Rui Peralta,
Luanda
Muammar
al-Qaddafi reiniciou a já muito tentada construção da unidade africana, baseado
no modelo da União Europeia (U.E.). A visão política federal, pan-africana,
previa uma União Africana (UA) com moeda única, passaporte único e um sistema
defensivo militar africano. Os 54 Estados-membros da UA compartilham - de
diferentes formas – esta visão e neste mês de Maio, de 11 a 13 em Kigali,
Ruanda, a integração das economias africanas num espaço único africano é
discussão, no âmbito do Fórum Económico Mundial.
Fronteiras
abertas e liberdade de movimentos é um velho sonho dos sectores africanos mais
progressistas, desde a criação do pan-africanismo, em inícios do século XX, até
á proclamação das independências. No actual Fórum vão ser discutidos, em
paralelo com a abertura de fronteiras e ao livre movimento de pessoas,
mercadorias e capitais, o terrorismo (um medo que alimenta os que se opõem ás
fronteiras abertas), os refugiados e emigrantes africanos além da crise grega,
a hostilidade crescente á U.E., o Brexit e a construção da unidade europeia.
Para
muitos sectores políticos e do mundo dos negócios africanos é importante seguir
os acontecimentos que se desenrolam a Norte, em particular na Europa. A U.E.
representa pouco mais de 7% da população mundial, mas gera cerca de 25% da
produção mundial e a abertura das fronteiras europeias foi um factor-chave
nesta situação de prosperidade. A construção europeia foi um facto acompanhado
de perto pelos africanos, que observaram o passo-a-passo da integração
europeia, que presenciaram as dificuldades, os desvios e os zig-zags do modelo
europeu.
O
pan-africanismo surge assente no modelo dos Estados Unidos de África, uma
versão USA para África. Na década de 60 Nkrumah e os sectores políticos
africanos mais progressistas assume um modelo de unidade africana assente na
URSS. Ambos os modelos foram históricos, a sua construção não foi presenciada
pelos africanos, e levantaram mais questões do que deram respostas. O modelo de
construção da Europa, principalmente as suas vertentes técnicas, permitiu
soluções que forma presenciadas ao vivo pelo continente africano. Foi a
construção de um mercado integrado que surgiu diante dos nossos olhos, que nos
permitiu solucionar alguns dos nossos problemas específicos.
Existe
um crescente bom senso entre os muitos e diversificados proponentes de uma
África sem fronteiras. A Agenda 2063 - uma plataforma, anunciada em 2013, sobre
as políticas necessárias para a transformação do continente africano durante os
próximos 50 anos – propõe estabelecer uma Área Continental de Comércio Livre em
2017, abolir os vistos para cidadão africanos em países africanos em 2018 e
introduzir um passaporte africano. Este é um passo importante para tirar África
da sua miséria e pobreza estrutural, um cenário – especifico das economias
periféricas - que tem dominado o continente, consequência, em maior grau, do
colonialismo e das politicas neocolonialistas a que África se tem submetido e,
em menor grau, a questões como a falta de liderança, de vanguardas politicas,
falta de visão politica, social e económica, lacunas nas integrações regionais
e á fatal falta de confiança entre os Estados africanos.
Este
processo de realização de uma África-Futuro, sem fronteiras no seu interior, é,
no entanto, afectado por dois problemas que, de forma idêntica, afectam a U.E.:
o terrorismo dos bandos fascistas islâmicos e o problema dos refugiados e da
emigração. A estes há, ainda, que juntar as incipientes políticas de saúde
pública no continente africano (que estão por detrás das grandes epidemias que
afectaram o continente, como o Ébola, em 2014) e os problemas de fome e de
subnutrição que afectam, hoje, uma constelação de países africanos, de norte a
sul do continente.
Mas
estes factores, apesar de aproveitados pelas forças internas e externas que se
opõem (historicamente) a uma África Unida, não têm conseguido impedido que se
caminhe, passo-a-passo, em direcção aos objectivos preconizados. Basta observar
os números do investimento africano e não africano no continente, que tem
crescido de forma impar e que contraria as visões mais pessimistas sobre o
desenvolvimento africano. Ou o exemplo de países como o Ruanda, que duas
décadas depois dos genocídios de 1994 (que ceifou a vida a mais de 800 mil
pessoas) viu o seu PIB crescer (entre 2001 e 2015) a uma média de 8% ao ano,
sendo actualmente, o segundo caso de maior crescimento em África, a seguir às
Maurícias (que ocupa o primeiro lugar no ranking do crescimento africano).
O
caso do Ruanda, um país que representava em teoria uma desvantagem impossível
de contornar nas próximas décadas, é um exemplo de como atrair (e criar)
investimento através de criação de plataformas regionais. Uma simples medida de
desburocratização, como a ausência de vistos para ugandeses e quenianos (e um
visto único para turistas que queiram visitar um dos países) permitiu
incrementar o comercio fronteiriço em mais de 50%.
Mas
existe ainda um factor que tem de ser ultrapassado. Os africanos continuam
relutantes a efectuarem negócios entre si. Um relatório da ONU referia que o
comércio intra-africano constitui apenas 14% do total do comércio continental
(Na U.E. o comércio intra-europeu representa 61% do total comércio). Por outro
lado um estudo do Banco Mundial revela que os custos do comércio intra-africano
são os mais elevados do mundo, sendo mais elevados que o comércio interno da
região do sudoeste asiático, uma das mais onerosas). Um camião de transporte de
mercadorias que iniciasse o seu trajecto no Quénia e que passasse pela
Tanzânia, Malawi, Moçambique, Zimbabwe, Zâmbia, Ruanda, Burundi, Uganda, RCA,
Guiné Equatorial, Congo, RDC, Angola, Namíbia e África do Sul necessitaria de
cerca de mil e 600 licenças e permissões e despenderia centenas de dólares
nestas permissões, taxas e licenças. Os mesmos números seriam válidos para o
Norte de África, ou para qualquer percurso que juntasse o Indico ao Atlântico.
Estes
e outros condicionamentos periféricos (e ultraperiféricos) têm de ser vencidos
e são barreiras a derrubar pelo continente. Mas não esquecer: estas são os
primeiros obstáculos a derrubar e as primeiras batalhas a travar pelo
desenvolvimento de África. O resto do caminho é longo….Mas de caminhos longos é
feita a luta de libertação dos povos africanos.
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