domingo, 24 de janeiro de 2016

Portugal. GORONSAN, SENHORES!



Afonso Camões – Jornal de Notícias, opinião

Lá por eu vir aqui falar de medicamentos, não pensem já que é piada fácil para algum dos candidatos em quem vamos votar hoje. Na casa do meu avô, abria-se a portinhola do canto e lá havia sempre o frasquinho do bicarbonato de sódio. Dissolvia-se uma colher do pó em copo de água e era a mezinha certa para a ressaca da véspera.

A indústria farmacêutica, useira e vezeira na escolha de palavras difíceis para nos complicar a vida, inventou outra droga que, diz a bula, mistura cafeína, glucuronamida e ácido ascórbico. Trocado por miúdos, a moderna pastilha dissolvente junta magicamente um estimulante e dois ácidos: um tem efeito desintoxicante e o outro é um tónico, a famosa vitamina C. Ou seja, tudo quanto estamos a precisar, para reagir à ressaca.

Ressaca? As que quisermos. Os anos de austeridade, dirão uns. Os anos de Cavaco, dirão outros. A festança de véspera, dirão quase todos. E ainda lhe acrescentamos o enjoo e o fastio da campanha eleitoral que nos convoca para a votação de hoje.

Aos 10 candidatos devemos creditar a coragem ou o desassombro de se terem chegado à frente, dispostos a atravessarem-se por nós ou por si próprios, que também os há. Mas não podemos perdoar-lhes, e nem a nós, o desperdício de oportunidade para se darem a conhecer melhor, e para o confronto de ideias sobre Portugal e o nosso destino comum. O debate foi vazio. Alguns dos candidatos mereciam mais. E os portugueses também.

Muitos, aliás, votam hoje na esperança de uma segunda volta desintoxicante. Mas o efeito tóxico vem de trás e de longe. Escrevi aqui há dias que, com a ajuda do presidente que se despede, o condomínio privado em que se transformou a política portuguesa, dominada pela oligarquia partidária, tem feito de tudo para desvalorizar estas eleições. Não lhes dá jeito um presidente forte, árbitro justo e imparcial e, sobretudo, engenheiro dos compromissos que nos façam sair deste longo inverno de cidadania.

É por isso que volto à farmácia, para vos recomendar o mais comum dos genéricos em democracia: Vamos votar! E que ao fazê-lo estejamos a escolher um rosto à nossa medida, a representação simbólica da chefia do Estado que somos nós, a figura na qual nos revemos e na qual delegamos a projeção de Portugal e dos portugueses no Mundo.

Num tempo de tantas incertezas e de tão profundas incógnitas, por cá e tudo à volta, é nesse rosto que projetamos o efeito placebo que nos estimule e resgate a esperança. O rosto de alguém que compreenda, e a quem possamos lembrar, que mesmo no mais alto dos tronos estaremos sempre sentados sobre o nosso rabo. Levantemos, pois, cada um o seu. E vamos votar.

*Diretor do JN

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