A
campanha Jogos da Exclusão mapeia o Rio das Olimpíadas e prepara várias
manifestações durante o evento
Uma
cidade segregada e militarizada. É esseo legado das Olimpíadas no Rio de Janeiro,que pela
primeira vez é mostrado visualmente num mapa, com as comunidades removidas, as
favelas ocupadas, os crimes ambientais e as obras repletas de irregularidades.
O
mapa é resultado do trabalho da campanha “Rio 2016, os Jogos da Exclusão” e tem
como objetivos deixar claro o alto custo desse megaevento para a cidade,
não apenas financeiro, mas principalmente social.
O
coletivo Jogos da Exclusão participa do Comitê Popular da Copa e Olimpíadas do Rio de Janeiro e
há dezenas de movimentos, organizações e coletivos que estão articulando a
Jornada de Lutas, que acontece na cidade de 1º a 5 de agosto, com
manifestações, debates, intervenções e exibições, entre outras atividades.
As
feridas que geraram cicatrizes na “cidade olímpica”, como a destruição da Mata
Atlântica para a construção de um campo de golfe e a remoção de 77 mil pessoas de suas casas desde 2009 — ano
em que foi definido o Rio como cidade-sede —, são mostradas no mapa e também
serão foco das atividades da Jornada de Lutas.
“O
Rio vem lutando contra os efeitos dos megaeventos desde o Pan de 2007. Agora,
chegamos ao fim de um ciclo de quase uma década, com os Jogos da Exclusão. A
Jornada de Lutas, assim, é a chance de debater tudo que aconteceu no Rio e, em
alguma medida, no país, mas também de fortalecer a resistência contra esse
modelo de cidade cada vez mais segregada”, explica Giselle Tanaka, membro da
campanha Jogos da Exclusão, ressaltando também que o Rio vai ter grandes
desafios para enfrentar após esse período de megaeventos.
Leia
a seguir um detalhamento do que está apresentado no mapa
Remoções
Desde
2009, ano em que a cidade foi escolhida para sediar os Jogos, mais de 77 mil
pessoas perderam suas casas no Rio. São tantos casos que se tornou impossível
nomear todas as comunidades neste mapa. Eduardo Paes removeu famílias utilizando
argumentos mentirosos, como o da construção das vias expressas e o de riscos de
desabamento, sem nunca discutir com os afetados alternativas às remoções, como
alterações de trajetos e obras de contenção.
Alguns
casos de remoção e de resistência se tornaram símbolos dessa política.
A
favela Metrô Mangueira, por exemplo, foi removida por estar a menos de 1km do
Maracanã, sendo que nunca foi apresentada oficialmente uma justificativa para
sua retirada. Ao lado do Parque Olímpico temos a Vila Autódromo, que foi
reduzida de cerca de 600 casas para 20, também apenas por estar ao lado de uma
área de intensa valorização imobiliária. A construção da TransOeste, por sua
vez, levou a destruição completa da Vila Recreio II (235 famílias) e da Vila
Harmonia (125 famílias), que saíriam, segundo a prefeitura, por estarem
exatamente no local por onde a via passaria. Hoje são terrenos vazios ao lado
da TransOeste, apenas aguardando a chegada de um novo empreendimento
imobiliário.
Este
foi o maior processo de remoções da história do Rio. É uma política que
utilizou os megaeventos como desculpa e que certamente usará novos argumentos
para seguir no processo de expulsão das camadas mais pobres da população de
áreas de interesse empresarial.
Violações
ao trabalho
As
obras para os Jogos da Exclusão chegaram ao extremo de utilizar trabalho
escravo. Foram encontrados 11 operários em condições semelhantes à escravidão
em obras para as Olimpíadas, em agosto de 2015. Eles vinham de diversos pontos
do país e estavam alojados em local sem condição alguma de higiene. A
responsável era a empreiteira Brasil Global Serviços, que faz obras no Projeto
Ilha Pura, onde fica o alojamento dos atletas, a chamada Vila Olímpica.
Ao
menos 11 pessoas morreram durante as obras dos Jogos desde 2013. Em Londres, em 2012, não foram registradas mortes.
As obras, como a Vila Olímpica e o Parque Olímpico, foram embargadas mais de 40
vezes por desrespeito às leis. Entre os principais problemas estão
trabalhadores com falta de vínculo empregatício, além de problemas de segurança
e falta de condições de trabalho.
Os
trabalhadores tradicionais de rua, os camelôs, vem sofrendo com a perseguição
diária por parte da Prefeitura do Rio, num processo que se intensifica por
causa dos megaeventos. Para reprimi-los, Eduardo Paes utiliza a Guarda
Municipal, num claro desvio de sua função legal. Casos de truculência e
desrespeito às leis — como apreensões de mercadoria sem registro,
impedindo o camelô de recuperar o que é seu — são
constantes.
A
situação se repete por toda a cidade, mas ocorre principalmente no Centro. Além
disso, desde a Copa das Confederações, os ambulantes estão proibidos de
trabalhar no entorno do Maracanã, área tradicional para esses trabalhadores em
dias de jogos.
Impactos
ambientais
Nenhuma
meta de despoluição foi cumprida para os Jogos da Exclusão. No caso da Baía de
Guanabara, a promessa era de que 80% do esgoto jogado nela estaria sendo
tratado até 2016, sendo que não se chegou nem a 50% do total.
A
limpeza e canalização dos rios da Bacia de Jacarepaguá estavam previstas no
chamado caderno de encargos dos Jogos Olímpicos de 2016 — documento
que reúne compromissos assumidos por conta do evento. As obras pararam no final
de 2015, depois de diversos atrasos. As empresas Andrade Gutierrez e Carioca
Engenharia ganharam R$ 235 milhões por esse serviço, que deveria ter acabado em
2014.
Havia
também a promessa de despoluir as lagoas, especialmente a de Jacarepaguá — onde
fica o Parque Olímpico — e a Rodrigo de Freitas — local
das provas de canoagem. Sobre a primeira, a Secretaria Estadual do Ambiente já
admitiu que não estará limpa para os Jogos.
A
poluição também persiste na segunda. Um estudo feito em laboratório
internacional mostrou que há 99% de chance de infecção ao se ingerir apenas
três colheres de chá da água da lagoa.
E
a compensação de carbono também não cumpriu a meta. Houve replantio de mudas
suficientes para compensar 69% das emissões de gases associadas às obras dos
Jogos.
Intervenções
urbanas
Para
a nova “Cidade Olímpica” foram feitas grandes intervenções urbanas que
marcariam a cidade positivamente. O que temos, entretanto, é ciclovia na
Avenida Niemeyer caindo, piscinão contra enchente na Praça da Bandeira e em
outros locais próximos ao Maracanã sem funcionar direito, VLT que consumiu
bilhões para uso de poucos, enquanto trem, ônibus e metrô estão em colapso.
O
Porto Maravilha é a maior parceria público-privada do país, sendo que o
“público” entrou com o dinheiro, e o “privado”, com o lucro. Usando R$ 3,5
bilhões do FGTS (dinheiro dos trabalhadores) para financiar o empreendimento, o
projeto levou a remoção de milhares de famílias e está sob investigação por
corrupção nos contratos.
A
contrapartida social prevista, a construção de moradia popular, além de ser
insuficiente até para atender às famílias removidas, ainda não saiu do papel.
Sobre os novos prédios comerciais, não há certeza sobre a demanda, o que pode
levar o lugar a ser rebatizado de Porto Elefante Branco.
Os
corredores de BRT das vias expressas TransOlímpica, TransOeste e TransCarioca
foram apresentados de forma impositiva, sem discussão com a população, e já
nasceram com problemas.
No
caso das duas últimas, os relatos de atraso, dificuldade de embarque,
desconforto e superlotação começaram já nos primeiros dias de operação.A
TransOlímpica foi interditada menos de uma semana após inauguração, pois um
viaduto ameaça cair. Para completar, o serviço é controlado pela mesma máfia
dos ônibus que opera as demais linhas da cidade.
A
solução ideal para o transporte seria colocar metrô no lugar do BRT. A ampliação
da linha, todavia, segue atrasada, mesmo com a modificação do traçado original
da nova Linha 4, que virou apenas uma extensão da Linha 1. E seu custo é 21
vezes mais que o inicialmente previsto em contrato. Já foram consumidos R$ 9,77
bilhões neste trecho (menor que o originalmente proposto), sendo que ainda será
necessário gastar mais R$ 989 milhões para terminar.
Equipamentos
esportivos
Nem
mesmo o esporte ganhou com os Jogos da Exclusão. Palco da abertura e do
encerramento, o Maracanã foi entregue em às empresas Odebrecht, IMX e AEG, num
processo denunciado pelo MPF e o MP-RJ. Foi gasto R$ 1,34 bi na reforma para os
megaeventos, sendo vendido por R$ 181 mi, pagos em 30 anos. Sérgio Cabral é
investigado por ter recebido propina nessa obra.
O
Maracanã faz parte de um complexo que também inclui o Parque Aquático Julio
Delamare e o Estádio de Atletismo Célio de Barros. Os dois estão fechados desde
a Copa, servindo de depóstio de material e estacionamento.
Com
isso, atletas de ponta e iniciantes foram forçados a buscar novos locais de
treino, algumas vezes fora da “Cidade Olímpica”, e até mesmo a treinar na rua
ou deixar de treinar. Além disso, a Aldeia Maracanã, que fica ao lado do
Complexo, foi invadida pelo Estado, que expulsou violentamente os indígenas e
apoiadores do espaço que é deles por direito.
Muitos
praticantes de atletismo tinham migrado para o Estádio Olímpico, mas esse
também teve que ser fechado em 2013, sob o risco de desabar. Nenhuma empresa
foi responsabilizada pelo erro na estrutura.
No
caso do Parque Olímpico, há estruturas que serão desmontadas, enquanto as
demais serão privatizadas também, num processo que vende por nada equipamentos
contruído com milhões dos cofres públicos, transformados em espaços para a
iniciativa privada divulgar marcas, como a Arena Multiuso, que virou HSBC
Arena.
Na
Baía de Guanabara temos a Marina da Glória, também privatizada num processo que
esqueceu completamente sua finalidade esportiva. Nem mesmo a rampa públlica de
acesso à água foi deixada pela dona do espaço, a BR Marinas. (Em nota, a assessoria de imprensa da BR Marinas
questionou a informação. Confira a íntegra da resposta)
No
caso do Estádio de Remo da Lagoa, a Olimpíada o transformaria num centro de
treino do esporte, mas o que ficou de legado é o shopping center Lagoon, que
ocupa o estádio sem deixar espaço para os praticantes de remo.
Militarização
A
ocupação militar da cidade está ligada diretamente à preparação para os
megaeventos. A escolha dos locais que receberam as chamadas Unidades de Polícia
Pacificadora (UPPs) (projeto iniciado no fim de 2008) foi o de criar um
“cinturão de segurança” para a Copa do Mundo e as Olimpíadas, privilegiando as
áreas turísticas, os corredores de acesso ao aeroporto internacional e aos
bairros da cidade que receberam equipamentos olímpicos.
Essa
militarização do território nunca teve como objetivo a segurança dos moradores
desses locais ou a ampliação do acesso a serviços públicos, mas sim o controle
dessa população pobre e negra, sempre vista como inimiga.
O
orçamento de Segurança Pública do Estado do Rio é maior que o de Saúde e
Eduação. O governo em “estado de calamidade”, sem pagar salários, conseguiu um
empréstimo R$ 2,9 bi com o governo federal, dinheiro que vai todo para a
repressão olímpica.
Além
da UPP, há também a ocupação militar pelas Forças Armadas, que vai se repetir
em pelo menos seis favelas durante os Jogos da Exclusão. Na ocupação de 15
meses do Conjunto de Favelas da Maré para a Copa do Mundo foram gastos R$ 599
mi. Em comparação, de 2010 a 2016, a Prefeitura do Rio investiu R$ 303 mi em
programas sociais nas favelas.
Onde
a Polícia Mata
As
linhas no mapa correspondem às áreas dos batalhões da Polícia Militar do Rio.
Já a diferença de tonalidade no mapa mostra que a violência do Estado não se
distribui de forma igual por toda a população carioca.
Dados
de 2010 a 2015 mostram que, nas regiões mais valorizadas, o número de
homicídios cometidos pela PM é absurdamente menor do que nas áreas periféricas.
Foram
5 mortes na região do 19º Batalhão (de Copacabana) nesse período. Na área do
41º (Irajá, Acari e Madureira, entre outros), o número salta para 310, ou 6100%
maior. Em todas as áreas mais escuras as mortes chegam a 300, enquanto nas mais
claras giram em torno de 10 mortes.
Os
megaeventos também são sinônimo de mais assassinatos cometidos por policiais.
Elas aumentaram 40% em 2014, ano da Copa, em relação com 2013. Somente na
comparação de maio de 2016 com maio de 2015, o crescimento foi de 135%, saindo
de 17 para 40 mortos.
Mostrar
de forma espacial a atuação policial em diferentes áreas da cidade é
fundamental para entender como o Estado atua em favelas e periferias urbanas,
evidenciando o racismo entrincheirado na sociedade brasileira e em suas
instituições.
A
BR Marinas esclarece que a informação referente ao fechamento da rampa na Marina
da Glória publicada no "Guia para jornalistas e comunicadores - violações
de direitos na cidade olímpica" é inverídica. A BR Marinas nunca foi
questionada pela organização Justiça Global sobre o assunto citado no
relatório.
A
referida rampa citada no documento nunca foi fechada, contudo é preciso
esclarecer que o empreendimento esteve em obras durante aproximadamente um ano
e por questões de segurança, o acesso ficou limitado durante esse
período.
A
BR Marinas tornou a Marina da Glória, cartão postal da cidade, totalmente
aberta
e integrada ao Parque do Flamengo. Além disso, a empresa realizou obras de
melhoria em todo o espaço e está trabalhando no licenciamento para a construção
de outra rampa dentro da Marina.
A
BR Marinas ressalta que a Nova Marina da Glória - equipamento olímpico-
recebe há mais de dois anos, atletas de vela de diversas delegações do mundo
que utilizam a estrutura do espaço para treinamento, o que reforça a ideia de
uma marina urbana aberta e democrática.
Carta
Capital – Foto: Clarice Castro/Fotos Pública – No Mapa: O mapa que reúne todos
os impactos da preparação dos Jogos Olímpicos sobre a cidade do Rio de Janeiro
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