Rui Peralta, Luanda
Cinco anos após os acontecimentos de 14 de Janeiro de 2011, a normalização “primaveril”
continua. No palácio presidencial de Cartago o presidente tunisino, Beji
Caid Essebsi, proferiu um virulento discurso, durante as celebrações, contra os
seus opositores políticos, que por sua vez boicotaram o evento. Uma semana
antes o partido Nidé Tunis (NT), no governo (sendo, também, o partido de
Essebsi, o presidente da república), celebrava a sua fundação, o que foi um
complexo momento de boa vontade, atendendo a que este partido se fragmentou
pouco tempo depois de fundado. A denominada “ala esquerda” deste partido
decidiu abandoná-lo e criar um novo partido. E isto devida á insistência do
presidente tunisino em impor o seu filho Hafedh Essebsi, como secretário-geral
do NT, o que levou ao afastamento de um largo sector da organização e á perda
da maioria parlamentar, em virtude dos deputados que abandonaram o NT.
Se o discurso político tunisino parece andar turbulento, a sua economia
continua com uma dependência em tudo igual ao contexto anterior da Primavera.
Investimento estrangeiro e turismo barato continuam a ser os pilares da economia
tunisina. A angustia criada em torno do pagamento da divida permanece. O Comité
para a Anulação da Divida do Terceiro Mundo refere, no relatório anual de 2015,
que 82% dos novos empréstimos concedidos pelo FMI e Banco Mundial destinam-se a
pagar a divida contraída pelo anterior regime de Ben Ali. E assim a divida
externa tunisina duplicou nos últimos cinco anos, passando de 11 milhões e 500
mil USD para 22 milhões de USD.
Com o sector turístico paralisado pela ameaça terrorista e a indústria do
fosfato completamente estagnada e a viver um momento crítico e apático, a
Tunísia é palco de disputas entre famílias pelo controlo do mercado informal
(que representa cerca de 54% da economia nacional tunisina) tendo como pano de
fundo a inflação e o desemprego, que em algumas regiões alcança os 40%. Por
isso não é de estranhar que em 2015, segundo o Fórum para os Direitos
Económicos e Sociais, tivessem ocorrido cerca de 4 mil e trezentas acções
organizadas de protesto social e politico e cerca de 500 suicídios, ou que – conforme
a Homeland – 6 mil jovens tunisinos estejam nas fileiras do Daesh na Síria.
O permanente estado de alerta antiterrorista em que a sociedade tunisina
mergulhou, por sua vez, serve de pretexto ao congelamento das revindicações de
2011. Em nome da segurança recalca-se os motivos da crise politica e económica
e impede-se o prosseguimento das alterações sociais iniciadas pelas
revindicações da intifada tunisina de 2011. No contexto regional o caos e a
guerra civil são ameaças constantes na Líbia e na Argélia. Apesar da
fragilidade das suas fronteiras a Tunísia conserva um mínimo de estabilidade
politica e social e uma institucionalização formalmente democrática (similar ao
que ocorre no Egipto). Por outro lado a Tunísia sofreu - com a intifada de 2011
– duas rupturas que se complementam: 1) rompeu com a lógia do partido único (e
não a substituiu pela lógica do único partido); 2) rompeu com a lógica do
pensamento único (o que impediu a sociedade tunisina de cair na lógica do único
partido).
Mas existiu um outro aspecto fundamental no panorama politico tunisino. No
congresso que fundou o NT esteve presente, como convidado, Rachid Ghannouchi o
presidente do partido islâmico Ennahda, que participa, coligado com o NT, no
actual governo. Esta aliança entre o centro-direita laica (NT) e o
centro-direita islâmico (Ennahda) é certo que deixa de fora a esquerda
tunisina, os jovens revolucionários de 2011 e a extrema-direita islâmica mas
constitui uma integração dos sectores islâmicos na arquitectura institucional
tunisina, que é laica. A coligação entre o NT (que comporta muitos “fulul” do
antigo regime) e o sector maioritário islâmico (perseguido no antigo regime)
pode não ser a alternativa mais adequada às mudanças estruturais que a
sociedade tunisina necessite mas constitui um factor decisivo para o reforço e
implementação sustentável das instituições democráticas tunisinas. Sem a
integração política do islamismo nunca os povos da região poderão libertar-se
dos regimes autoritários laicos que utilizam o combate ao terrorismo para
legitimar as suas políticas, nem do próprio islamismo politico, profundamente
anti laico, que se legitima contra a influência dos “infiéis”.
É nesta excepção que a Primavera tunisina poderá constituir-se como alternativa
democrática e apontar caminhos de diálogo na conturbada região do Magrebe e em
todo o Norte de África.
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