Pedro
Bacelar de Vasconcelos* - Jornal de Notícias, opinião
Na
passada quinta-feira, um grupo de estudantes de jornalismo de visita à Casa
Branca assistia a uma conferência de Imprensa do secretário de Estado Josh
Earnest, responsável pela pasta da Comunicação Social, quando foram
surpreendidos pela aparição do próprio presidente Barack Obama que logo tomou a
palavra. A propósito das tentativas ensaiadas no Senado para impedir a nomeação
de um juiz para o Supremo Tribunal, Obama deplorou as graves dificuldades de
entendimento e de concertação entre o Partido Democrático e o Partido
Republicano cuja radicalização se tornou um fator de bloqueamento da atividade
do executivo. Depois de concluir, dispôs-se a responder às perguntas dos
estudantes. Interrogado sobre aquilo de que mais se orgulhava no conjunto da ação
governativa que desenvolveu na presidência dos Estados Unidos, apontou, em
primeiro lugar, um projeto em que falharam todos os governos anteriores: a
generalização do acesso aos cuidados de saúde que abrangem, hoje, 20 milhões de
americanos. De seguida, aludiu às suas políticas de recuperação da economia
americana que conseguiu salvar da situação ruinosa em que a deixou o seu
antecessor, George W. Bush, e salientou, também, a importância das medidas de
regulação financeira impostas à Banca americana para prevenir a ocorrência de
novos desastres semelhantes à crise de 2007.
Sobre
a política de imigração que teima em levar por diante apesar da oposição do
Congresso, lembrou que os Estados Unidos são um país de imigrantes e fez
questão de sublinhar que muitos deles chegaram lá como "clandestinos"
mas conseguiram arranjar trabalho, criaram os seus filhos e acabaram por obter
autorização de residência e aceder, por fim, aos direitos de cidadania. Aos
estudantes de jornalismo que o escutavam lembrou que os jovens refugiados e
imigrantes clandestinos da Síria, da África ou do Sudoeste asiático acalentam
as mesmas ambições e partilham os mesmos ideais dos estudantes americanos. Que
eles enfrentam dificuldades incalculavelmente superiores às dos turistas que
pretendem atravessar a fronteira. E falou da injustiça de os confundirem com os
terroristas de que, afinal, são eles as primeiras vítimas. Enfim, é muito
interessante esta sintonia entre as preocupações de Barack Obama, o presidente
da "mais poderosa nação do Mundo", e o mais poderoso líder da
"cristandade", o Papa Francisco.
Depois,
um outro estudante perguntou-lhe o que havia a fazer para restaurar a confiança
dos americanos na democracia, o que suscitou a mais longa e veemente
intervenção do presidente. Começou por denunciar a viciação dos círculos
eleitorais por forma a impedir que os mais pobres e os mais jovens exerçam o
direito de voto, expedientes para garantir que os eleitos sejam os mesmos de
sempre e para impedir mudanças políticas. Criticou a opacidade do financiamento
das campanhas, o que amplia a influência dos mais ricos e poderosas e, a esse
propósito, elogiou o bom exemplo de Bernie Sanders e a sua própria conduta, em
matéria de transparência na recolha de fundos. E indignou-se, por fim, com a
indiferença dos eleitores, apelando sobretudo aos jovens para que não
desperdicem os poderes que lhes pertencem: "Não se limitem à mera
contestação: é preciso votar (...) não permitam que vos digam que vocês não
contam. Não abdiquem da vossa força".
Por
várias vezes, ao longo da sessão, Obama insurgiu-se contra aquilo a que chama o
"cinismo" dominante na sociedade americana, contra o descrédito da
política e a desvalorização da intervenção democrática, contra o negativismo
alimentado por uma Comunicação Social que presta mais atenção aos desastres do
que aos sucessos. Incentivou os estudantes a contribuir para uma atitude mais
positiva dos profissionais do jornalismo e exaltou as virtudes da participação
cívica: "Existe aqui uma agenda política. Os detentores do poder não
querem que as coisas mudem, eles preferem a descrença cínica."
No
momento em que a Assembleia da República constitui uma comissão eventual para
melhorar o nosso sistema de representação democrática, afinar o regime de
incompatibilidades, o estatuto dos deputados, os conflitos de interesses, há
que levar muito a sério os avisos de Obama!
*Deputado e professor de Direito Constitucional
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