Reginaldo
Silva – Rede Angola, opinião
O
caso Kalupeteca é mais um que transita do ano passado, ao lado dos révus e do
afundamento do preço do petróleo, para o novo ano, que pelos vistos, nos seus
tons mais cinzentos, e como era nossa previsão anterior, vai manter-se muito
igual ao seu predecessor.
Estamos
a falar do capitulo da crise que prossegue dentro de momentos e da
polémica/controvérsia que está aí para durar e para aprofundar um pouco mais a
divisão da opinião publica e publicada em torno dos dois fracturantes processos
judiciais.
Com
o julgamento de José Kalupeteca e dos seus correligionários em marcha no seu
terceiro dia na cidade do Huambo, já deu para perceber pelas informações a que
tivemos acesso de diferentes fontes, que vamos ter mais um daqueles turbulentos
processos, com a diferença de que desta vez não haverá pelo menos ninguém a
querer encenar na sala de audiência a “parábola” da justiça que é cega,
protegendo o seu rosto da identificação imediata por contacto visual.
A
primeira nota dissonante deste processo é que, com base na pronúncia, ele
apenas pretende apurar quem foi que matou, como foram mortos, ou como morreram
os 9 polícias, estando nesta altura ainda em aberto as três opções a ter em
conta os primeiros depoimentos já registados pelo Tribunal.
Tudo
o resto que se passou naquele dia e nos dias subsequentes na “montanha”, onde
se tinham concentrado algumas largas centenas (ou milhares?) de seguidores de
Kalupeteca e da sua “Luz do Mundo”, dificilmente será trazido para a audiência
por iniciativa do Ministério Público e do colectivo dos Juízes.
Salvo
melhor opinião e ulteriores desenvolvimentos, estamos em crer que ainda não
será desta vez que será feito o esclarecimento completo e imparcial dos
trágicos acontecimentos que tantas versões e cifras já produziram, sendo o famoso
video a “prova” que mais nos aproximou dos factos vividos há cerca de um ano em
São Pedro do Sumé/Caála.
As
cautelosas aspas colocadas na palavra prova têm como justificação o nosso
desconhecimento em relação à sua aceitação ou não pelo Tribunal, ou mesmo se
ele será ou não introduzido pela defesa no decorrer da audiência.
Depois
da defesa já ter visto recusado de forma liminar os seus primeiros
requerimentos, tendentes a alargar o âmbito da produção da prova e do
consequente apuramento da verdade, restam-nos as declarações dos réus para se
fazer o contraditório com a acusação que pende sobre eles no caso da morte dos
nove agentes da autoridade.
Dos
outros treze mortos do lado dos adeptos de Kalupeteka, que as autoridades
assumiram oficialmente, nem o nome deles se conhece, quanto mais as
circunstâncias do seu passamento.
De
acordo com o que disseram os primeiros arguidos, e enquanto se aguarda pelo
depoimento do próprio José Kalupeteka, que será sem dúvidas um dos momentos
mais esperados deste julgamento, as versões sobre os factos, de acordo com o
que transpirou, parecem-nos ser pouco convergentes quanto às circunstâncias em
que ocorreu a morte dos nove policias.
Com
todas as dificuldades administrativas que se estão a colocar à cobertura
jornalística das audiências, sente-se que a “estratégia” é filtrar ao máximo o
acesso da opinião pública ao conteúdo das versões que estão a ser apresentadas
pelos réus, pois a outra, a do Ministério Público, já é sobejamente conhecida.
Em
nome da transparência, da credibilidade e da independência do próprio Tribunal,
seria bom que não fossem colocadas tantas dificuldades aos jornalistas no seu
acesso à sala onde decorre o julgamento.
Tais
restrições só vão aumentar a margem de especulação e as imprecisões da
informação que os nossos colegas que se encontram no Huambo estão a prestar em
nome do interesse público.
De
nada adiantará a Televisão repetir a dose de Luanda com o julgamento dos
révus, entrevistando pontualmente alguém que passa o tempo todo a dizer
que está tudo a correr muito bem de acordo com a lei e com os
procedimentos previstos, pois não é isso que está em causa. É suposto que os
julgamentos assim decorram não havendo qualquer necessidade de se estar a
repisar este aspecto, a não ser que aconteça exactamente o contrário.
Também
não nos parece que seja de bom tom os comentaristas anteciparem as sentenças no
canal público, dando os réus como irremediavelmente culpados de todos os crimes
que estão a ser acusados, o que efectivamente configura uma pressão
desnecessária sobre o Tribunal.
Sendo
o julgamento público, as pessoas têm o direito à informação do que lá se está a
passar, o que só os jornalistas podem fazer à escala da opinião pública
nacional que, acreditamos, esteja a dedicar a sua melhor e maior atenção ao
caso, por razões mais do que óbvias.
Afinal
de contas, estamos diante de um confronto sem precedentes na história do
pós-independência no que toca ao relacionamento do poder com a religião, por
mais que se queira subestimar o que se passou naquela localidade.
Até
que ponto a defesa conseguirá convencer o Tribunal a olhar para este caso com
uma visão mais abrangente e inclusiva, será, certamente, um dos maiores desafios
que David Mendes e os seus colegas terão pela frente ao longo dos próximos
dias.
Tudo
leva a crer que eles vão continuar a insistir na tecla do apuramento de toda a
verdade e não apenas de uma parte dela, que é o que se depreende do conteúdo da
acusação do MP e do despacho do Juiz da causa.
Se
de facto as coisas se apresentam assim, e enquanto se aguardam por outros
esclarecimentos, a única forma que o próprio Executivo tem para “desmontar” os
expressivos números da tragédia que tanto o incomodam e continuam a circular,
seria aproveitar da melhor forma o actual julgamento, permitindo que fosse
feita de forma convincente toda a luz sobre o que realmente se passou na
“montanha”.
Seja
como for, sempre alimentamos a esperança de que alguma coisa se ficará a saber,
no final de mais este polêmico e tormentoso caso.
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