Mateusz
Piskorski*
A
OTAN é uma aliança imemorial que libertou a Europa do nazismo e nos protege
contra o Urso Russo... é o que deveríamos acreditar. A verdade histórica é bem
outra, mas a OTAN está empenhada em revisar. Uma tarefa longa, de consequências
sombrias.
Aviso:
Enquanto este artigo era publicado em vários idiomas, seu autor foi preso e
detido em 18 de maio de 2016.
Nos
dias 8 e 9 de julho, Varsóvia vai hospedar a nova cimeira da OTAN, reunião dos
chefes dos estados-membros do tratado e da direção da OTAN no formato do
Conselho do Atlântico Norte. Esta cimeira será a 25ª de sua história, e nela os
acordos firmados na anterior, em Newport, 2014, serão desenvolvidos. Estaremos
lidando, em particular, com a criação de uma força de reação rápida em
território de países da Europa Ocidental que sejam capazes de conduzir
operações de combate no chamado flanco leste do tratado. O Ministro dos Assuntos
Externos da Polônia, Witold Waszczykowski, enfatizou que o estabelecimento de
bases militares da OTAN e em particular dos Estados Unidos no território da
Polônia será anunciado durante a cimeira.
São
esperados 2,5 mil participantes e 1,5 mil jornalistas estrangeiros. O moderno
Estádio Nacional no centro de Varsóvia foi alugado para o evento. As medidas de
segurança foram intensificadas por conta de possíveis ameaças terroristas e
protestos de associações civis que já declararam a intenção de realizar uma
espécie de anticimeira na capital polonesa.
Em
linha com os preparativos, uma intensa campanha de informação vem sendo
conduzida com o objetivo principal de espantar os temores quanto a alegadas
ações e planos supostamente agressivos da Rússia. A guerra contra a memória
histórica é parte desta campanha de longo prazo. Neste aspecto, é preciso
reconhecer que a reavaliação dos fatos históricos e a negação do papel da União
Soviética na Grande Vitória de 1945 encontram um certo terreno histórico e
político nos Estados bálticos e na Romênia, onde os autores da história oficial
da OTAN costumam evocar diretamente os movimentos colaboracionistas locais,
cujas atividades apresentam como exemplos da “luta pela independência” em
relação à União Soviética.
A
situação é vista por outro viés na Polônia, onde é muito difícil encontrar
adeptos da tese de que não foi a libertação que salvou o povo polonês do
genocídio de Hitler. A reformatação da história moderna tem sido coordenada
pelas agências nacionais, tais como o Instituto da Memória Nacional polonês
(Instytut Pamięci Narodowej. N. do T.). Toda essa atividade almeja evitar a
dissonância cognitiva e assim impedir que a população euro-oriental, ao
contemplar monumentos, lembre-se de que o Exército Vermelho libertou-a da
Alemanha Nazista, algo que a faria duvidar se a Rússia seria mesmo o inimigo e
agressor histórico e eterno.
Reformatar
as percepções dos fatos históricos é parte deste tão complexo projeto de longo
prazo, impossível de ser realizado ao longo dos dois meses que faltam para a
cimeira [O artigo original foi escrito em maio de 2016. N. do T.]. Mas outras
providências podem ser tomadas.
No
contexto da guerra de informação, os meios de comunicação do Leste Europeu
publicam regularmente matérias sobre a instalação de ogivas nucleares na região
de Kaliningrado. A própria existência dessa região como súdita da Federação
Russa é exibida como ameaça à existência dos países vizinhos. No flanco sul,
esse papel no processo de aumento da sensação de perigo cabe à Transnístria.
Assim, Kaliningrado amedronta os povos bálticos e os poloneses, enquanto a
Transnístria é utilizada para atemorizar os romenos e, em menor escala, os
búlgaros.
A
guerra de informação vem sendo conduzida sistemática e profissionalmente, e
começou vinculada à necessidade de preparar a opinião pública para o
posicionamento bélico dos sistemas de mísseis defensivos no Leste Europeu.
Quanto
ao processo de normalizar as relações entre o Ocidente e o Irã, os encarregados
das relações públicas da OTAN tiveram que admitir: os sistemas de mísseis visam
exclusivamente à imaginária ameaça russa.
A
Polônia vem tentando desempenhar o papel de líder nas zonas setentrionais e
bálticas da corrida armamentista no Leste Europeu. A Romênia, por sua vez,
tenta tomar a iniciativa na região do Mar Negro. Tarefa bem mais difícil,
porém, porque ali a Turquia vem atuando como líder da coalizão antirrussa há
mais de ano e meio. Esta mesma Turquia que tem demonstrado certas ambições
geopolíticas.
Contudo,
Bucareste vem tentando usar a falta de confiança absoluta de Washington em
Erdogan para fornecer serviços alternativos ao Pentágono. A iniciativa de criar
uma esquadra conjunta da OTAN no Mar Negro com a participação de países ainda
não membros da aliança, Ucrânia e Geórgia, como propôs o Ministro da Defesa
romeno Mihnea Motoc, é um exemplo de tal abordagem.
A
preparação da cimeira vem sendo observada com todo cuidado pelo Departamento de
Estado estadunidense. Como representante de John Kerry, Anthony Blinken visitou
há pouco alguns países do Leste Europeu. Suas conversas com os colegas europeus
orientais encontraram um ponto de encontro: os antigos membros do bloco leste
deveriam apoiar sem reservas a posição de Washington durante a cimeira, em
especial no tocante ao fortalecimento militar no chamado flanco oriental, e
arcar com as despesas de defesa nos respectivos orçamentos nacionais.
Blinken
destacou que a Rússia tem intenção de provocar as forças da OTAN antes da
cimeira, e citou como prova as patrulhas da Força Aérea Russa sobre o Mar
Báltico. Mas esqueceu de dizer que a causa daquela preocupação russa era a
presença ali de navios de guerra dos Estados Unidos. Que, para os oficiais
estadunidenses, porém, era coisa pouca que não valeria levar em conta na atual
situação da guerra de informação.
Blinken
assegurou-se de que o presidente dos Estados Unidos vai sentir-se à vontade na
capital polonesa. Para manter a boa ordem durante o encontro, o governo de
Varsóvia, em atenção à ameaça terrorista, promulgou lei proibindo quaisquer
comícios ou exibições durante o transcurso daquele evento internacional tão
importante, a cimeira.
Tudo
por conta da preocupação com o bem estar do chefe da nova Europa pró-Estados
Unidos, Barack Obama. As despesas oficiais do ministério da defesa polonês para
a reunião dos chefes da aliança são de 40 milhões de dólares, informação que pode
por si só gerar incompreensão e levar os cidadãos da capital polonesa a
realizar, em dias de pleno verão, piquetes durante a cimeira da OTAN.
Voltaire.net
Mateusz Piskorski,
diretor do Centro Europeu de Análise Geopolítica (Varsóvia) - Tradução José Eduardo
Ribeiro Moretzsohn
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