Carvalho
da Silva* – Jornal de Notícias, opinião
Num
espaço em que deflagra um incêndio é fundamental existirem saídas de emergência
em funcionamento, meios de recurso imediato para atacar o(s) foco(s),
instruções experimentadas que possam ser transmitidas por uma voz de comando e,
além disso, é preciso que as pessoas não entrem em pânico e evitem correr
descontroladamente para as saídas de emergência.
Nestes
últimos anos, multiplicam-se os sinais de que vivemos à escala global, a nível
da União Europeia (UE) e no plano nacional em espaços cada vez mais fechados,
com focos de incêndio a deflagrarem todos os dias e em sociedades onde está
instalada a piromania. Durão Barroso, um dos políticos que nas últimas décadas
mais rastilhos colocou no plano europeu e internacional, com responsabilidades
nas fugas desesperadas a que hoje são obrigados milhões de seres humanos,
reconhece, em entrevista citada neste jornal, que vemos no plano mundial riscos
de "guerras generalizadas". Em resultado de quê? Da inexistência de
uma "ordem suficientemente clara", de os "estados já não
controlarem os acontecimentos, havendo um problema de legitimidade e
efetividade", ou seja, porque se destruíram formas organizadas das
sociedades, porque se aniquilaram instituições que funcionavam, porque não se
respeitaram culturas e relações entre os povos e se pretendeu impor, de forma
claramente antidemocrática, a ordem absoluta de uma minoria privilegiada.
A
UE, onde felizmente os povos ainda estão a salvo dos horrores bélicos, é hoje
um espaço cada vez mais cercado pela guerra, em que se prosseguem políticas de
desrespeito da democracia e da soberania dos povos. Os seus dirigentes atuam de
forma hostil com governos democráticos de que não gostam e insistem em mandar
para o empobrecimento os povos que ousem querer viver com dignidade e identidade
próprias. Foi isto que observamos nas afirmações indecorosas sobre Portugal do
ministro alemão Schäuble - que entretanto tem a Banca alemã a arder, mas faz de
conta - ou na sessão de tortura a que o Eurogrupo sujeitou o Governo português
na reunião da passada quinta-feira.
Por
cá, a subida da taxa de juros da dívida pública portuguesa (entretanto a
descer) foi utilizada pela Direita para incendiar a discussão sobre o Orçamento
do Estado (OE), como se este fosse a causa da subida. São inqualificáveis intervenções
alarmistas como a de Bruno Maçãs (ex-secretário de Estado), que na quinta-feira
colocou no seu Twiter uma mensagem de satisfação eufórica - que foi parar ao
blogue do "The Guardian" - logo que a taxa de juros começou a
disparar.
É
preocupante que a taxa de juros a que Portugal está sujeito se agrave mais do
que a de outros países e há que tudo fazer para o evitar. Mas é preciso bom
senso: i) a Banca europeia está doente, o afundanço dos mercados nos últimos
dias resulta desse facto e de ele poder induzir uma nova crise; ii) somos um
país pequeno, com uma economia frágil, e o Estado português depara-se com
problemas complexos, como o buraco "Novo Banco" e outros conexos no
sistema financeiro, que "preocupam" muito mais os mercados.
É
ridícula a discussão do OE com enfoque na ideia de que se trata de um Orçamento
com enorme agravamento da carga fiscal. Segundo vários economistas honestos e
competentes, a carga fiscal mantém-se, podendo dizer-se que cai 0,2 pontos
percentuais (p.p.) se tivemos em conta o peso dos impostos sobre o Produto
Interno Bruto (PIB), ou que sobe 0,1 p.p. se for considerado o PIB mais
contribuições sociais.
O
OE tem pontos negativos: insuficiência do aumento de apoios sociais,
limitações, algumas impostas pela UE, ao investimento e à dinamização da
economia e o compromisso de reduzir 10 mil trabalhadores na Administração
Pública. Contudo, é positivo o esforço para reparar violências feitas sobre
pensionistas, trabalhadores e pessoas muito carenciadas e observa-se uma
indiscutível melhoria na distribuição da carga fiscal.
Se
a Direita estivesse no poder, este OE já incorporaria uma nova brutal dose de
austeridade. No quadro atual, poderemos não a ter se o Governo for a força de
coordenação e comando que se exige em cenários difíceis, se houver sangue-frio,
coragem e mobilização dos portugueses.
*
Investigador e professor universitário
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