Carvalho
da Silva – Jornal de Notícias, opinião
A
Direita portuguesa mergulhou profundamente no neoliberalismo e conservadorismo
bafientos instalados na Europa, fez emergir várias dessintonias que mantém com
o Regime Democrático Constitucional, colocou-se em pleno ao serviço dos poderes
externos que subjugam o país, substituindo a objetividade indispensável à
análise dos desafios com que se depara a sociedade por uma
"realidade" feita essencialmente de receitas importadas à medida dos
seus objetivos ideológicos, perdeu a humildade necessária para ser oposição em
democracia. Neste novo cenário político, acantonou-se na condição de Governo no
exílio.
As
suas posições sobre temas políticos em destaque nas últimas semanas - os
contratos de associação com colégios privados, a greve no Porto de Lisboa, a
reposição das 35 horas de trabalho semanal na Administração Pública, a situação
do emprego e do desemprego, as condicionantes do investimento ou das
exportações, as borrascas do setor financeiro, as leituras da hipócrita
possibilidade de a União Europeia (UE) poder aplicar sanções a Portugal por
défice excessivo - têm vindo carregadas de dramatização dos problemas e sem
preocupação de fundamentação coerente, procurando apenas criar nos portugueses
e nas suas organizações a ideia de que Portugal é hoje o país das incertezas,
numa Europa e num Mundo onde pretensamente tudo está claro.
Estas
opções levam-me a concluir que: (i) as forças da Direita acreditam que o poder,
desde logo o Governo do país, lhes vai cair rapidamente nas mãos, pelo que só
precisam de exercitar o bota-abaixo; (ii) estão ansiosas por apertar novamente
os calos ao povo e descansar o centrão de interesses, por isso não podem vir a
uma discussão aberta sobre os problemas e soluções possíveis; (iii) encenam
apelos à UE em defesa do interesse nacional, mas prosseguem alinhadas no mais
profundo seguidismo das políticas conservadoras e retrógradas que dominam na UE
e na interpretação dos interesses dos credores e agiotas que nos exploram,
tentando convencer-nos ser por aí que se assegura o fim das incertezas.
É
claro que há hoje uma espada de Dâmocles sobre o nosso país. São muitos e
difíceis de resolver os problemas acumulados ao longo do tempo. Por outro lado,
as políticas e práticas seguidas pela UE obrigam-nos a uma negociação
permanente e muito difícil, pois há tratados com determinações que chocam com a
nossa soberania e com caminhos que necessitamos de trilhar para nos
desenvolvermos. Ao mesmo tempo, qualquer membro do Eurogrupo ou comissário
europeu, qualquer governante de um país poderoso ou agência de
"rating", ou até um burocrata de topo, pode desencadear impunemente
ataques ao nosso país, instabilizar a ação do nosso legítimo Governo, os
trabalhos da Assembleia da República e dos outros órgãos de soberania.
A
estrutura da economia e o controlo sobre muitas das suas alavancas principais
passou para as mãos de grupos de interesses que se borrifam para o nosso
destino coletivo; o processo de mercadorização do trabalho, da saúde do ensino,
da segurança e da proteção social já está avançado e enredado em
promiscuidades; a banca nacional está pouco saudável (e agora atrofiada pelo
processo da União Bancária) em resultado de uma gestão oportunista, de negócios
sujos e atividades empresariais desastrosas, estruturadas a montante da função
dos bancos. Aí se alimentou o enriquecimento desmedido de uns quantos e o
"bem-estar" e o ego desmedido de gente enfatuada, como ainda esta
semana ficou bem visível na discussão da situação do Banif. Tudo isto é que
cria incertezas!
Infelizmente,
são maiores as incertezas vindas da UE, alimentadas por: um euro estruturado
para servir quem detém o poder, a financeirização da economia, as práticas xenófobas
e fascistas que medram à vontade, a hipócrita condução do problema dos
refugiados, o fosso entre os objetivos dos governos e os anseios dos povos, as
interrogações sobre o Brexit ou as eleições em Espanha. E à escala global não
são menores as armadilhas.
Buscando
cuidadosamente mais certezas e dando pequenos passos em convergência com os
combates progressistas de outros povos, é possível governar aqui a favor do
nosso futuro.
*Investigador,
professor universitário
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