segunda-feira, 6 de junho de 2016

Cabo Verde. VÊM AÍ AS AUTÁRQUICAS



Expresso das Ilhas, editorial

O governo marcou as eleições autárquicas para 4 de Setembro. As eleições presidenciais terão ficado para Outubro para se fechar o ano excepcional das três eleições seguidas que se repete de 20 em vinte anos devido a diferenças no tempo de mandato: cinco anos para as legislativas e presidenciais e quatro anos para as autárquicas. Está iniciada a contagem para o segundo evento eleitoral deste ano. A corrida dos candidatos aos órgãos autárquicos porém começou há muito.

O ano de 2016 também é excepcional porque marcou o fim de três mandatos seguidos do PAICV com uma vitória marcante do MpD em todos os círculos. Quando é assim, a expectativa geral dos actores políticos é que as outras duas eleições também vão registar diferenças grandes na votação num e noutro partido. A experiência de outras eleições em Cabo Verde não confirma esse efeito de contágio. Não obstante, é praticamente impossível controlar a energia de muitos entusiastas e candidatos, uns, sem partido, e a aproximarem-se da actividade política pela primeira vez, e outros, recém- entrados para a organização e já a correr por posições vantajosas no partido e no Estado. A corrida passou para um outro nível quando foram introduzidas sondagens na selecção de candidatos. Tornar-se numa celebridade local e nas redes sociais estabeleceu-se como o grande objectivo de quem quer ficar bem posicionado nas sondagens do seu partido e futuramente aparecer nas listas de candidatos do seu partido.

A opção por sondagens na escolha de candidatos em vez de primárias pode não ter sido uma boa ideia. As primárias têm a vantagem de contrapôr projectos políticos alternativos enquanto as sondagens focalizam-se no indivíduo independentemente da forma como ganhou notoriedade. A experiência das autárquicas, mas não só, acautela para a excessiva concentração na personalidade do líder pois, em caso de triunfo eleitoral, será mais fácil reclamar a vitória para si, limitar a influência do partido e do eleitorado que o elegeu e tornar-se cada vez mais autocrático. Para os votantes, a campanha ficará mais pobre porque em vez de ter a discussão de perspectivas políticas diferentes para o município, assistirá ao confronto  de personalidades, todos tentados a oferecer soluções populistas e demagógicas.

Uma das conclusões que se pode retirar das últimas eleições é que se esgotou a capacidade de manipular o eleitorado com dádivas de botes e arcas frigoríficas, bolsas de estudo, verguinhas e cestas básicas. Provavelmente porque agora é maior o número dos que ficam descontentes com o processo do que os que são beneficiados. Razão também para abandonar essas práticas ao nível local onde têm um poder condicionante do eleitorado superior ao que se verifica à escala nacional. A evidência demonstra que práticas do género tendem a manter-se e a tornar-se mais perniciosas se a gestão camarária for autocrática , o que não augura nada de bom se a política local ficar cada vez mais dependente de personalidades que, se eleitas, tendem a colocar-se acima do partido e a escapar ao controlo dos apoiantes.  

As câmaras para além de prestarem os serviços básicos aos munícipes devem ser os facilitadores e promotores da iniciativa individual e da actividade privada no seu território. O desenvolvimento do seu município vai depender em última análise da capacidade local de produzir riqueza e não das transferências do governo. Saber como jogar os vários ingredientes endógenos para atrair investimentos, incentivar a criatividade e a imaginação das gentes, atrair visitantes e turistas, juntar-se à cadeia nacional de produção e melhorar o capital humano deve ser objecto dos diferentes projectos políticos que deverão ser apresentados para as eleições autárquicas.

O desenvolvimento das ilhas foi uma das questões dominantes das eleições legislativas de 20 de Março. A estagnação económica dos últimos anos agravou consideravelmente a situação nas ilhas e provocou migrações internas complicadas que criaram outros problemas. A reorientação da política do Estado no sentido de maior descentralização, de maior dinâmica económica de base empresarial e mais proactiva no aproveitamento das vantagens do país é fundamental para se inverter a actual situação de crescimento anémico e desemprego excessivo. Precisa porém de ser complementada com acções enérgicas a nível municipal e das ilhas que promovam uma nova atitude como cidadão, como trabalhador e como prestador de serviço, que diminua a dependência das pessoas e que incentive a excelência em tudo o que se faz. Espera-se que o processo político que vai desembocar nas autárquicas seja profícuo em revelar os diversos caminhos para se atingir esses objectivos.

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