Afonso
Camões – Jornal de Notícias, opinião
Lá
por eu vir aqui falar de medicamentos, não pensem já que é piada fácil para
algum dos candidatos em quem vamos votar hoje. Na casa do meu avô, abria-se a
portinhola do canto e lá havia sempre o frasquinho do bicarbonato de sódio.
Dissolvia-se uma colher do pó em copo de água e era a mezinha certa para a
ressaca da véspera.
A
indústria farmacêutica, useira e vezeira na escolha de palavras difíceis para
nos complicar a vida, inventou outra droga que, diz a bula, mistura cafeína,
glucuronamida e ácido ascórbico. Trocado por miúdos, a moderna pastilha
dissolvente junta magicamente um estimulante e dois ácidos: um tem efeito
desintoxicante e o outro é um tónico, a famosa vitamina C. Ou seja, tudo quanto
estamos a precisar, para reagir à ressaca.
Ressaca?
As que quisermos. Os anos de austeridade, dirão uns. Os anos de Cavaco, dirão
outros. A festança de véspera, dirão quase todos. E ainda lhe acrescentamos o
enjoo e o fastio da campanha eleitoral que nos convoca para a votação de hoje.
Aos
10 candidatos devemos creditar a coragem ou o desassombro de se terem chegado à
frente, dispostos a atravessarem-se por nós ou por si próprios, que também os
há. Mas não podemos perdoar-lhes, e nem a nós, o desperdício de oportunidade
para se darem a conhecer melhor, e para o confronto de ideias sobre Portugal e
o nosso destino comum. O debate foi vazio. Alguns dos candidatos mereciam mais.
E os portugueses também.
Muitos,
aliás, votam hoje na esperança de uma segunda volta desintoxicante. Mas o
efeito tóxico vem de trás e de longe. Escrevi aqui há dias que, com a ajuda do
presidente que se despede, o condomínio privado em que se transformou a
política portuguesa, dominada pela oligarquia partidária, tem feito de tudo
para desvalorizar estas eleições. Não lhes dá jeito um presidente forte,
árbitro justo e imparcial e, sobretudo, engenheiro dos compromissos que nos
façam sair deste longo inverno de cidadania.
É
por isso que volto à farmácia, para vos recomendar o mais comum dos genéricos
em democracia: Vamos votar! E que ao fazê-lo estejamos a escolher um rosto à
nossa medida, a representação simbólica da chefia do Estado que somos nós, a
figura na qual nos revemos e na qual delegamos a projeção de Portugal e dos portugueses
no Mundo.
Num
tempo de tantas incertezas e de tão profundas incógnitas, por cá e tudo à
volta, é nesse rosto que projetamos o efeito placebo que nos estimule e resgate
a esperança. O rosto de alguém que compreenda, e a quem possamos lembrar, que
mesmo no mais alto dos tronos estaremos sempre sentados sobre o nosso rabo.
Levantemos, pois, cada um o seu. E vamos votar.
*Diretor
do JN
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