domingo, 5 de junho de 2016

Portugal. UM GOVERNO NO EXÍLIO



Carvalho da Silva – Jornal de Notícias, opinião

A Direita portuguesa mergulhou profundamente no neoliberalismo e conservadorismo bafientos instalados na Europa, fez emergir várias dessintonias que mantém com o Regime Democrático Constitucional, colocou-se em pleno ao serviço dos poderes externos que subjugam o país, substituindo a objetividade indispensável à análise dos desafios com que se depara a sociedade por uma "realidade" feita essencialmente de receitas importadas à medida dos seus objetivos ideológicos, perdeu a humildade necessária para ser oposição em democracia. Neste novo cenário político, acantonou-se na condição de Governo no exílio.

As suas posições sobre temas políticos em destaque nas últimas semanas - os contratos de associação com colégios privados, a greve no Porto de Lisboa, a reposição das 35 horas de trabalho semanal na Administração Pública, a situação do emprego e do desemprego, as condicionantes do investimento ou das exportações, as borrascas do setor financeiro, as leituras da hipócrita possibilidade de a União Europeia (UE) poder aplicar sanções a Portugal por défice excessivo - têm vindo carregadas de dramatização dos problemas e sem preocupação de fundamentação coerente, procurando apenas criar nos portugueses e nas suas organizações a ideia de que Portugal é hoje o país das incertezas, numa Europa e num Mundo onde pretensamente tudo está claro.

Estas opções levam-me a concluir que: (i) as forças da Direita acreditam que o poder, desde logo o Governo do país, lhes vai cair rapidamente nas mãos, pelo que só precisam de exercitar o bota-abaixo; (ii) estão ansiosas por apertar novamente os calos ao povo e descansar o centrão de interesses, por isso não podem vir a uma discussão aberta sobre os problemas e soluções possíveis; (iii) encenam apelos à UE em defesa do interesse nacional, mas prosseguem alinhadas no mais profundo seguidismo das políticas conservadoras e retrógradas que dominam na UE e na interpretação dos interesses dos credores e agiotas que nos exploram, tentando convencer-nos ser por aí que se assegura o fim das incertezas.

É claro que há hoje uma espada de Dâmocles sobre o nosso país. São muitos e difíceis de resolver os problemas acumulados ao longo do tempo. Por outro lado, as políticas e práticas seguidas pela UE obrigam-nos a uma negociação permanente e muito difícil, pois há tratados com determinações que chocam com a nossa soberania e com caminhos que necessitamos de trilhar para nos desenvolvermos. Ao mesmo tempo, qualquer membro do Eurogrupo ou comissário europeu, qualquer governante de um país poderoso ou agência de "rating", ou até um burocrata de topo, pode desencadear impunemente ataques ao nosso país, instabilizar a ação do nosso legítimo Governo, os trabalhos da Assembleia da República e dos outros órgãos de soberania.

A estrutura da economia e o controlo sobre muitas das suas alavancas principais passou para as mãos de grupos de interesses que se borrifam para o nosso destino coletivo; o processo de mercadorização do trabalho, da saúde do ensino, da segurança e da proteção social já está avançado e enredado em promiscuidades; a banca nacional está pouco saudável (e agora atrofiada pelo processo da União Bancária) em resultado de uma gestão oportunista, de negócios sujos e atividades empresariais desastrosas, estruturadas a montante da função dos bancos. Aí se alimentou o enriquecimento desmedido de uns quantos e o "bem-estar" e o ego desmedido de gente enfatuada, como ainda esta semana ficou bem visível na discussão da situação do Banif. Tudo isto é que cria incertezas!

Infelizmente, são maiores as incertezas vindas da UE, alimentadas por: um euro estruturado para servir quem detém o poder, a financeirização da economia, as práticas xenófobas e fascistas que medram à vontade, a hipócrita condução do problema dos refugiados, o fosso entre os objetivos dos governos e os anseios dos povos, as interrogações sobre o Brexit ou as eleições em Espanha. E à escala global não são menores as armadilhas.

Buscando cuidadosamente mais certezas e dando pequenos passos em convergência com os combates progressistas de outros povos, é possível governar aqui a favor do nosso futuro.

*Investigador, professor universitário

Sem comentários:

Mais lidas da semana