O
Tribunal do regime de Luanda leu hoje a sentença que, reconheça-se, há muito
estava lavrada. O suposto julgamento dos 17 jovens activistas não passou de uma
farsa para dar forma, mais ou menos legal, ao veredicto pré-determinado. Como
todos sabemos, em Angola todos são culpados até prova em contrário.
Segundo
a sentença, Domingos da Cruz cumprirá 8 anos e seis meses de pena, foi
condenado também enquanto líder de associação criminosa;
Luaty
Beirão cumprirá cinco anos e seis meses, também responde por falsificação de
documentos;
Nuno
Dala, Sedrick de Carvalho, Nito Alves, Inocêncio de Brito, Laurinda Gouveia,
Fernando António Tomás “Nicola”, Afonso Matias “Mbanza Hamza”, Osvaldo Caholo,
Arante Kivuvu, Albano Evaristo Bingo -Bingo, Nelson Dibango, Hitler Jessy
Chivonde e José Gomes Hataforam condenados 4 anos e seis meses de prisão;
Os
dois jovens que se encontravam a aguardar julgamento em liberdade, Rosa Conde e
Jeremias Benedito foram condenados a 2 anos e 3 meses de prisão.
Também
uma pessoa que tinha sido detida por desacatos no Tribunal e que não consta no
processo, Francisco Mapanda, conhecido por “Dago”, está a ser sumariamente
julgado por ter gritado em pleno tribunal que o julgamento “é uma palhaçada”.
Sobre
esta sentença, Eugénio Costa Almeida (um dos mais reputados especialistas
angolanos em Relações Internacionais) diz:
“Sejamos
honestos, É difícil, senão problemático, aceitar a ideia de que os activistas
angolanos representavam – ou representam – uma ameaça objectiva ao Estado
angolano. Actos e acórdãos como estes só dão força aos que consideram que o
regime político que está no País não conhece devidamente o que é democracia e,
por esse facto, não mais é que um regime musculado.”
“Vamos
aguardar os recursos e, o que por certo irá acontecer, o recurso final ao
Tribunal Constitucional. Como vamos, também, aguardar o que governantes e
ex-governantes portugueses dirão deste processo onde parece haver uma
sobreposição de factos jurídicos com posições políticas. Até lá pode ser que
haja uma amnistia…”, opina Eugénio Costa Almeida, recordando que “dois
activistas detidos e condenados a penas de prisão em Cabinda, José Marcos
Mavungo e o advogado Arão Bula Tempo”.
Uma
farsa em vários actos
O
caso dos “15+2 revús”, teve início a 20 de Junho de 2015 quando os mesmos foram
cercados, presos e imediatamente encarcerados ao serem apanhados quando se
encontravam reunidos numa livraria do bairro Vila Alice, em Luanda.
Estavam
a dissertar sobre um livro do jovem mestre em estudos filosóficos, Domingos da
Cruz, “Ferramentas para Destruir o Ditador e Evitar Nova Ditadura – Filosofia
Política da Libertação de Angola”, inspirado de uma obra do candidato a Prémio
Nobel e académico pacifista norte-americano Gene Sharp, From Dictatorship to
Democracy: A Conceptual Framework for Liberation (Da Ditadura à Democracia: Uma
Abordagem Conceptual para a Libertação).
Este
livro tem sido utilizado a nível internacional como um manual de instrução para
estratégias de luta não-violenta contra ditaduras. A primeira acusação que
pesou sobre eles foi terem sido apanhados em «flagrante delito de golpe de
Estado», razão divulgada pelas autoridades policiais com o beneplácito da
Procuradoria-Geral da República.
Cinco
dias depois, ao serem ouvidos pelos procuradores-inquisidores, a canção já não
era a mesma e eles passaram a ser acusados de tentativa de golpe de Estado e,
logo a seguir, passaram à condição de arguidos por cometerem “actos tendentes à
prática de rebelião, alteração da ordem pública e atentado contra o Presidente
da República”. Só mais tarde se produz a formulação para “actos preparatórios”.
No
meio desta salada mal mexida de acusações, em meados de Novembro foi aberto o
julgamento dos revús. O processo foi várias vezes interrompido por motivos
diversos, alguns deles caricatos, outros, mais que ridículos, ima vergonha para
Angola, entre os quais se destaca o fracasso quase total da audiência dos 50
membros citados numa lista dita do Governo de Salvação Nacional (GSN), a qual
nem sequer é da lavra dos revús, mas dum jurista angolano chamado Albano Pedro,
que a publicou como sátira jocosa e inofensiva no seu post do Facebook. Nesta
senda o único objectivo era PERDER TEMPO (já veremos porquê).
Chegou
enfim o dia 21 de Março e a verdade é que nada do que pesava como acusação
contra os revús foi provado. Afinal nunca houve tentativa de golpe de Estado. O
Ministério Público (do regime) retirou essa acusação e também absolveu o
arguido Manuel Chivonde Nito Alves do crime de falsificação de identidade.
Neste último ponto, assinale-se que a acusação perdurou durante cerca de cinco
meses antes de o Ministério Público se dar conta que era impossível incriminar
Nito Alves pois a pretensa falsificação datava de uma época em que ele era
menor de idade e, portanto, era inatacável.
Também
ficou provado, segundo a acusação, que os debates realizados pelos activistas
não serviam apenas para ler os livros, mas que eles planeavam e contavam
concretizar actos de rebelião. “Os arguidos queriam aprender as maneiras de
destituir o poder”, disse Isabel Fançony.
E
a “digníssima” representante do Ministério Público, perante tanta carência de
provas, lá conseguiu tirar, na parte final da sessão de 21 de Março, um último
coelho da sua cartola, ao acusar os revús, na sua totalidade, de bando de malfeitores,
liderados pelos co-réus Domingos da Cruz e Luaty Beirão, para depois pedir a
condenação de todos os arguidos por estarem a tentar formar uma “organização de
malfeitores”, um crime para o qual a moldura jurídica prescreve um
encarceramento de 2 a 8 anos de prisão.
Não
se pode compreender tal acusação, na medida em que ela tem como base de
sustentação o facto de os revús não terem respondido a nenhuma das questões do
juiz nem do Ministério Público ao longo do julgamento. Ora, isso é um direito
indiscutível, que assiste a seja que tipo de acusado for. Porém, tão ousada
sentença percebe-se perfeitamente se pegarmos na luneta para ver a imagem pelo
lado curto do canhão do governo, enfim, de José Eduardo dos Santos.
Eduardo
dos Santos tem medo dos jovens
José
Eduardo dos Santos, uma espécie de Teodoro Obiang ou Kim Jong-un, começou a ter
medo desde o final das eleições de 2012. Um dos seus ministros topo de gama (de
Estado) participou num jantar servido, em finais de Novembro desse ano num dos
restaurantes VIP de Luanda. Entre os convidados estava um colega nosso, a
conversa foi orientada para uma análise dos resultados das referidas eleições
gerais e, naturalmente, o pólo de atracção convergia para o que dizia o
ministro de Estado.
A
dada altura esse alto funcionário esqueceu-se que nem todos os que ali estavam
eram militantes do MPLA e revelou o seguinte: “O presidente está muito
preocupado com o facto de termos uma juventude cada vez mais impertinente e
contestatária. É que em 2017, nas próximas eleições, juntar-se-ão aos que não
votaram em nós, outros milhões de jovens que não podemos controlar. Esse é o
problema maior do MPLA, atrair a si a juventude”.
Quer
dizer, esta operação de arresto dos jovens mais radicais tem por objectivo
travar a tendência cada vez mais contestatária da juventude. O objectivo a
atingir é pô-los fora de combate até ao desfecho das eleições de 2017. Isabel
Fançony, sem dúvida superiormente orientada, compreendeu que tudo estava a
caminhar para eles serem condenados a dois anos de prisão no máximo. Não
convinha. Daí vem o porquê de todos os atrasos e de todas as interrupções ao
que acresce no final do processo esta alegação de que eles são um bando de
malfeitores, o que permite prisões até 8 anos.
Resumindo,
as alegações apresentadas pelo Ministério Público do regime há muito que
provaram que os revus iriam ser condenados, mesmo não havendo matérias que
provem a acusação. “Seremos condenados. E só se pode esperar isso”, afirmou um
dos reclusos no final da sessão, rindo do facto de lhes chamarem associação de
malfeitores por optarem pelo silêncio durante os interrogatórios a que foram
submetidos pelo tribunal.
Apesar
de tudo, importa relembrar a afirmação do jornalista Padrowski Teca: “A grande
decepção de José Eduardo dos Santos quando eliminou Savimbi, Nfulumpinga,
Cassule e Kamulingue e outros críticos e opositores, foi de pensar que
exterminaria a revolução mas, ao contrário, sempre viu nascer novos revús”.
Folha
8
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