José
Eduardo Agualusa – Rede Angola, opinião
O Jornal
de Angola insiste em dar-me atenção. Desta vez publicou uma peça assinada
por Jacinto Sousa Goubel. Fui ao Google tentar saber mais sobre o articulista.
Não existe nenhuma citação. Nada. Descobriu-se há dias que haveria mais de 55
mil funcionários fantasmas à sombra das estruturas governamentais. Talvez o
senhor Goubel seja um destes fantasmas. Talvez seja alguém sem coragem para
assinar o verdadeiro nome – algo que ocorre com frequência no Jornal de
Angola; ou será, simplesmente, um estagiário em início de carreira.
É
inútil responder a cobardes; menos ainda a fantasmas. Admitindo, contudo, que
se trate de um jovem e ingénuo estagiário, e que este seja o seu primeiro
artigo, pode ser que se justifique a resposta.
A
peça é deselegante e um tanto confusa; contudo, não me quero ocupar aqui com
questões de estilo. Goubel – este nome ecoa, sinistramente, o de Joseph
Goebbels, ministro da propaganda da Alemanha nazi; mais uma vez vamos dar aos
camaradas do MPLA o benefício da dúvida e acreditar que se tratou de infeliz
coincidência e não de uma desastrada falha de pensamento – acusa-me, no
essencial, de ser um “falso angolano”, um “falso escritor”, e um simpatizante
da UNITA. São, todas elas, acusações, ou impropérios, que dizem mais sobre quem
os produziu do que sobre mim. Uma das práticas que caracteriza um regime
totalitário tem a ver com a desnacionalização do adversário. Numa democracia,
um adversário é simplesmente um compatriota que pensa de maneira diferente. Em
democracia procura-se ouvir com atenção todas as vozes críticas, por mais
minoritárias que sejam, pois acredita-se que do confronto de ideias podem
surgir soluções melhores. No fundo, esta é a essência do pensamento
democrático. Ditaduras, pelo contrário, estigmatizam qualquer voz crítica. Os
democratas e opositores do regime são insistentemente classificados como
traidores à pátria, ou, ainda pior, como estrangeiros infiltrados no tecido
social. Em Angola, estamos sempre a ouvir isto relativamente a pessoas como
Rafael Marques, Isaías Samakuva ou Domingos da Cruz. Também no meu caso é uma
acusação recorrente.
“Falso
escritor” é outra acusação recorrente. Se eu fosse médico e me acusassem de ser
um “falso médico”, ainda poderia tentar responder. Neste caso, a acusação é tão
disparatada que se desmancha sozinha. Felizmente, tenho muitos milhares de
leitores e, ao mesmo tempo, boa fortuna crítica. Tenho muitos e bons leitores
até dentro do partido no poder (aproveito para manifestar aqui a minha gratidão
para com esses leitores). Por outro lado, ninguém é forçado a ler os meus
livros. E ninguém que os leia adoece como resultado disso. É uma das virtudes
da literatura: a boa literatura faz bem, melhora as pessoas; a má não prejudica
ninguém. No pior dos casos, entedia.
A
acusação de simpatizar com a UNITA, embora repetida até à exaustão, continua a
surpreender-me. Como é que num regime que se afirma democrático, se pode
pretender diminuir alguém acusando-o de simpatizar com um partido da oposição?
O que há de errado nisso? Se todos os adversários do regime forem simpatizantes
da UNITA isso apenas engrandece a UNITA. Não diminui o valor nem a justiça
desses críticos, e, com toda a certeza, não contribui em nada para a melhoria
da imagem do partido no poder.
Não
me importo que critiquem as minhas ideias – pelo contrário, tal atenção
deixa-me feliz. Lamento é que venha faltando inteligência ao partido no poder.
O MPLA já foi o partido dos intelectuais. Não é mais. A degradação de
pensamento no interior de um partido que já teve personalidades como Mário Pinto
de Andrade e António Jacinto, é um fenómeno assustador, que deveria preocupar a
generalidade dos angolanos. Afinal de contas, todos nós sentimos as
consequências disso.
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