quinta-feira, 24 de março de 2016

Timor-Leste. A BRIGADA NEGRA E A DELIMITAÇÃO LEGAL DAS FRONTEIRAS MARÍTIMAS



Combatentes da Brigada Negra vão pressionar o Governo da Austrália para aceitar a delimitação das fronteiras marítimas permanentes à luz do Direito Internacional e da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar


O Jornal «A Voz Socialista» entrevistou o Presidente Interino da Associação dos Combatentes da Brigada Negra (ACBN), Nuno Corvelo / Laloran. A Brigada Negra (BN) era uma força especial das FALINTIL (Forças Armadas de Libertação Nacional de Timor-Leste) que actuava sob orientação directa do Comandante-Em-Chefe das Falintil, Kay Rala Xanana Gusmão. Toda a estratégia da BN teve como grande mentor Kay Rala Xanana Gusmão e foi concretizada por Avelino Coelho da Silva (Shalar Kosi, FF), Presidente do Partido Socialista de Timor (PST), na altura Secretário-Geral da Associação Socialista de Timor (AST), com o apoio de um grupo restrito de combatentes, e sob orientação de Xanana Gusmão. Na edição de Março de 2016, Laloran aborda o histórico da Brigada Negra e refere-se também à questão da delimitação das fronteiras marítimas, como se segue:

Jornal «A Voz Socialista»: Senhor Presidente Interino da Associação dos Combatentes da Brigada Negra (ACBN), Nuno Corvelo / Laloran, em primeiro lugar gostaríamos de agradecer-lhe pelo facto de conceder esta entrevista ao Jornal «A Voz Socialista».

Nuno Corvelo / Laloran: Eu é que agradeço pelo facto do Jornal «A Voz Socialista» desejar entrevistar-me sobre a história da Brigada Negra, sua importância histórica e objectivos da ACBN.

AVS: É precisamente por essa razão, conhecer mais sobre a Brigada Negra, que estamos a falar consigo. Muitos timorenses e pessoas de outras nacionalidades em todo o mundo não sabem o que foi a Brigada Negra (BN), nem quais foram as razões que motivaram a sua criação, assim como, quem esteve envolvido em todo este processo da luta, como estava organizada e administrada e quais eram os objectivos da BN. O Senhor quer falar-nos um pouco sobre a história da Brigada Negra?

Laloran: A Brigada Negra (BN) era uma força especial das FALINTIL (Forças Armadas de Libertação Nacional de Timor-Leste) que actuava sob orientação directa do Comandante-Em-Chefe das Falintil, Kay Rala Xanana Gusmão. Toda a estratégia da BN foi concebida por Xanana Gusmão e implementada pelo Camarada Avelino Coelho da Silva (Shalar Kosi, FF), Presidente do Partido Socialista de Timor (PST), na altura Secretário-Geral da Associação Socialista de Timor (AST), e pelos seus colaboradores directos, um pequeno grupo de dirigentes da AST, muito restrito, e que desenvolviam trabalhos na Indonésia, em Timor-Leste, na Austrália e nos restantes países através da Representação Externa da AST representada pelo nosso Camarada Azancot de Menezes, actual Secretário-Geral do PST, e que recebia orientações directas de Avelino Coelho / Shalar Kosi FF. No campo operacional, a BN era organizada por um corpo directivo subordinado às ordens do Comandante-Em-Chefe das FALINTIL.

AVS: Em concreto, quais eram os objectivos da BN? Fale-nos um pouco sobre a composição orgânica da BN e das suas atribuições/competências.

Laloran: Como já tive ocasião de referir, o grande mentor da Brigada Negra foi Kay Rala Xanana Gusmão que orientou o nosso Camarada Shalar Kosi, FF, Presidente do PST, com o apoio de um núcleo muito restrito, e que produziu um documento designado por «Job Description da Brigada Negra». De acordo com este documento orientador, a Brigada Negra era dirigida por um Chefe Principal e coadjuvado por vários assistentes operacionais que chefiavam várias secções. Havia quatro secções. A Secção A tratava do estudo, organização e planeamento da aquisição de material de guerra para a BN e para a Resistência Armada (RA). O planeamento, execução e envio do material à RA era definido segundo mecanismos próprios e em resposta às necessidades que fossem surgindo.

AVS: E as restantes Secções?

Laloran: A Secção B tinha como grande missão o recrutamento de elementos e a sua preparação técnica na fabricação de explosivos para uso da BN e das FALINTIL, e a mobilização desses explosivos para a Resistência Armada. E havia as Secções C e D que tinham como grande missão provocar o caos total na Indonésia.

AVS: Não percebi muito bem… quer dizer-nos melhor como é que isso era possível de concretizar-se?

Laloran: A Secção C estava planeada para desencadear a guerrilha urbana em todo o país e na Indonésia. Através de sabotagens armadas, principalmente na Indonésia, visando pontos estratégicos, económicos, pontos sensíveis que pudessem provocar reacções nas massas populares contra o regime. Toda esta estratégia está definida no Job Description da BN.

AVS: E a Secção D?

Laloran: A Secção D, basicamente fazia trabalhos de inteligência e contra-inteligência, claro, há aspectos que ainda continuam no “segredo dos Deuses”, como se costuma dizer.

AVS: O plano da BN era do conhecimento do Comandante das FALINTIL, Kay Rala Xanana Gusmão? Há provas de que de facto a BN actuava sob o comando de Xanana Gusmão?

Laloran: Concerteza! A BN actuava sob a orientação directa do Comandante-Em-Chefe das FALINTIL. Todo o plano foi aprovado, com a sua assinatura, imagine, em Cipinang (!), no dia 12 de Outubro de 1996.

AVS: Qual era o calendário programático de organização e actuação?

Laloran: A Secção A começou a funcionar em 1995 e integrava-se nos planos da F. Operação Asuwain. Entre 1995 e 1996 fez-se a organização e tratou-se de toda a preparação interna, e no início de 1997, sob instruções e decisões do Comandante-Em-Chefe das FALINTIL a actuação.

AVS: A permanência de Shalar Kosi, FF, da família e mais dois irmãos nossos na Embaixada da Áustria em Jacarta durante quase dois anos teve alguma relação com a Brigada Negra? Fazemos esta pergunta porque a frente diplomática da luta raramente falou no assunto. No exterior, à excepção do Representante oficial da AST no Exterior, o nosso Camarada Azancot de Menezes, ninguém falava neste assunto. Há aspectos da luta que até hoje não foram explicados. José Ramos-Horta, Representante Especial do CNRM, nunca mencionou o caso no sentido de denunciar a situação relacionada com o refúgio de Avelino Coelho / Shalar Kosi, FF durante quase dois anos na Embaixada da Áustria em Jacarta. Nem a Delegação Externa da FRETILIN denunciou a situação junto das Nações Unidas e da Comunidade Internacional para a protecção de Shalar Kosi. Sabe dizer-nos porquê?

Laloran: O que eu lhe posso garantir é que a Representação Externa da AST teve um papel chave na denúncia da violação dos direitos humanos em Timor-Leste e na luta pela independência de Timor-Leste. Aliás, O Job Description da Brigada Negra foi enviado no dia 29 de Abril de 1997 para Azancot de Menezes que representava no exterior a AST (a partir de 1997, transformado em PST). Por orientação de Avelino Coelho / Shalar Kosi, FFE vários outros documentos secretos foram levados para a nossa Representação Externa, por Tama Laka Aquita, um dos Comandantes da BN, precisamente para fazermos contactos internacionais e procurar apoios para a causa, em particular, junto dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP). O apoio dos PALOP foi determinante para a libertação de Timor-Leste. Quanto aos “silêncios” de José Ramos-Horta, Representante Especial do CNRM, e da Delegação Externa da FRETILIN, pelo facto de nunca se terem pronunciado sobre o caso da Embaixada da Áustria em Jacarta e da situação de Shalar Kosi, FF, com todo o respeito, essa pergunta deverá ser feita aos próprios. O que eu sei é que os nossos irmãos estiveram refugiados na Embaixada da Áustria em Jacarta durante quase dois anos, foram acusados de serem terroristas, mas mesmo assim uma Delegação da União Europeia e das Nações Unidas tiveram que ceder, visitar a Embaixada e ouvirem as reivindicações da AST e portanto, da Brigada Negra. Aliás, em torno de todo este processo, muitos combatentes da BN foram presos e torturados na tentativa de se desmantelar a Brigada Negra porque representava um grande perigo para o regime indonésio.

AVS: Muito obrigado por responder com honestidade às nossas perguntas. Pensamos que as suas respostas vão ajudar os timorenses a perceber melhor a importância da BN, bem como, o papel fundamental que a AST e o PST tiveram no processo da luta de libertação nacional de Timor-Leste. Gostaria de fazer-lhe uma última pergunta. Depois das suas respostas fica-se com a ideia de que foi cumprida uma missão e que já não faz sentido a existência da Brigada Negra. É isso? Os timorenses têm-se questionado sobre o reaparecimento público da ACBN, nomeadamente na organização desta Conferência Internacional sobre Fronteiras Marítimas. Quer explicar-nos, por exemplo, a razão de ser da Associação dos Combatentes da Brigada Negra e porque é que decidiram organizar este importante evento internacional?

Laloran: A Associação dos Combatentes da Brigada Negra vai assumir a liderança de uma nova fase da luta em várias frentes, científica, económica, cultural e em outras vertentes, para garantir a soberania total de Timor-Leste. Envolve várias organizações e será uma instituição caracterizada pela determinação e por valores de solidariedade para com os mais pobres e excluídos. Por isso vamos dizer à Austrália que chegou o momento de se definirem as delimitações das fronteiras marítimas. Por cada barril de petróleo explorado no nosso mar nasce uma família mais pobre em Timor-Leste. Para a BN a exploração ilegal dos nossos recursos vai ter que acabar. Por esta razão, como primeiro passo, decidimos organizar esta Conferência Internacional com a presença de figuras importantes da luta, os combatentes da Brigada Negra e a solidariedade internacional, onde se inclui Kay Rala Xanana Gusmão, o nosso Comandante-Em-Chefe.

AVS: Bem, irmão Laloran, a conversa já vai longa, o Jornal «A Voz Socialista» agradece muito esta entrevista, outras se seguirão para esclarecer e corrigir alguns aspectos nebulosos da luta de libertação nacional. Muito obrigado.

Laloran: Eu é que agradeço e aproveito a oportunidade para desejar muitos sucessos ao Jornal «A Voz Socialista».

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