A
coincidência parece muito grande e os jornalistas não têm dúvida: a rescisão
dos contratos com os jornais independentes pelas gráficas é uma manobra
política para amordaçar a imprensa crítica.
Mais
de uma dezena de jornais, incluindo os semanários "Folha 8", "O
Crime", "Manchete" e o "Grandes Notícias", correm o
risco de parar de publicar nos próximos dias. A sua gráfica enviou-lhes uma
carta, suspendendo a impressão dos jornais por tempo indeterminado. A gráfica
alega falta de matéria-prima, como papel e tinteiros, para continuar a imprimir
os jornais, por causa da crise económica.
Numa
carta de rescisão, a gráfica Lito Tipo informa que as taxas alfandegárias e os
preços das matérias-primas compradas fora do país são demasiado altos. Por
isso, para a gráfica, seria insustentável a impressão dos jornais.
Em
entrevista à DW África, Mariano Brás, o diretor do semanário "O
Crime", confirma ter recebido a carta. O jornalista desconfia que haja
motivos políticos por detrás desta decisão: “Há indícios de que esta é uma
orientação por parte do regime, que se enquadra nos planos das eleições”. Em
Angola realizam-se eleições gerais a 17 de agosto de 2017.
Perigo
para a democratização
O
diretor d'"O Crime" disse que tentou recorrer a outra gráfica, a
Damer, que também recusou imprimir o jornal, apresentando os mesmos motivos.
Contatou ainda uma pequena gráfica nos arredores de Luanda, mas: “Esses pelo
menos foram claros em dizer que não podem imprimir jornais opostos ao Governo.
É o que se presume que está a acontecer também com as outras gráficas. Por
exemplo, a Damer está a fazer a impressão de outros jornais. Curiosamente são
jornais que já foram comprados por elementos do Governo. Só os chamados
independentes, pura e simplesmente não têm acesso às gráficas”.
Francisco
Kabila, diretor do jornal "Manchete", também confirma ter recebido a
carta de rescisão de contrato por parte da gráfica Lito Tipo. Dado o momento
político e económico que o país atravessa e avizinhando-se o escrutínio de
2017, o jornalista não tem dúvidas de que o regime pretende calar de uma vez
por todas a imprensa independente: “Este foi mesmo o fim da picada. Não há como
sobreviver”. Francisco Kabila alerta para as consequências nefastas que poderá
ter esta situação para o processo de democratização do país, que não pode
prescindir de uma imprensa independente.
Gráficas
são de figuras ligadas ao poder
A
DW África tentou contatar o responsável da gráfica Lito Tipo, Fernando Campos,
mas este não atendeu os nossos telefonemas. Em Angola, além da Lito Tipo, a
outra gráfica com capacidade para impressão de jornais é a Damer. Ambas as
gráficas pertencem a figuras ligadas ao partido no poder, o MPLA, e ao círculo
presidencial, entre eles o general Manuel Vieira Dias "Kopelipa", ministro
de Estado e chefe da casa militar do Presidente da República, e Aldemiro da
Conceição, também ligado à Presidência.
“Pernas
cortadas”
Esta
situação reforça a suspeita dos jornais de que se trata de manobra política.
Outra publicação afetada é o jornal "Grandes Notícias". O seu
administrador-geral, Valter Daniel, argumenta que, se a medida não tivesse como
objetivo pôr fim à circulação de publicações independentes, a gráfica teria
optado por uma ação menos drástica, por exemplo, cobrando mais pela impressão
para pagar o custo acrescido do material: “Mas eles nem fizeram isso. Apenas,
de um dia para o outro, cortaram-nos as pernas. Não sei como nos vamos safar
desta”.
A
DW África não conseguiu entrar em contato com o diretor do semanário
"Folha 8", o jornalista William Tonet. Mas este será outro jornal que
poderá ver suspensa a publicação das suas edições.
O
secretário-geral do Sindicato dos Jornalistas Angolanos diz que já está a par
da situação. Teixeira Cândido comenta que a democracia não se constrói apenas
com um ou dois jornais. Por isso, apela à intervenção urgente do Governo para
salvar a diversidade da imprensa angolana: “É uma situação de profunda
tristeza. Estamos a olhar para o eventual encerramento de jornais com a
possibilidade de perda de emprego para muitos jornalistas. É claro que o
sindicato não podia estar mais triste”.
Nelson
Sul d'Angola/Benguela – Deutsche Welle
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