segunda-feira, 7 de março de 2016

Portugal. TCHIM-TCHIM



Rui Sá – Jornal de Notícias, opinião

Tenho que fazer uma confissão: no frigorífico cá de casa repousa uma garrafa de champanhe que irei abrir e saborear depois de amanhã, dia 9. Comemorando a saída, que espero definitiva, da vida política ativa de Cavaco Silva, que, durante 20 anos, ou seja, metade do que dura o nosso regime democrático, ocupou as mais altas responsabilidades e cargos políticos.

E, não tenho dúvidas (embora na vida tenha muitas e frequentemente me engane...) que muitos dos problemas que o país vive e que não conseguiu ultrapassar devem-se às políticas que Cavaco implementou e acarinhou. Mas, para além desta razão racional, há outras de caráter subjetivo que me levam a comemorar a sua saída. Não gosto do homem, do seu estilo, da sua maneira de ser. E não é um preconceito ideológico, até porque há várias pessoas de Direita que muito respeito e por quem tenho admiração.

Mas no caso de Cavaco isso não acontece. E, procurando analisar as razões para esta "urticária", descubro um conjunto de factos que se sobrepõem à imediata falta de empatia que a sua imagem me provoca. Vejamos quais são esses factos.

Não gosto daqueles que ambicionam o poder acima de tudo, mas que procuram fazer crer que até não o queriam mas que o poder é que lhes caiu no colo, como o caso da mentira mil vezes repetida de que apenas foi ao congresso do PSD na Figueira da Foz para fazer a rodagem do automóvel e saiu de lá, "coitado", como presidente do partido.

Não gosto do que Cavaco fez a Fernando Nogueira. Recordar-se-ão que Nogueira, o mais fiel dos ministros de Cavaco, subiu a presidente do PSD substituindo Cavaco, que, depois de um dos seus habituais tabus, se afastou, em 1995, para se candidatar a presidente da República (1996). Pois quando Nogueira pediu para colocar uma foto de Cavaco nos cartazes eleitorais do PSD, este negou porque queria "apagar" o seu passado como líder do PSD. Quem faz coisas destas a amigos...

Não gosto que Cavaco tenha levado para o poder uma trupe de personagens que, hoje, se distinguem nas páginas de polícia, como Dias Loureiro, Duarte Lima e Oliveira e Costa.

Não gosto do facto de Cavaco ter implementado uma cultura da bajulação ao "chefe", no poder e no Estado, que até fez com que, na Via do Infante, a importantíssima terra de Boliqueime (que ninguém conhecia antes de se saber ser a sua terra natal - numa estória para enfatizar a "humildade" das suas origens...) passasse a ser referida numa saída da autoestrada como se tivesse a mesma importância que Loulé ou Albufeira...

Não gosto que Cavaco, no seu afã de seguir o guião que o procurava transformar no "poço de virtudes e de vida de provação", tenha tido o mau gosto de, em plena crise económica, vir lamentar-se de que a sua "parca" reforma mal lhe dava para viver...

Não gosto que Cavaco, de saída da Presidência, tenha condecorado tanta gente que tão pouco ou tão mal fez pelo país e onde pontua o inefável Sousa Lara que foi a sua cara e mão na vergonhosa exclusão do livro de Saramago "O Evangelho segundo Jesus Cristo" da candidatura ao Prémio Literário Europeu de 1992.

Mais razões poderia apontar. E é por elas que saber-me-á pela vida o champanhe que beberei no dia 9 de março, com a certeza de que há dias felizes na vida do comum mortal...

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