Rui Peralta, Luanda
Os
analistas políticos turcos (mesmo os pró-governamentais) concordam que a
política externa do país sob o governo do Partido Justiça e Desenvolvimento
(AKP) é uma manta de retalhos. Segundo a opinião maioritária, isso é causado
pelo abandono da política externa laica que dominou desde Ataturk – o fundador
e modernizador da Republica Turca – e respectiva substituição por uma política
externa islamizada. Esta alteração de posicionamento reduz as opções,
principalmente num momento turbulento que atravessa toda a região Euroasiática.
A Turquia encontra-se numa situação de isolamento e incapaz de influenciar, a
nível regional, os acontecimentos, mesmo os que têm sérios impactos negativos
nos seus interesses.
A
política externa desenhada por Mustafá Kemal Ataturk era baseada no princípio
“Paz em casa, Paz no mundo”, que obrigava a Turquia a ter uma visão geopolítica
bem estruturada, que harmonizava-se com a política de desenvolvimento e de
modernização. Com o AKP, com a sua ideologia assente na premissa da “visão
nacional”, alicerçada numa concepção islâmica sunita, na linha política da
Irmandade Muçulmana, os princípios orientadores geopolíticos e geoestratégicos
turcos foram alterados. De uma geopolítica cuidadosa e defensiva, o AKP passa,
com o crescimento económico, a uma política de relacionamentos instáveis com os
vizinhos e com os outros poderes regionais.
O
AKP iniciou uma política externa idealista, durante o governo de Ahmet
Davutoglu, que foi ministro das relações exteriores de 2009 a 2014. Partindo do
principio de que a Turquia era o principal “player” na região e que, nesse
papel, poderia rearranjar os acordos estabelecidos e assumir o controlo
regional, o governo do AKP esqueceu-se da “realpolitik” e do lugar geopolítico
da Turquia. Em política externa não existem amizades eternas nem eternas
inimizades e, muito menos, interesses eternos. E erros após erros, os turcos
ficaram atolados em pântanos, assistindo ao apodrecimento das suas relações com
Israel, Egipto e Síria e ao agravamento das suas conturbadas relações com a
Rússia. Além destes desaires as relações com a Europa tornaram-se, no mínimo,
catastróficas e mesmo com os USA as relações são de desconforto. O AKP afastou
a Turquia do Ocidente, falhou o compromisso de Shangai, no âmbito dos acordos
de Cooperação e deixou o país isolado e atolado. Tenta o retorno ao
chapéu-de-chuva do Ocidente, mas essa é apenas, hoje, uma tentativa, nada mais.
A
concepção de que a Turquia é o líder regional sunita ganhou um novo impulso com
o Presidente Recep Tayyip Erdogan, que mergulhou o país no isolamento. A
política externa requer uma visão clara e objectiva da realidade, não emocional
e não doutrinária. Com Erdogan acontece o contrário. A Turquia mergulha nos
problemas regionais, toma posições por um dos lados em conflito e resume a sua
actuação a uma posição doutrinária. Erdogan esquece-se que erros estratégicos
não podem ser corrigidos por movimentos tácticos.
Os
erros de Ancara são de diversa ordem e a Turquia mergulha numa situação de
guerra declarada, a nível interno e externo. O conflito sírio é um exemplo de
como está atolada a manta de retalhos externa turca.
As
forças governamentais sírias, apoiadas pelas forças russas, tentam controlar as
vias de abastecimento entre a Turquia e a cidade de Alepo. Entre os aliados das
forças governamentais sírias encontram-se as Unidade de Protecção das
Populações Curdas (YPG), que desempenham um papel importante no controlo da
fronteira turca/síria. Ora, Ancara, declarou o YPG como organização terrorista,
devido á sua ligação com o Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK). O
governo turco quer evitar a expansão do PKK em Afrin, um cantão curdo,
localizado a noroeste de Alepo com receios que os curdos utilizem esta zona
como base para as suas actividades na Turquia.
O
YPG, recentemente, avançou para Este, em direcção á cidade de Azaz, o que levou
o 1º ministro turco Ahnet Davutoglu a declarar que a Turquia não permitira o
controlo de Azaz pelos curdos. Estas declarações não evitaram que o YPG
capturasse a cidade de Tell Rifaat, a poucos quilómetros de Azaz, com o apoio
da Força Aérea russa. Por outro lado, no âmbito das Forças Democráticas
Sírias (SDF, opostas ao governo sírio, mas aliadas no combate ao
Califado), o YPG cercou a cidade de Marea e prosseguiu o seu avanço pela
zona fronteiriça. O YPG que em Junho passado, com o suporte aéreo das forças
norte-americanas, libertou Tell Abyad, cidade que estava ocupada pelo Estado
Islâmico (ISIL), avança agora em toda a região fronteiriça com o suporte russo,
o que assusta o governo turco.
Com
o cerco a Marea o YPG exerce controlo sobre estradas fundamentais na ligação á
fronteira e exerce pressão a Este e a Oeste de Raqqa, controlada pelo ISIL.
Esta manobra permitiu-lhe o apoio russo e norte-americano, situação ainda mais
preocupante para o governo turco e é fácil de perceber as dores de cabeça dos
governantes turcos. Com o suporte aéreo russo, o YPG, pode expandir a sua
presença no cantão de Afrin, criando um corredor entre este cantão e os cantões
curdos de Kobani e Jazeera, corredor que isolará a área sunita da Síria,
impedindo-a de ligar-se á fronteira turca. Este cenário é um pesadelo para todo
o bloco sunita, composto pela Turquia e pelos Estados do Golfo. Por sua vez com
o suporte aéreo norte-americano o YPG ataca Raqqa, a capital do ISIS, integrado
no eixo oposicionista sírio reunido em torno do SDF.
O
YPG pode, assim, gerir os seus relacionamentos com russos e norte-americanos e
ter um papel decisivo na busca de entendimentos que levem a um acordo que
permita resolver o problema sírio. E isto também não agrada a Ancara, uma vez
que o protagonismo curdo na Síria e no Iraque representa um aumento das
revindicações dos curdos da Turquia. Mas o protagonismo curdo representa,
também, uma perda de oportunismo turco. Ancara quer liderar as forças sunitas
sírias e criar uma força aérea sunita de combate ao ISIS, cujo centro de
formação é em Konya e que conta com seis F-15 sauditas e com instrutores
turcos. Este treino inclui operações de coordenação com forças terrestres. A
todo o momento esperam-se mais vinte F-15 fornecidos pela Arábia Saudita, e que
serão enviados para a base aérea de Incirlik, onde são aguardados aviões de
combate do Qatar.
Esta
força sunita conjunta, suportada pela Turquia, Arábia Saudita e Qatar pretende
levar a cabo operações na Síria e aguarda autorização norte-americana para
participar nos bombardeamentos aos bastiões do ISIL, como Raqqa e Deir-ez-Zor.
Mas esta autorização pode ser demorada ou nunca chegar a acontecer, pois esta
força aérea sunita representa para os USA um “plano B” nas suas negociações
estratégicas com a Rússia e não pretendem, para já, abrir os portões para a
acção saudita e turca na Síria.
Outro
instrumento utilizado pela Turquia para influenciar o seu papel na Síria são os
155 morteiros de longo alcance que estão espalhados na sua fronteira, em torno
de Kilis. Com estes morteiros os turcos podem atingir facilmente Azaz e Marea,
que distam cerca de 10 milhas da fronteira. Por outro lado as forças armadas
turcas estão a concentrar artilharia pesada ao longo da fronteira, na área
controlada pelo Partido Democrata Unido Curdo (PYD) em Kobani, Teel Abyad e
Qamishli. Esta concentração de equipamento permite á artilharia turca cobrir
mais de 25 milhas no interior do território sírio. Este plano encontra-se, no
entanto, suspenso, devido às chamadas de atenção por parte do Conselho de
Segurança das Nações Unidas (embora não seja, ainda, uma resolução da ONU).
Um
segundo factor que pode levar Ancara a atolar-se completamente nos campos de
batalha sírios é a tese do “Novo Afeganistão russo”, concepção que é partilhada
com a Arábia Saudita e que nasceu entre as facções sunitas radicais da oposição
síria. Esta tese é alicerçada na entrega imediata de misseis Sting e SA-7
portáteis, de curto-alcance, misseis terra-ar antiaéreos portáteis (conhecido
por MANPADS, iniciais de Man-Portable Air Defense Systems), á semelhança do que
acontecia com os combatentes anti-soviéticos no Afeganistão. Isso implicaria o
abate de aviões e helicópteros russos, impedindo a força aérea russa e síria de
controlarem o espaço aéreo sírio. Para turcos e sauditas esta era, também, a
forma de eliminar a pressão russa e governamental síria sobre Alepo.
Enquanto
a situação síria desenvolve-se, Ancara manifesta impreparação. O governo turco
utiliza o conflito sírio para consumo interno e a sua máquina de propaganda
tenta criar uma imagem de vitória, passada ao eleitorado. Recusando-se a
analisar de forma realista o contexto sírio, a política externa turca
esconde-se numa capa doutrinária profundamente demagógica e que pode conduzir a
Turquia a uma interminável guerra com a Síria, Irão e a Rússia, enquanto
internamente, se desenvolvem condições para um conflito interno de grande
intensidade com as comunidades curdas que habitam na Turquia e com outras
minorias.
Ao
considerar a Síria e os curdos como ameaças á sua existência, Ancara faz parte
do problema e não da solução. A sua crescente cooperação com a Arábia Saudita e
o seu envolvimento na criação de um “bloco sunita” são factores de forte tensão
em toda a região. Não faltará muito para os povos da região terem mais um
inimigo: além do fascismo do Califado, começam já a equacionar um eventual
sultanato…
Fontes
Idiz Semih What happened to Turkey's foreign
policy? http://www.al-monitor.com
Idiz Semih Turkey, 2016: foreign policy prospects not
promising http://www.al-monitor.com
Idiz, Semih Turkey ups the ante in Syria http://www.al-monitor.com
Karakaya,
Kerim Turkey economic success dramatically changed http://www.al-monitor.com
Cetingulec,
Mehmet Turkey/Iran: trade deal prove huge disappointment http://www.al-monitor.com
Gurcan, Metin Turkey/Syria: new threats opportunities to
Ankara http://www.al-monitor.com
Gurcan,
Metin Will Turkey, Russia fan flames into an inferno? http://www.al-monitor.com
Taştekin,
Fehim Turkey/Syria: hopeless azaz battle http://www.al-monitor.com
Mert,
Nuray Turkeys difficult times http://www.hurriyetdailynews.com
Sem comentários:
Enviar um comentário