Rui
Sá – Jornal de Notícias, opinião
Tenho
que fazer uma confissão: no frigorífico cá de casa repousa uma garrafa de
champanhe que irei abrir e saborear depois de amanhã, dia 9. Comemorando a
saída, que espero definitiva, da vida política ativa de Cavaco Silva, que,
durante 20 anos, ou seja, metade do que dura o nosso regime democrático, ocupou
as mais altas responsabilidades e cargos políticos.
E,
não tenho dúvidas (embora na vida tenha muitas e frequentemente me engane...)
que muitos dos problemas que o país vive e que não conseguiu ultrapassar
devem-se às políticas que Cavaco implementou e acarinhou. Mas, para além desta
razão racional, há outras de caráter subjetivo que me levam a comemorar a sua
saída. Não gosto do homem, do seu estilo, da sua maneira de ser. E não é um
preconceito ideológico, até porque há várias pessoas de Direita que muito
respeito e por quem tenho admiração.
Mas
no caso de Cavaco isso não acontece. E, procurando analisar as razões para esta
"urticária", descubro um conjunto de factos que se sobrepõem à
imediata falta de empatia que a sua imagem me provoca. Vejamos quais são esses
factos.
Não
gosto daqueles que ambicionam o poder acima de tudo, mas que procuram fazer
crer que até não o queriam mas que o poder é que lhes caiu no colo, como o caso
da mentira mil vezes repetida de que apenas foi ao congresso do PSD na Figueira
da Foz para fazer a rodagem do automóvel e saiu de lá, "coitado",
como presidente do partido.
Não
gosto do que Cavaco fez a Fernando Nogueira. Recordar-se-ão que Nogueira, o
mais fiel dos ministros de Cavaco, subiu a presidente do PSD substituindo
Cavaco, que, depois de um dos seus habituais tabus, se afastou, em 1995, para
se candidatar a presidente da República (1996). Pois quando Nogueira pediu para
colocar uma foto de Cavaco nos cartazes eleitorais do PSD, este negou porque
queria "apagar" o seu passado como líder do PSD. Quem faz coisas
destas a amigos...
Não
gosto que Cavaco tenha levado para o poder uma trupe de personagens que, hoje,
se distinguem nas páginas de polícia, como Dias Loureiro, Duarte Lima e
Oliveira e Costa.
Não
gosto do facto de Cavaco ter implementado uma cultura da bajulação ao
"chefe", no poder e no Estado, que até fez com que, na Via do
Infante, a importantíssima terra de Boliqueime (que ninguém conhecia antes de
se saber ser a sua terra natal - numa estória para enfatizar a
"humildade" das suas origens...) passasse a ser referida numa saída
da autoestrada como se tivesse a mesma importância que Loulé ou Albufeira...
Não
gosto que Cavaco, no seu afã de seguir o guião que o procurava transformar no
"poço de virtudes e de vida de provação", tenha tido o mau gosto de,
em plena crise económica, vir lamentar-se de que a sua "parca"
reforma mal lhe dava para viver...
Não
gosto que Cavaco, de saída da Presidência, tenha condecorado tanta gente que
tão pouco ou tão mal fez pelo país e onde pontua o inefável Sousa Lara que foi
a sua cara e mão na vergonhosa exclusão do livro de Saramago "O Evangelho
segundo Jesus Cristo" da candidatura ao Prémio Literário Europeu de 1992.
Mais
razões poderia apontar. E é por elas que saber-me-á pela vida o champanhe que
beberei no dia 9 de março, com a certeza de que há dias felizes na vida do
comum mortal...
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