Rui Peralta,
Luanda
Enquanto
o presidente ugandês Museveni (no Poder já lá vão 30 anos) celebrava mais uma
vitória eleitoral, no passado mês de Fevereiro, numa aldeia situada na zona
fronteiriça com o Quénia, uma pequena comunidade judaica – os Abayudaya -
comemorava a eleição, para o Parlamento, do seu primeiro deputado no Uganda.
Rabin Gershom Sizomu tornou-se o primeiro deputado proveniente das comunidades
judaicas ugandesas. Sizomu é o único deputado judaico no parlamento ugandês,
composto por 380 deputados.
Abayudaya
significa “Povo de Judá” na língua luganda e é uma pequena comunidade composta
por 2 mil membros, no distrito eleitoral do Norte de Bungokho, o que representa
0,006% da população da região, predominantemente cristã. O Islão representa 3%
da população do distrito e Sizomu foi eleito com 29% dos votos da região,
contando com a confiança de muitos cristãos e islâmicos. Com esta eleição para
o parlamento a comunidade Abayudaya espera obter o reconhecimento dos feriados
hebraicos, para que a comunidade possa observar as suas tradições, além de
obter fundos para a educação, locais de culto e para melhoramentos dos serviços
sociais na região norte do Bungokho.
Abayudaya
não é a primeira comunidade judaica nesta região (as primeiras estabelecem-se
em 1903, provenientes da Europa), mas é a primeira comunidade de judeus
ugandeses, criada em 1919 por Semei Kakungulu, um guerreiro Baganda. A entrada
do judaísmo em África é muito anterior á colonização (o mesmo se pode dizer do
cristianismo e do Islão). Das três religiões do Livro, o judaísmo foi o
primeiro a entrar no continente (aproximadamente á 3 mil anos atrás), através
do Egipto, estendendo-se pelo Magrebe e pelo Sudão e Etiópia. Existem
comunidades tribais judaicas africanas como os lembas, no Zimbabwe e na África
do Sul, os igbos na Nigéria, os ybir, na Somália, além de outras tribos no
Senegal, Camarões, Costa do Marfim, Quénia e RDC.
Contrastando
com esta situação de tolerância vivida no Uganda, no Malawi os feiticeiros e
curandeiros foram proibidos de exercer as suas funções, devido às perseguições
e assassinatos de albinos. Estes são alvo de perseguições no Malawi devido às
crenças tradicionais que utilizam órgãos do corpo dos albinos nos rituais e na
medicina tradicional. Desde 2014 a Policia registou, no Malawi, 65 casos de
ataques a albinos e este ano a ONU informou que a população albina no país
estava em risco de extinção.
Cerca
de 10 mil albinos vivem no país, segundo a ONU, mas o Malawi não é o único país
africano onde existem perseguições aos albinos. Na Tanzânia a Policia local
registou 75 assassinatos desde 2000 e no Burundi também já foram reportados
dezenas de casos. A situação no Malawi é ainda agravada pela escassez
alimentar, provocada pela seca. Em Abril foi decretado o estado de desastre
nacional e estima-se que cerca de 3 milhões (um quinto da população) de
habitantes passam fome.
Escassez
de problemas é algo que não falta no Sul do Sudão, onde a guerra civil e a
escassez alimentar são uma constante. No entanto, estes são apenas a face
visível do icebergue. Um dos problemas que afecta esta jovem nação africana é a
taxa de mortalidade maternal. Segundo o Banco Mundial 789 mães sul-sudanesas
morrem em cada 100 mil partos, o que deixa o Sudão do Sul na quarta posição do
ranking africano de morte materna durante o parto na quarta posição. No entanto
alguns estudos apontam para um número muito superior, cerca de 2000 mortes por
100 mil partos, o que deixa o país como o mais mortal para as jovens mães.
As
razões por detrás deste fenómeno são diversas. Hemorragia, infecções e outros
sintomas deparam-se com a falta de pessoal médico, de infra-estruturas
hospitalares, infra-estruturas rodoviárias, falta de transporte, etc. As
mulheres não têm acesso aos cuidados médicos e são forçadas a viajar centenas
de quilómetros para o conseguirem. No Sudão do Sul existe 1 médico para cada 66
mil pacientes e apenas 1 parteira licenciada para 39 mil mulheres (para termos
uma ideia basta referir que na Inglaterra a razão é de 1 parteira para duas mil
e 400 mulheres). O único hospital de referência no país é na capital, em Juba,
com imensas lacunas no pessoal médico e auxiliar. O hospital fica semanas sem
energia, os bancos de sangue não são utilizados (devido á falta de energia) e
os casos de anemia são quase sempre casos de morte.
O
Sudão do Sul obteve a sua independência em 2011, mas o território sofreu décadas
de instabilidade antes da independência, situação agravada com a guerra civil e
a instabilidade politica no período pós-independência. Mais de metade das
infra-estruturas de saúde foram destruídas, assim como as infra-estruturas
básicas. Por sua vez 4/5 dos partos não são efectuados por médicos ou por
parteiras e 84% das mulheres são analfabetas. O rapto de mulheres e a violência
sexual, assim como a violência doméstica são uma constante no país. As milícias
em luta raptam mulheres e as forças governamentais têm como prática comum o
rapto de mulheres sempre que os salários dos soldados e oficiais estão em
atraso.
Estes três exemplos relevam diferentes facetas da pluridimensionalidade
africana. O exemplo de tolerância (e de conquista democrática) no Uganda
contrasta com o exemplo de intolerância no Malawi. Quanto ao Sul do Sudão
revela as consequências da ingerência externa e da ausência de processos
integradores e democráticos. Por detrás destes três exemplos paira a sombra da
periferia para a qual África foi atirada.
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