1]

Existem contratos em que são definidos objetivos a atingir, mas a escolha e gestão dos processos são da responsabilidade do contratado. Noutros a gestão e procedimentos são da responsabilidade do contratante, competindo ao contratado apenas o seu cumprimento com qualidade e diligência, embora os objetivos a atingir não sejam de sua responsabilidade.

O que se passou com a troika foi que estes definiram os procedimentos, um calendário de ações e os objetivos a atingir. Em termos contratuais isto é simplesmente inconcebível: ser responsável por atingir determinados resultados, ser penalizado se tal não for conseguido, mas não ser livre de decidir sobre os procedimentos para lá chegar. Numa empresa, havia razões para os responsáveis por tal situação serem alvo de um processo disciplinar.

Em Portugal estas posições foram qualificadas de "ajuda" dos "nossos amigos". Propagandistas esmeraram-se em elogiar a troika e a nossa perda de soberania, roçando a boçalidade fascizante: "se não fosse a troika deitávamo-nos à sombra e não fazíamos nada" ou "felizmente que estamos sob intervenção da troika". De facto, o colonizado torna-se desprezível quando elogia e se coloca do lado do colonizador.

O "memorando" representa na realidade um pacto de agressão e ocupação do país e, como a ministra das Finanças não se cansa de lembrar, continua em vigor. O vice-ministro Portas diz o contrário, no papel de tartufo político. Marcelo, comentador funâmbulo, elogia-o. Porém, excetuando 1580 e 1890 nunca houve um ataque tão grave à soberania nacional como este.

O PSD e CDS mostraram o que pretendiam ao exigirem em apoio da finança a vinda troika, participando com o PS na aceitação do chamado "memorando". Ao tornarem-se governo foram "para além da troika" nas medidas antipopulares, mas não no que dizia respeito às rendas do sector energético e PPP. Um secretário de Estado foi levado à demissão ao dizer que havia mais de 3 000 M€ de rendas energéticas.

O governo PSD-CDS governou à margem da lei e da Constituição, oferecendo aos oligarcas um exército de reserva do trabalho no limite da subsistência. Um PR digno desse nome deveria ter desde logo convocado novas eleições face ao não cumprimento das promessas eleitorais e à fraude implícita no "memorando".

Um governo patriótico teria de imediato denunciado o "memorando" evidenciando que os objetivos exigidos não eram alcançáveis com as medidas impostas. E para a troika não dizer que havia incumprimento da parte portuguesa tratar de imediato de resolver a questão das rendas energéticas e nas PPP. Esta posição levar-nos-ia de imediato á mesa das negociações, de acordo com o que atrás dissemos, obviamente antagónicas.

4 – As negociações do Syriza

As propostas eleitorais do Syriza configuravam um partido da social-democracia tradicional com laivos nacionalistas. Só a deformação ideológica prevalecente na UE podia considera-lo de extrema-esquerda. O PS, inicialmente nervoso, embrulhava-se em contradições ridículas como: "apoiamos as negociações da Grécia, devendo ser encontrada uma solução dentro das regras europeias" (A. Costa). Como se causa maior dos problemas da Grécia (e de Portugal…) não fossem as "regras da UE".

O facto de o Syriza querer negociar com as entidades da troika não era em si mesmo criticável. Não vamos aqui detalhar o acordo com o Eurogrupo, dado este site disponibilizar relevante informação. O Syriza cedeu em toda a linha, passando de inimigo público dos oligarcas, a ser tolerado e mesmo elogiado pela direita, apesar desta o olhar com desprezo, saboreando a humilhação infligida e a vitória do neoliberalismo.

A imprensa alemã deu o tom com a arrogância de se considerarem "herren volk". A seguir às negociações do dia 20 de fevereiro, o Bild Zeitung falava em êxito de Schauble: "os gregos cedem, esperemos que desta vez cumpram. Há o perigo de Tsipras burlar com novos truques as decisões de Bruxelas". OFrankfurter Allgemeine dizia "é necessário verificar se os planos de reformas se tornam realidade ou ficam no papel". O Süddeutshe Zeitung, insistia. "a linha dura é importante, pois não se trata só de dinheiro, mas de luta entre as forças populistas e as forças moderadas da Europa".

Por "forças moderadas", devem certamente incluir os nazi-fascistas de Kiev que promoveram e apoiam. O FMI e a CE alinham no tom da imprensa alemã acima referida. Ora, a direita que respira aliviada, mostra o seu revanchismo e acaba por desmascarar o Syriza e as ilusões dos "europeístas".

No entanto, antes de se iniciarem as negociações, Varoufakis punha a hipótese de sair do euro e tinham sido encetadas conversações em Moscovo, alegadamente para serem consideradas fontes de financiamento alternativas. Rapidamente, Varoufakis desdisse-se e o Syriza não passa hoje de um Pasok recauchutado. Obviamente, a última palavra pertence ao povo grego.

Do ponto de vista de negociação, vejamos alguns erros do governo grego. Primeiro, não querer ver que negociações com a troika – as "instituições" – serão sempre de natureza antagónica. Logo no início o Syriza falou em "parceiros". Iludia-se e iludia o povo grego iniciando a negociação com uma estratégia totalmente errada nas circunstâncias prevalecentes.

Segundo, apesar de serem públicas as ameaças e a chantagem sobre a Grécia, o governo grego sentou-se à mesa sem nenhum plano alternativo, foi pedir esmola. Estava derrotado à partida, restava-lhe fazer como os partidos do sistema e tentar ir enganando o povo grego.

5 – Algumas conclusões

A Alemanha assume-se como gendarme político, económico e social na UE. Uma negociação sobre austeridade com a UE é uma negociação antagónica. Falar em parceiros e ajuda evidencia-se, face ao que ocorre, como uma desprezível mentira.

Não se pode iniciar uma negociação deste tipo sem um plano alternativo para enfrentar o confronto, designadamente: a saída do euro, o não pagamento da dívida até acordo sobre a sua renegociação, a obtenção de financiamento alternativo através do sistema financeiro criado pelos BRICS e a SCO (Shanghai Cooperation Organization). [2]

O Syriza "esqueceu-se" de uma medida fundamental, evidenciando o seu carácter social-democrata, como o controlo público da banca implicando o fim da livre transferência de capitais. A contravenção à lei, posta em prática de imediato, implicaria a penhora de bens e um processo de pagamento de juros. [3]Deveria também ser prevista a instauração de processos contra atos anteriores à posse do governo que configurassem ilegalidades ou sabotagem económica.

A capitulação do Syriza levou a que a CE insistisse na ofensiva contra os povos. O comissário dos assuntos económicos deu uma conferência de imprensa para denunciar (é o termo) cinco países – França, Itália, Bélgica, Bulgária, Croácia, Portugal – em situação de défice excessivo "que requer ações políticas decisivas e monitorização específica".

A UE tem os povos presos nas grilhetas do endividamento e do euro. Esta situação só será alterada pela resistência popular. O caso grego mostrou que esta resistência amadureceu na consciência dos povos. Quando o governo grego parecia querer afrontar a troika o seu apoio subiu para mais de 70%, e realizaram-se grandes manifestações de apoio ao governo. Face às pressões da troika, governo grego teria de imediato efetuar um referendo sobre as suas propostas eleitorais e a eventual saída do euro.

Por último, é importante verificar que partidos ou movimentos políticos sem referências ideológicas anticapitalistas expressas e evidenciadas na prática resvalam para o oportunismo rendendo-se ao neoliberalismo. Não queremos com isto dizer que para se defender a soberania nacional e políticas progressistas é necessário ser marxista. O que não se pode é ser antimarxista e não procurar a unidade com estes sectores.

Notas
[1] Ver "Representantes do Império em inspeção a uma Província: "IMF Country Report Nº 12/77", www.odiario.info/?p=2458
[2] Trata-se do Novo Banco de Desenvolvimento que desafia o domínio do BM e do FMI, com um capital inicial de 100 mil milhões de dólares. Seria curioso saber que percentagem de cidadãos da UE tem conhecimento desta realidade.
[3] Note-se que penalizações deste tipo são aplicadas em Portugal ao não pagamento de portagens nas ex-SCUT, transformando dívidas de alguns euros em centenas e múltiplos processos. O dinheiro obtido vai quase integralmente para os privados. Um escândalo.


Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ 

Portugal. ZEINAL É UM ROBÔ, JÁ TINHAM PERCEBIDO?




O Comendador, na sua grandiosa e modesta Coluna de Alterne, descobre o que os outros não pesquisam. É a vantagem do jornalismo sem fontes e da ficção narrativa com baixo teor de verdade. A gente conta a história e o senhor, se quiser, não acredita. Mas esta - permita-me que seja sincero - é verdadinha.

Comendador Marques de Correia – Expresso, opinião

Parece que alguns responsáveis da Comissão de Inquérito ao caso BES não gostaram da prestação de Zeinal Bava porque ele ou não se lembrava das coisas, ou não as tinha lido, ou não as tinha ouvido.

Antes que os senhores mais mal intencionados - se é que alguém com tais características lê esta coluna - se ponham a pensar que vou fazer comparações parvas com aqueles três macacos - o que tapa a boca, o que tapa os ouvidos e o que tapa os olhos - digo-vos já por que razão o ex-presidente da PT não está a mentir. 

Alguma vez, algum dos senhores, ouviu um discurso de Zeinal? Não? Eu ouvi. E o homem convenceu-me sempre. Ora, se eu não me convenço com o Passos, com o Costa, com o Portas, com o - meu Deus! e ele é Presidente da República - Cavaco, nem com a Catarina, nem com o Jerónimo, por que havia, este espírito inquieto e desconfiado que é o meu, de acreditar no Bava? A resposta é uma e compreendia-a ontem, ou noutro dia qualquer, isso não é importante. O Zeinal Bava não existe. É uma criação da Meo, como o Ricardo Araújo Pereira a quem, mesmo agora, vi porem-lhe um braço. São robôs.

Atenção eu não estou a dizer que um Bava robô tem menos responsabilidades do que um Bava humano. O que quero dizer é que se o Bava robô não pode ter ouvido, lido, sabido, falado, porque, pura e simplesmente, não estava programado para tal. 

Estou neste momento a tentar saber se o Ricardo Salgado também é robô. Penso que sim. Aquela cara impenetrável diz muito sobre ele. E se o Ricardo robô é responsável pela crise no BES, o que podemos fazer acerca da questão do papel comercial? A vida está difícil...  
E bem dizia Bill Gates que a inteligência artificial é o maior perigo para a humanidade. Já viram a quantidade de inteligência artificial que há por este país? Se mais logo ouvirem o Marcelo percebem melhor... como sempre! 

No Expresso: O vídeo de Zeinal, gestor sem memória: "Não atuei, não li,não fiz nada"

Portugal. PERDÃO DE MILHÕES AO BENFICA AINDA NÃO ESTÁ DECIDIDO PELA CML




Fernando Medina defende separação entre investimento imobiliário e apoios ao desporto 

Em entrevista à TSF, questionado sobre a isenção de taxas ao Benfica, o vice-presidente da Câmara Municipal de Lisboa lamenta o comportamento da oposição, e diz estar disponível para debater a política de taxas e apoios da autarquia aos clubes da capital, e defende que deve separar-se o que são «promoções imobiliárias rentáveis, e construções de índole desportiva».

Fernando Medina fala em aproveitamento político à volta da isenção de taxas ao Benfica, insistindo que a decisão «não está tomada» e que será decidida apenas em Assembleia Municipal.

Antecipando que o diferendo entre a posição dos serviços camarários - que consideram que os protocolos assinados entre a autarquia e o Benfica não se aplicam aos atuais projetos do clube -, e as pretensões do Benfica pode vir a acabar em tribunal, Fernando Medina recusa tomar partido nesta questão.

Fernando Medina fala em aproveitamento político à volta da isenção de taxas ao Benfica, insistindo que a decisão «não está tomada» e que será decidida apenas em Assembleia Municipal.

Antecipando que o diferendo entre a posição dos serviços camarários - que consideram que os protocolos assinados entre a autarquia e o Benfica não se aplicam aos atuais projetos do clube -, e as pretensões do Benfica pode vir a acabar em tribunal, Fernando Medina recusa tomar partido nesta questão.

Polémica sobre vídeo de Costa é "fait-divers"

Fernando Medina desvaloriza toda a polémica à roda do vídeo de António Costa, perante uma plateia de empresários chineses, a dizer que «o país está hoje bastante diferente do que estava há 4 anos».

O dirigente socialista, membro do secretariado nacional do PS, afirma que «é absolutamente inequívoco o pensamento de António Costa sobre a situação do país, e o que foi feito nos últimos anos». Fernando Medina garante que não atribui importância ao caso, e afirma que é apenas «um "fait-divers" que está a ser aproveitado, que não belisca a substância do pensamento de António Costa, que é sólido, claro e transparente».

Presidenciais

Antigo assessor de António Guterres em São Bento, entre 2000 e 2002, Fernando Medina não tem dúvidas de que o antigo primeiro-ministro daria um «extraordinário candidato, e acima de tudo um extraordinário Presidente da República».

Confessando que tem «algum contacto, ainda que irregular», com António Guterres, o dirigente socialista não revela se nessas conversas tem recebido, ou não, sinais de disponibilidade para uma candidatura presidencial.

Entre sorrisos, o atual vice-presidente da Câmara Municipal de Lisboa limita-se a dizer que não será ele a fazer na TSF o pré anúncio de uma eventual candidatura de António Guterres, e encerrou o tema dizendo «não posso falar sobre isso».

Paulo Tavares - TSF


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