Este
é o mês, esta é a semana que estamos a recordar e celebrar o Dia de África, o
dia da União dos africanos em torno da sempre falada, solenizada mas sempre
adiada unidade e solidariedade entre os Povos do nosso Continente.
Se
houvesse não haveria disputas territoriais e fronteiriças entre alguns estados,
não veríamos países a despejarem refugiados sob a desculpa – ainda que
aceitável e possível – de no seu seio haver extremistas radicais, quando na
realidade os estados já não conseguem suportar os elevados custos de manutenção
do campos de refugiados e o apoio internacional escasseia, nem veríamos, muito
menos, o que se passa na Líbia!
E
é sobre este país que me desejo concentrar.
Recordemos,
sem necessidade de aqui o voltar a escrever, como a Líbia se tornou num Estado
falhado, desgovernado, e, acima de tudo, quase que totalmente despedaçado e
quase pulverizado.
Escrevia-se
e sublinhava-se que com o desaparecimento do ditador Kadhafi o país entraria
numa nova linha histórica de desenvolvimento político, social e económico. Quem
provocou a queda do regime de Kadhafi afirmava que o apoio futuro traria ao
país um novo paradigma. A realidade mostrou o contrário.
Entretanto
como que querendo disfarçar os problemas internos que grassavam após o fim da
intervenção armada internacional foi instituído um suposto governo de unidade
nacional em torno de um auto-denominado Conselho Nacional de Transição (CNT)
cuja função seria preparar e levar a efeito eleições nacionais para o Congresso
Geral Nacional, entretanto realizadas em 7 de Julho de 2012; após estas o
CNT entregou o poder à assembleia recém-eleita em que teria a responsabilidade
de formar uma assembleia constituinte a fim de redigir uma
constituição permanente para o País, que depois seria submetida a umreferendo.
Só
que a realidade acabou bem diferente.
Prevaleceu
a divisão do país por diversos grupos armados e liderados por clãs que só se
interessavam por dominar as suas regiões de influência, algumas bem ricas,
nomeadamente, em hidrocarbonetos.
O
problema é que a maioria dessas regiões são no interior profundo do enorme
Estado e sem acessos livres aos portos e ao escoamento dos seus produtos. Isso,
naturalmente gera desaguisados que depressa se tornam em conflitos armados de
ferocidade inqualificável. A ONU só viu uma solução, no imediato: decretar
embargo de vendas de armas aos litigantes.
O
país ficou – na realidade, está – dividido em cinco grandes regiões
governativas político-militares:
· Há
um governo internacionalmente reconhecido do Conselho dos Deputados eleito
em 2014, também conhecido como o “governo de Tobruk” e internacionalmente
conhecido como o “governo líbio”. Este governo tinha a lealdade do insipiente exército
líbio sob as ordens do general Khalifa Haftar e tem sido apoiado
contra os clãs autónomos, por ataques aéreos do Egipto e dos Emirados
Árabes Unidos;
· Um
governo islamita rival, o do Novo Congresso Geral Nacional (NCGN), com
sede na capital Trípoli, liderado pela Irmandade Muçulmana, apoiada por
uma coligação islâmica mais ampla conhecida como “Amanhecer Líbio” e
auxiliado por Qatar, Sudão e Turquia;
· O Conselho
da Shura de Revolucionários de Benghazi, liderados pelo grupo islamita radical Ansar
al-Sharia;
· Uma
região dominada pelos tuaregues;
· E,
finalmente, uma região dominada pelo Estado Islâmico do Iraque e do Levante da
Líbia (EIIL, Estado islâmico, ISIS ou Daesh).
Todavia,
em Dezembro de 2015, depois da assinatura do “Acordo Político Líbio” (APL), foi
instituído o Governo do Acordo Nacional ou Governo de União
Nacional (GNA), como governo provisório, juntamente com a formação Conselho
Presidencial para a Líbia Estes dois organismos foram, de pronto,
reconhecidos pelas Nações Unidas e pelos cinco países com assento permanente no
Conselho de Segurança.
Só
que a Câmara de Representantes (ou Conselho de Deputados (CD), na maioria de
vocação neo-liberal, sendo o seu líder apresentado, também, como Chefe de
Estado) que tinha dado o seu apoio APL, recusou dar voto de confiança às duas
tentativas de Governos advidos do GNA.
Após
a segunda recusa o Governo foi formalmente empossado só com o apoio dos Estados
Unidos, Reino Unido, França, Alemanha e Itália e, mais
tarde, da Rússia e China.
Só
que a realidade continua a mostrar-nos que não basta haver apoios externos se,
internamente, a desconfiança e a recusa prevalecem e, mais grave ainda, podem
fazer recrudescer velhos fantasmas clânicos armados. E isto está a contecer com
o Daesh a tirar dividendos.
Face
a esta situação e pelo facto do Daesh parecer estar a avançar com alguma
facilidade na Líbia, o GNA solicitou à ONU que fosse levantado o embargo de
armas, decretado na sequência da crise após queda de Kadhafi e apoio dos
Estados que o subscrevem.
Afirma
o GNA, que continua a não ser aceite pela Câmara de Representantes, que a haver
este apoio internacional ele será fundamental para a criação e sustentação de
um forte exército líbio quer para a preservação da sua integridade territorial
quer para fazer face aos avanços do Daesh.
Face
a este pedido um grupo de vinte países, onde se incluem os EUA, a China, a
Rússia o Reino Unido e a França decidiram apoiar esta pretensão do GNA
invocando o perigo da expansão do “Estado Islâmico” (Daesh) na
região e ao facto desta expansão não só colocar em causa o delicado equilibro
político, social e militar no Magreb como poder provocar um novo fluxo de
migrantes irregulares (ditos imigrantes ilegais) para a Europa via Itália, como
já tinha ocorrido antes da crise síria e do fluxo de migrantes que a mesma
provocou, via Grécia.
Naturalmente
não está em causa o combate ao extremismo do Daesh, nem muito menos, tentar
estabilizar um País que já não é!
O
que está em causa aqui é a ida de armas para uma região fortemente instável,
com mais de um Governo – o GNA, o de Tobruk (ou CD) e o NCGN – e com
a inexistência de um verdadeiro exército nacional.
Recordemos
o que deu o envio de armas aos rebeldes sírios que procuravam derrubar o regime
de al-Assad. Como, recentemente, os serviços de inteligência norte-americanos
reconheceram, não sabem por onde elas andam. E algumas foram capturadas das
mãos de milicianos do Daesh!
E
é isto que poderá vir a acontecer na Líbia. E aí, definitivamente, o delicado
equilíbrio político, social e militar na região poderá ser posto em causa.
E,
não esquecer, que a ocorrer esta previsível instabilidade político-militar até
ao Atlântico, muito rapidamente poderá saltar as margens das “Colunas de
Hércules” e desestabilizar a al-Andaluz.
E,
depois, o que será o resto da Europa onde já se sentem alguns perigosos efeitos
com a ascensão quase meteórica dos nacionalismos radicais de extrema-direita
devidos, é uma das desculpas, ao fluxo migratório de muçulmanos para o “Velho
Continente”?
Os
Velhos Aliados, independentemente das suas convicções políticas, continuam a
não compreender que África não é a Europa, a Ásia ou as Américas e que certos
ritos clânicos nunca desapareceram.
Continuam
a esquecer a História.
Bastava
aos EUA – principalmente – recordar o que se passou na Somália e como persiste
o problema ao fim de vários decénios; à Rússia que, por certo, não esqueceu o
Afeganistão; à França que ainda se deve recordar como não conseguiu fazer
prevalecer a sua força no Chade e, de certa forma, porque persiste, no norte do
Mali; ou à China, com os problemas internos como é o Tibete, para ponderarem
bem se vale a pena armar um Governo não aceite internamente ou, em último caso,
colocar a Líbia sob mandato da ONU e esta tentar sem pressões externas, agrupar
os clãs líbios em torno da defesa territorial do seu País, formarem um exército
forte e uno e depois armá-lo?
Há
que estudar a História, porque esta muitas vezes repete-se, como recordava, e
bem, Henry Kissinger!
24
maio 2016
©Artigo
de Opinião publicado no semanário angolano Novo Jornal, ed. 434 de 3-Junho-2016,
secção “1º Caderno”, página 19.
*Eugénio
Costa Almeida – Pululu -
Página de um lusofónico angolano-português, licenciado e mestre em
Relações Internacionais e Doutorado em Ciências Sociais - ramo
Relações Internacionais -; nele poderão aceder a ensaios académicos e artigos
de opinião, relacionados com a actividade académica, social e associativa.
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