Orlando
Castro*
Toda
a fina flor do entulho político de Portugal ruma a Angola para assistir ao
Congresso do MPLA que amanhã começa, em Luanda. Os sabujos portugueses que,
como se sabe, estão sempre do lado dos mais fortes (o regime) e contra os mais
fracos (os angolanos), fazem-se representar em força.
O ex-vice
primeiro-ministro português, Paulo Portas, vai ser um dos convidados especiais
no congresso do MPLA. É uma forma, entre outras, de agradecer a bajulação e a
sabujice de Portugal ao regime de sua majestade o rei de Angola, José Eduardo
dos Santos.
No
que diz respeito às delegações partidárias, Portugal estará representado com a
fina flor do entulho: Carlos César e Ana Catarina Mendes, respectivamente
presidente e secretária-geral adjunta do PS; Marco António Costa e José Matos
Rosa, vice-presidente e secretário-geral do PSD; Rui Fernandes, membro da
comissão política do PCP; Luís Queiró, presidente do congresso do CDS e
responsável pelas relações internacionais do partido.
Palhaçadas
recentes
Como
se tornou regra em Angola, também nos prostíbulos políticos portugueses, a
palhaçada tomou conta dos areópagos lusitanos, isto sem culpa dos palhaços
propriamente ditos.
Recentemente
foi debatido no Parlamento português um voto de condenação apresentado pelo
Bloco de Esquerda sobre a “repressão em Angola” e com um apelo à libertação dos
activistas então ainda detidos.
Este
voto do BE contou (para além da oposição do PSD, CDS e PCP e abstenção do PS)
ainda com o apoio de seis deputados socialistas (Alexandre Quintanilha, Isabel
Moreira, Inês de Medeiros, Isabel Santos, Pedro Delgado Alves e Wanda
Guimarães), além do representante do PAN (Pessoas Animais e Natureza).
“É
preciso travar e dar por finalizado este arrastado processo que visa intimidar,
deter e punir aqueles que criticam a governação de José Eduardo dos Santos, que
tem tido interferência directa ao longo de todo o processo, dando ordens no
sentido de prolongar indefinidamente as audiências”, referia-se no voto da
bancada bloquista.
O
PCP (irmão gémeo do MPLA) demarcou-se totalmente desta iniciativa do Bloco de
Esquerda, apresentando uma declaração de voto na qual se advertia que outras
forças políticas “não poderão contar” com os comunistas “para operações de
desestabilização de Angola”. E quem diz em Angola diz, por exemplo, na Coreia
do Norte.
“Reiterando
a defesa e a garantia das liberdades e direitos dos cidadãos, cabe às
autoridades judiciais angolanas o tratamento de processos que recaiam no seu
âmbito, de acordo com a ordem jurídico-constitucional, não devendo a Assembleia
da República interferir sobre o desenrolar dos mesmos, prejudicando as relações
de amizade e cooperação entre o povo português e o povo angolano”, lê-se na
declaração de voto apresentada pela bancada ortodoxa, marxista, leninista,
acéfala e canina do PCP.
Por
outro lado, com a abstenção do PSD e do CDS-PP, a Assembleia da República
aprovou um voto apresentado pelo Bloco de Esquerda de condenação pela morte de
três activistas curdas e feministas Sêvê Demir, Pakize Nayir e Fatma Uyar na
sequência de uma operação militar turca.
“A
Assembleia da República expressa o seu mais profundo pesar por este triste
acontecimento e presta homenagem às vítimas, suas famílias e ao povo curdo e
repudia todos os atentados contra a liberdade e os direitos humanos na Turquia,
como em qualquer outro país do mundo”, lê-se no voto aprovado pelo Parlamento.
Para
além de pôr de joelhos e de mão estendida políticos como José Sócrates, Passos
Coelho, Paulo Portas, Jerónimo de Sousa e Cavaco Silva, José Eduardo dos Santos
juntou agora ao seu séquito e de forma oficial o primeiro-ministro António
Costa. De forma oficiosa, por enquanto, também lá está Marcelo de Rebelo de
Sousa.
O
processo português de bajulação do dono de Angola começou, de facto, há muito
tempo. Recorde-se, por exemplo, que o presidente da Assembleia da República de
Portugal, Jaime Gama, elogiou no dia 17 de Dezembro de 2007, em Luanda, a
política externa angolana e deu os “parabéns” ao país pela “ambição” de um
papel cada vez maior no continente africano e no Atlântico Sul.
“Um
país com estas capacidades, aliando o seu potencial económico à sua diplomacia
criativa e à capacidade militar, tem que ter uma ambição regional. Parabéns
Angola por ter uma ambição regional!”, felicitou o socialista Jaime Gama num
discurso aplaudido e que, mais coisa menos coisa, poderia ter sido feito por um
qualquer deputado da maioria, ou seja do MPLA.
O
discurso apologético de Jaime Gama poderia, igualmente, ter sido feito por
qualquer um dos actuais palhaços que estão na ribalta dos areópagos políticos,
partidários e parlamentares de Portugal. A única excepção é mesmo o Bloco de
Esquerda.
Com
todo este suporte bajulador, Eduardo dos Santos continua a encher o peito e a
garantir que os angolanos não vão deixar que “os mentirosos, os demagogos e os
caluniadores cheguem ao poder”.
“Aqueles
que teimam em fomentar agitação, instabilidade e negar o que toda a gente tem
diante dos olhos terão a devida resposta nas urnas”, avisou José Eduardo dos
Santos. E se não for nas urnas eleitorais será nas urnas funerárias.
Também
o mediático sipaio do regime, general Bento dos Santos Kangamba, sobrinho do
presidente vitalício da reipública, disse que “as pessoas são as mesmas,
tirando duas figurinhas bonitinhas que estão a aparecer aí no Bloco de
Esquerda. Mas as pessoas que foram contra Angola são as mesmas [agora]. Eles
acham que Angola até hoje é escravo, que nós somos escravos de Portugal (…) não
podemos ser ouvidos e que Portugal é que manda, que Portugal é que diz e que
Portugal é que faz. Os portugueses têm que saber que Angola é um Estado
soberano”.
Mas,
afinal, quem são os mentirosos, demagogos e caluniadores? De uma forma geral
são todos aqueles que não alinham no MPLA. São, por isso, todos aqueles que
dizem que em Angola todos os dias, a todas as horas, a todos os minutos há
angolanos que morrem de barriga vazia, que 70% da população passa fome, que 45%
das crianças angolanas sofrem de má nutrição crónica, e que uma em cada quatro
(25%) morre antes de atingir os cinco anos ou que – como revelou a
Transparência Internacional – Angola está agora entre os seis países
considerados mais corruptos, num total de 167 Estados analisados. Ficou na
posição 163 em ex-aequo com o Sudão do Sul. Atrás ficam apenas o Sudão,
Afeganistão, Coreia do Norte e Somália.
Silêncio
criminoso
Alguém
ouviu Marcelo Rebelo de Sousa ou, antes, Cavaco Silva recordar que 68% da
população angolana é afectada pela pobreza, que a taxa de mortalidade infantil
é a mais alta do mundo, com 250 mortes por cada 1.000 crianças?
Alguém
ouviu António Costa ou, antes, Passos Coelho recordar que apenas 38% da
população angolana tem acesso a água potável e somente 44% dispõe de saneamento
básico?
Antes,
alguém ouviu algum político português (com excepção dos do Bloco de Esquerda)
recordar que apenas um quarto da população angolana tem acesso a serviços de
saúde, que, na maior parte dos casos, são de fraca qualidade?
Alguém
ouviu Jerónimo de Sousa recordar que 12% dos hospitais, 11% dos centros de
saúde e 85% dos postos de saúde existentes no país apresentam problemas ao
nível das instalações, da falta de pessoal e de carência de medicamentos?
Alguém
ouviu Assunção Cristas ou, antes, Paulo Portas dizer que 45% das crianças
angolanas sofrerem de má nutrição crónica, sendo que uma em cada quatro (25%)
morre antes de atingir os cinco anos?
Alguém
ouviu Augusto Santos Silva ou, antes, Rui Machete dizer que, em Angola, a
dependência sócio-económica a favores, privilégios e bens, ou seja, o
cabritismo, é o método utilizado pelo MPLA para amordaçar os angolanos?
Alguém
alguma vez ouviu algum dirigente dos partidos portugueses (fora disto só fica o
BE) dizer que, em Angola, o acesso à boa educação, aos condomínios, ao capital
accionista dos bancos e das seguradoras, aos grandes negócios, às licitações
dos blocos petrolíferos, está limitado a um grupo muito restrito de famílias
ligadas ao regime no poder?
Ninguém
ouviu. Dir-se-á, e até é verdade, que esse silêncio é condição “sine qua non”
para investir no nosso país, até porque todos sabemos que nenhum negócio se faz
sem a devida autorização de sua majestade o rei José Eduardo dos Santos.
Portugal consegue assim não o respeito mas a anuência do regime para as suas
negociatas. Esquece-se, contudo, de algo que mais cedo ou mais tarde lhes vai
sair caro: o regime não é eterno e os angolanos têm memória.
*Folha
8 – Orlando Castro é diretor-adjunto do Folha 8
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