quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

O QUADRILÁTERO DA PETRO-CONEXÃO



Rui Peralta, Luanda

Qualquer observador, por muito alheio que seja aos mercados, apercebe-se da influência do petróleo nos mercados accionistas. O que é menos claro é o facto do mercado de energia domina os restantes sectores industriais que aparentemente não têm conexão com o preço do barril de petróleo (inclusive em sectores que, teoricamente beneficiam com a queda do preço).

Uma das razões principais está relacionada com os grandes movimentos de capitais que o sector petrolífero realiza. Cerca de 1,6 bilhões de USD vão ser “apagados” no mercado bolsista norte-americano, em virtude da queda do preço do petróleo. Eis um motivo preocupante para os investidores, em primeiro lugar para os norte-americanos e os que investem nos USA e, depois – mas não menos preocupante – para os investidores do/no resto do mundo.

Existem quatro formas principais de como esta conexão se efectua que nos podem ajudar a compreender o porquê de algumas ocorrências nos mercados na situação actual da economia-mundo. A primeira forma de como esta conexão é efectuada nasce no seio do sector petrolífero que, ao aperceber-se da situação global antes dos restantes sectores, adoptou uma política de comercialização agressiva que teve forte reflexos na recessão mundial. Esta forma de conexão é ela própria uma consequência do facto do petróleo ser, ainda, uma base da economia mundial, um motor para a procura global e para o crescimento. A produção excessiva, que aumentou cada vez que o preço descia, não teve um correspondente assimétrico do lado da procura. Comprou-se muito menos do que seria de esperar, o que levou os principais produtores a desencadear sucessivos crescimentos na produção. Esta conexão é importante mas assumi-la como pressuposto não explica o facto de as economias não-petrolíferas não terem beneficiado com a quebra do preço.

A segunda forma de como esta conexão de realiza é através do sobrestimado valor anterior do barril de petróleo que sobrevalorizou diversos produtos e grupos financeiros o que causou, com o declínio dos preços do barril, uma série de desaires em fundos e em bancos. Se aplicarmos o Bloomberg High Yeld Index notaremos que, de facto, o sector da energia representou, em 2015, 19% das obrigações de maior risco (riskier bonds), ou seja, qualquer coisa como 284,1 mil milhões de USD. É natural que a banca financiasse diversos projectos no sector petrolífero, principalmente nas grandes companhias do sector e, é normal, que algumas pequenas companhias petrolíferas e do sector energético aproveitassem a alta de preço do barril para pedir empréstimos aos bancos. Sabe-se que nos USA os bancos emprestaram, em 2014, cerca de 190 mil milhões de USD ao sector energético (cerca de 2% do total dos empréstimos bancários neste país). Óbvio que estes empréstimos foram realizados em quando o valor do preço do barril estava irrealisticamente sobrevalorizado. Com o preço na casa dos 30 USD por barril, lógico que estes empréstimos não podem ser pagos, o que provoca um cenário preocupante, fazendo com que alguns bancos possam ser arrastados para uma situação difícil e que outros reajam diminuindo e dificultando as linhas de crédito.

A terceira forma de como esta conexão se efectua é através do grande inter-relacionamento entre o sector energético e as restantes mercadorias. As turbulências do sector energético produzem turbulências de igual amplitude nas restantes mercadorias, conforme se pode observar nos USA, onde esta correlação é maior. Neste país o sector energético foi o que mais cresceu (e mais rapidamente) no período 2010-2014 o que levou a que muitos negócios fossem realizados em função deste crescimento. Restaurantes, vendas de automóveis e equipamentos, sector imobiliário, turismo, indústria alimentar, são sectores que começam a entrar em pânico com a quebra dos preços do barril e com o “emagrecimento” do sector petrolífero (em particular com o desemprego que cresce no sector e respectiva quebra de rendimentos das famílias). Este factor é importante para os mercados se consideramos que em 2014 o sector da energia contribuía com cerca de 1/3 das despesas de capital do S&P 500 (abreviatura de Standard & Poor's 500, um índice de mercado norte-americano que consiste em acções de 500 empresas escolhidas, entre outros factores, de acordo com o seu tamanho, liquidez e sector. A lista de companhias que constituem o índice é elaborada pelo Comité dos Índices S&P. Este índice é considerado como representativo do desempenho do mercado bolsista norte-americano, representando 70% de todas as companhias negociadas na Bolsa de Chicago).

A quarta e última forma de como esta conexão se efectua é visível na atitude dos maiores investidores, tentados (e em alguns casos serão forçados) a venderem tudo o que não estiver dentro dos elevados parâmetros de rentabilidade exigidos pela alta velocidade de circulação dos capitais. Este factor prende-se ainda com um outro comportamento que alguns Estados produtores (e vendedores) de petróleo adoptaram. Depois de durante muitos anos usarem o dinheiro, obtido pela venda da produção, na compra de activos, agora estão a vendê-los, debilitando os instrumentos de investimento como os fundos soberanos, os fundos de estabilização, os fundos de desenvolvimento ou as reservas de divisas nos bancos centrais. O resultado é, no mínimo, catastrófico e constitui uma receita explosiva, onde o desinvestimento, as falências, o desemprego e a hiperinflação são os componentes principais.

Sem comentários:

Mais lidas da semana