Juiz
Federal que decretou a prisão de dez brasileiros que supostamente planejavam um
ataque durante as Olimpíadas no Rio de Janeiro contradiz ministro da Justiça e
diz que os suspeitos não são 'terroristas'. Especialista em mídias sociais
também expôs contradições do ministro sobre mensagens criptografadas
O
juiz federal Marcos Josegrei da Silva, titular da 14ª Vara Federal de Curitiba,
deu uma coletiva de imprensa na tarde desta quinta-feira 21 sobre sua decisão
que resultou na prisão
de dez suspeitos que supostamente estariam planejando um ataque terrorista
durante a Olimpíada do Rio de Janeiro, em agosto.
Em
sua fala, o magistrado contradisse o ministro interino da Justiça, Alexandre de
Moraes, que disse horas antes à imprensa que o líder do grupo estava preso em
Curitiba. “Essa questão da liderança, quero esclarecer que foi uma leitura
feita pelo ministro da Justiça”, disse o juiz, que reiterou que os suspeitos
não podem ser considerados “terroristas”.
“É
preciso deixar bem claro o seguinte: são afirmações por internet, que pessoas
fazem por meios virtuais. As prisões e as buscas buscam obter elementos que
confirmem ou não isso. Nem tudo que uma pessoa preconiza no meio virtual, ela
vai realizar no real”, disse ainda.
Especialista
também questiona ministro
De
acordo com as informações do ministro da Justiça, Alexandre Moraes, o serviço
de inteligência brasileiro teve acesso a conversas em aplicativos de troca de
mensagens instantâneas como o Whatsapp e o Telegram.
Em
entrevista ao Jornal do Brasil, a especialista em mídias sociais, Patrícia
Andrade Ladeira, questionou a declaração do ministro, alegando ser impossível
ter acesso às conversas de WhatsApp devido a medida de segurança existente no
aplicativo, conhecida como criptografia.
“Na
última terça-feira (19), a Justiça pediu o bloqueio do whatsapp alegando que
eles se negaram a quebrar o sigilo de pessoas suspeitas, porém, não existe uma
maneira do aplicativo fazer isso, pois nem eles próprios conseguem acessar as
conversas. Existe uma forma de segurança chamada criptografia, usada no
Whatsapp. O que a criptografia faz, é basicamente embaralhar nossas conversas e
criar códigos para que outras pessoas não consigam entender sobre o que se
trata a conversa. Não existe uma maneira de burlar essa medida de segurança”,
comentou Patrícia.
A
especialista comenta também que, nem mesmo seria possível grampear as conversas
realizadas através do serviço de ligação do Whatsapp, feita através de uma
tecnologia chamada VoIP.
“É
muito diferente, por exemplo, do telefone normal, onde você pode instalar um
grampo e ter acesso às conversas da pessoa grampeada. No caso desse tipo de
mensagem chamada VOIP, não existe uma maneira de grampear as conversas”,
explicou.
Durante
entrevista coletiva, o ministro informou que os indivíduos estavam sendo
monitorados desde abril pela Polícia Federal, e que, apenas dois deles tinham
contato pessoal, e ambos já haviam sido condenados há seis anos de prisão por
homicídio.
Segundo
a esposa de um dos presos, ele não possuía o aplicativo Telegram instalado em
seu celular, apenas o Whatsapp, e, que os únicos grupos com relação com o islã
que ele participava eram os grupos de estudos da língua árabe. Idioma que era
lecionado pelo suspeito através de vídeos no youtube (assista abaixo), e que
ele usava os grupos para tirar dúvidas dos alunos.
Patrícia
lembrou que, antigamente, quando as conversas eram feitas através do MSN era
possível quebrar o sigilo das mensagens pois havia uma maneira de salvar o
histórico de conversas e ter acesso através de outros computadores, o que não é
possível com os celulares.
Questionado
sobre a possibilidade de investigar os suspeitos por meio das conversas
criptografadas do WhatsApp e do Telegram, o ministro não quis responder. “Pelo
amor de Deus”, ele se limitou a comentar.
“Amadores”
Outro
ministro do Michel Temer, Raul Jungmann, da pasta da Defesa, admitiu que os dez
brasileiros presos não passavam de ‘amadores’.
“Era
um grupo que não tinha nenhuma tradição, algo que você possa dizer que havia um
preparativo histórico”, afirmou Jungmann.
Ele
disse que a ação deste grupo é um fato isolado e não modificará a classificação
de risco no Brasil.
“Todos
temos que ter preocupação, e ela existe. Mas nossa capacidade de antecipação
foi demonstrada nesse caso”, afirmou.
Outros
grupos estão sendo monitorados, segundo o ministro, que não entrou em detalhes
sobre outras investigações em curso.
(Imagem em cima:
Alexandre Moraes, ministro interino da Justiça e o juiz federal Marcos Josegrei
da Silva)
O
que está por trás da ação “antiterrorismo” anunciada pelo governo Temer?
Pronunciamento
confuso e suspeita de propaganda política: afinal, foram presos 10 terroristas
ou 10 zé-manés? A maneira como a operação “antiterrorismo” foi conduzida e as
explicações dadas sugerem que há outros interesses por trás que vão além da
simples prevenção. Confira as várias perguntas que ficaram sem respostas
A
Polícia Federal prendeu nesta quinta-feira (21) dez brasileiros suspeitos de
simpatizarem com grupos terroristas. Quem anunciou a operação foi o ministro da
Justiça, Alexandre Moraes, através de um pronunciamento à imprensa.
Em
seguida, ao ser confrontado por jornalistas em entrevista coletiva, a confusão
de Moraes ao tratar da “ação antiterrorismo” gerou ainda mais dúvidas acerca
das verdadeiras intenções por trás da operação. O ministro não conseguiu
responder perguntas simples sobre as prisões.
A
seguir, confira duas análises sobre o episódio e as perguntas que carecem de
respostas:
Leonardo
Sakamoto*
A
menos que algum fato novo apareça, o governo brasileiro provocou um
estardalhaço midiático, nesta quinta (21), pelo fato da Polícia Federal ter
prendido dez zé manés suspeitos de simpatizarem com grupos terroristas.
Há
quem diga que isso nos tranquiliza por mostrar que o governo é capaz de
garantir a segurança e a integridade de atletas, jornalistas, visitantes e
brasileiros durante os Jogos Olímpicos – a serem realizados no Rio, em agosto.
Na
verdade, o que todo esse episódio mostra, e isso ficou evidente na entrevista
coletiva do ministro da Justiça Alexandre de Moraes sobre o assunto, é que o
país não faz a mínima ideia do que seja terrorismo. E de como combatê-lo. Mas
agora vai usar o caso como carta branca para outras ações do tipo Minority
Report baseadas na famigerada Lei Antiterrorismo.
Além
disso, se o governo Michel Temer queria que a visibilidade de sua operação
mostrasse ao mundo que estamos preparados para os Jogos (dúvida que ganhou
força após o ataque que matou mais de 80 pessoas em Nice, na semana passada), o
resultado pode ser o inverso.
O
estardalhaço feito sobre evidências frágeis e a notoriedade dado a um grupo sem
ligação comprovada com lideranças do terror tem um potencial nocivo. A
divulgação gratuita obtida através de um caso como esse pode incentivar
atentados reais por qualquer idiota que queira visibilidade – idiotas que podem
não ter relação alguma com os fundamentalistas de sempre, mas agirem por conta
própria guiados pelas ideias alheias ou por sua própria sede por sair da
invisibilidade.
Se
algo causa impacto, é claro que será copiado. E rapidamente, por conta da
informação circulando em tempo real, seja via rádio e televisão, seja pela
internet. Não estou jogando a culpa no mensageiro ou dizendo que o mimetismo é
a causa das desgraças do mundo, mas temos certa parcela de responsabilidade
quando transmitimos fatos acriticamente, como se notícias fossem neutras, não
houvesse contexto social e todos os receptores da informação compartilhassem
dos mesmos valores.
Por
fim, vale sempre lembrar que podemos sofrer um ataque terrorista no Rio. É uma
possibilidade. Mas, certeza mesmo, é que morremos diariamente pelas mãos do
tráfico, da polícia ou da milícia. Nestes momentos, uma tristeza toma conta
porque banalizamos a violência cotidiana a ponto de não render mais manchetes.
O
governo usou um canhão para abater passarinho. Espero que não ajude a inflar os
mesmos monstros que ele quer destruir.
*Leonardo
Sakamoto é jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São
Paulo
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Não
é de surpreender que, diante dos fatos ocorridos pelo mundo nos últimos anos,
governos e chefes de estado se preocupem com a segurança da população e dos
turistas em megaeventos, como é o caso dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro.
Talvez tenha sido essa a motivação do governo interino de Michel Temer, por
meio de seu ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, ao deflagrar a operação
que prendeu dez pessoas suspeitas de ligação com o grupo Estado Islâmico nesta
quinta-feira (21). A maneira como a operação foi conduzida e as explicações
dadas, no entanto, sugerem que há outros interesses por trás que vão além da
simples prevenção.
De
acordo com Moraes – que foi secretário de Segurança Pública de São Paulo e
comandou uma série de operações questionáveis do ponto de vista dos direitos
humanos –, os suspeitos já estão sendo investigados há algum tempo, mas a
operação só foi divulgada nesta quinta-feira por “motivos de segurança”.
Na
Europa e em países que costumam a ser alvo de ataques terroristas, quase todas
as investigações relacionadas ao tema são mantidas em máximo sigilo para que as
investigações não sejam atrapalhadas e também para não criar pânico na
população. Ora, se era essa a linha de pensamento há até um dia atrás, por que
resolveu-se midiatizar o episódio hoje?
A
pergunta e torna mais relevante se levarmos em consideração uma outra colocação
do ministro da Justiça. “São grupos amadores. Tudo leva a crer que eles jamais
agiriam de maneira séria”. Se não são tão perigosos assim, como justificar as
prisões e as conduções coercitivas, além da convocação de uma coletiva de
imprensa para amplificar ainda mais as suspeitas? Investigações que envolvem a
segurança nacional podem ser feitas dentro do mais absoluto sigilo. Não podem?
E
mais: não é muita coincidência que um “assunto bomba” como esse repercuta
justamente na semana em que está em evidência a fraude da pesquisa do Datafolha
para beneficiar o presidente interino? Seria uma jogada de ‘timing político’?
Todas
as prisões e conduções foram feitas com base em uma única “evidência” que
tornaram, para a Polícia Federal, essas pessoas suspeitas: conversas em
aplicativos de mensagens como WhatsApp e Telegram. Ora, esse não era o país em
que juízes conseguem tirar o serviço desses aplicativos do ar como uma sanção
por eles não fornecerem os registros de conversas dos usuários? A criptografia
desses sistemas torna a recuperação do histórico praticamente impossível e nem
mesmo agentes do FBI têm fácil acesso à essas informações.
Moraes,
quando perguntado sobre isso, se enrolou e justificou dizendo que não pode
explicitar os métodos de investigação e que há “outros meios” de se descobrir.
A partir daí surgem ainda mais perguntas: temos na PF agentes mais qualificados
ou tecnologia ainda mais avançada que as agências de inteligência mundiais para
recuperar conversas criptografadas com tamanha facilidade? Estaria ele mentindo
ou blefando? Se há “outros meios”, por que os juízes não acionam outras esferas
da Justiça para dar seguimento às suas investigações e evitar a retirada desses
serviços do ar como aconteceu essa semana?
As
perguntas já são muitas, mas não param por aí. Por que as informações do
ministro da Justiça e da Polícia Federal não batem? Na coletiva, Moraes afirmou
que os dez presos eram um de cada estado. A PF, no entanto, informou que só em
São Paulo foram presos quatro suspeitos.
À
parte o desencontro de desinformações, há também no fato que tomou as manchetes
dos jornais desta quinta-feira o uso e reforço de estereótipos e preconceitos
alinhados a uma narrativa clássica e óbvia de “guerra ao terror”. Um dos
suspeitos presos em São Paulo, conforme noticiado em matéria exclusiva da
Fórum, era convertido ao islamismo e, de acordo com sua esposa, estava apenas
em grupos de WhatsApp de aulas de árabe. Ele trabalha em uma funilaria com o
pai para conseguir sustentar os dois filhos e ainda sugeriu que a polícia
vasculhasse sua residência – já que foi apreendido na casa de sua sogra – para
provar que não tem nada a dever. Brasileiro, convertido ao islamismo, “barbudo”,
dá aulas de árabe: ingredientes perfeitos para criar o estereótipo de uma
pessoa que teria ligações com grupos terroristas.
Mais
curioso ainda é constatar que antes mesmo da prisão do jovem, na semana
passada, a revista Veja já utilizava uma foto sua segurando o “estandarte
negro”, uma das bandeiras do islamismo – que hoje foi apropriada pelo grupo
terrorista – para associá-lo ao planejamento de atos criminosos.
E,
claro, nessa história toda não podia faltar uma AK-47. Hoje esse tipo de
armamento é facilmente encontrado para venda em favelas brasileiras e não é
difícil se deparar com seu uso dentro do crime organizado. Associar um ataque
terrorista ao uso de uma AK-47 soa um tanto quanto óbvio e cai como uma luva à
narrativa do terror quando se noticia que os suspeitos estariam tentando
comprar uma dessas no Paraguai – país que também tem tradição de ser, aqui no
Brasil, associado ao crime. Até agora nem a tentativa e nem a compra foram
confirmadas.
Cabe
lembrar também da real possibilidade de o Brasil ser atacado pelo Estado
Islâmico. O país não é signatário da coalizão internacional de combate ao
grupo. Não somos, portanto, um alvo tão em potencial assim dos terroristas
tendo em vista que seus ataques têm se limitado aos países quem compõem a
coalizão.
Por
fim, o efeito que essas narrativas todas causam também parece óbvio: o ódio e o
preconceito. Não precisou de muito tempo para que veículos de imprensa
começassem a chamar os suspeitos de terroristas, como se algo já estivesse
comprovado. Um deles foi o G1, através do blog ‘Segurança Digital’, com a
manchete: “Como o governo teria grampeado terroristas no WhatsApp?”.
*Ivan
Longo é jornalista
(Imagem em cima:
Alexandre Moraes, ministro da Justiça)
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