O
general Herzi Halevy, chefe dos serviços de espionagem militar do Estado de
Israel, declarou recentemente, numa conferência em Herzlia, que “não queremos a
derrota do Daesh (ou Isis, ou Estado Islâmico) na Síria”. Os seus “actuais
insucessos colocam Israel numa posição difícil”, lamentou, de acordo com uma
transcrição publicada no jornalMaariv, conotado com a direita política sionista.
A
última coisa de que o general Halevy pode ser acusado é de usar uma linguagem
hermética, hipócrita, ao contrário de tantos dirigentes políticos mundiais, de
Hollande a Obama, de Mogherini a Hillary Clinton, do secretário-geral da NATO
aos autocratas da União Europeia. Ele é directo, fala com clareza, respeitando,
aliás, a prática do seu primeiro-ministro, Benjamin Netanyahu, que se deixa
fotografar em hospitais israelitas visitando terroristas da Frente al-Nusra
(al-Qaida) feridos durante a agressão à Síria soberana.
“Está
fora de questão” que o Daesh “venha a ser derrotado na Síria”, prosseguiu o
general Herzi Halevy, embora sem explicar o que tencionam fazer Israel e os
seus aliados para evitar que os terroristas, ao que se diz combatidos pela
“coligação internacional” onde se juntam os principais parceiros políticos e
militares do exército israelita, sejam sacrificados pelas instituições sírias.
Também não devemos esperar que um militar com tão secretas funções seja um
boquirroto.
As
declarações do chefe da espionagem militar israelita apenas devem ser
consideradas intrigantes num aspecto: de que modo podem ser conjugadas com a
propaganda norte-americana – e a europeia, por arrastamento – à luz da “aliança
indestrutível” entre Israel e os Estados Unidos, na verdade dois países
geminados nos termos dos famosos postulados de Henry Kissinger? O general
Halevy foi factual, mas a sua franqueza confirma ao mundo que o envolvimento
dos Estados Unidos e dos seus aliados da NATO na guerra contra o Daesh, pelo
menos na Síria, não passa de um conto da carochinha para tentar amainar a
revolta da opinião pública perante os atentados terroristas, principalmente na
Europa.
Nas
últimas semanas, a imprensa norte-americana, designadamente oNew York Times,
tem vindo a explicar que o pretenso combate apoiado militarmente pelos Estados
Unidos contra o Daesh sofre de duas condicionantes de vulto: por um lado, tem
de levar em consideração que os terroristas “moderados” sustentados pelo
Pentágono e a NATO combatem quase sempre sob o comando operacional ou do Daesh
ou da al-Qaida, pelo que, nestas circunstâncias, a “coligação internacional”
não pode actuar em pleno, mesmo que queira, o que também ninguém garante; em
segundo lugar, a mesma “coligação” abstém-se de agir contra o seus alegados
inimigos sempre que estes estejam em posições que lhes permitam contribuir para
a derrota do governo sírio, objectivo que parece ser a prioridade comum. De
Washington, das principais capitais europeias e dos meios financeiros e
mafiosos que manipulam a constelação mercenária do terrorismo dito islâmico.
Chegados
a este ponto, as coisas fazem todas sentido e não existe qualquer contradição
entre as declarações do superespião israelita e a prática dos principais
aliados de Israel. Halevy diz o que todos pensam e executam, embora só ele
possa expressar-se sem papas na língua. Israel não tem necessidade alguma de
apregoar o seu empenho no combate ao terrorismo, uma vez que a sua intimidade
com a conspiração e a prática terrorista é histórica, faz parte da essência do
próprio Estado.
Já
os Estados Unidos, tal como a França, o Reino Unido e outros aliados estão
oficialmente do lado do combate ao terrorismo – originalmente a “guerra contra
o terrorismo” de George W. Bush – e, por isso, sentem necessidade de, a cada
passo, disfarçarem as suas evidentes cumplicidades com o Daesh e afins,
tentando não ser vergonhosamente manchados com o sangue dos seus concidadãos
vítimas do terrorismo. O êxito é limitado, mas o terrorismo mediático vai
conseguindo esconder a verdade de grandes sectores da opinião pública.
No
entanto, o que verdadeiramente conta para todos, em primeiro lugar e neste
momento, é derrubar o governo legítimo e soberano da Síria, fazendo esse grande
favor a Israel mesmo que isso signifique entregar o todo ou parte do território
sírio ao Daesh, al-Qaida e parentes. Uma tal estratégia faz gato-sapato da ONU,
do direito internacional e dos direitos humanos, mas quem os leva ainda a sério?
O
general Halevy falou por todos: “A derrota do Isis na Síria está fora de
causa”. Ou seja, destruir a Síria soberana é o objectivo último dos terroristas
e dos que dizem combatê-los
Está
dito e ficamos informados. Melhor do que nunca.
*Mundo
Cão
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