Mariana
Mortágua – Jornal de Notícias, opinião
Uma
das medidas do Orçamento do Estado com maior impacto no rendimento das famílias
mais pobres é a automatização do acesso à tarifa social da energia.
A proposta
do Bloco de Esquerda, aceite pelo Governo, pode resultar numa poupança entre
110 e 130 euros na fatura anual de nada menos que um milhão de famílias. Os
consumidores que tenham também tarifa social de gás natural poderão ter um
desconto acumulado de quase 200 euros/ano.
Este
desconto na fatura é um apoio aos consumidores com rendimentos anuais até 5800
euros (acrescidos de 50% por cada elemento do agregado que não tenha
rendimentos). Por terem já comprovado a sua carência económica, um milhão de
pessoas receberão o desconto automaticamente, por beneficiarem de apoios como o
abono de família, subsídio social de desemprego, rendimento social de inserção,
complemento solidário para idosos ou pensões sociais.
Este
automatismo permite que o desconto que a lei prevê chegue finalmente a quem
precisa. Até agora, a EDP e a Endesa acabavam por encaixar no seu lucro o
dinheiro dos descontos, que não chegavam a ser atribuídos. A barreira no acesso
à tarifa social era a burocracia do pedido formal pelo cliente, que permitiu
que as empresas ficassem com dezenas de milhões de euros que deviam ter chegado
às famílias mais pobres. A EDP até foi multada por criar obstáculos indevidos.
Em
Portugal, a cada inverno, repete-se um excesso de mortalidade em resultado do
frio. As casas são mal isoladas e a pobreza não deixa ligar o aquecimento. A
austeridade e as rendas excessivas na energia matam mesmo. Temos das energias
mais caras da Europa (preços antes de impostos), um negócio que dá à EDP lucros
anuais em torno dos mil milhões de euros.
Porém,
este quadro não inibe os responsáveis das empresas. Perante o anúncio da automatização
do acesso à tarifa social, o presidente da espanhola Endesa, Ribeiro da Silva
(que governou com Cavaco), apressou-se a ameaçar com a diminuição da qualidade
do serviço, em desrespeito pelo serviço público a que está obrigado. Pelo seu
lado, o presidente da EDP de capitais chineses e norte-americanos, António
Mexia (ex-ministro de Santana Lopes), correu a exigir que fossem os
consumidores ou os contribuintes a pagar a tarifa social. Tudo menos tocar nos
lucros astronómicos da EDP. E como, nestes momentos, nunca pode faltar o
habitual burocrata da Comissão Europeia, logo se juntou um comissário espanhol
da energia, apresentando em entrevista "a teoria da Comissão" (sic):
a pobreza energética "deve ser regulada [pelo Estado] a partir das
políticas sociais".
Toda
esta excitação dos donos da energia, empenhados em colocar a tarifa social na
despesa pública, demonstra uma coisa muito simples: foi um erro grave
privatizar empresas estratégicas, como a EDP e a REN, a favor de poderes
externos, a quem nada interessam as condições de vida do povo português.
Responsabilizar
as empresas por uma compensação como a tarifa social é questão de elementar bom
senso. Mas o problema maior está à vista e por resolver: a propriedade destas
empresas deve voltar a ser pública.
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