Muito
se falou nos últimos tempos da aplicação de sanções europeias a Portugal por
incumprimento do défice de 2015. Ora, os receios não se confirmaram. Mas nem
por isso Arménio Carlos 'baixa a guarda' quando questionado sobre o assunto.
Até porque, faz sobressair, a situação de mais "desigualdade e
empobrecimento" com que o país se debate é a fatura que a troika deixou
por pagar.
"Mal
de nós se perdêssemos a CGD". As palavras pertencem ao
secretário-geral da CGTP que, à conversa com o Notícias ao Minuto,
'toca nalgumas feridas' com as quais o país se debate, como aquelas que o banco
público tenta curar, por um lado, enaltecendo (re)conquistas recentes, por
outro. Exemplo paradigmático dessas vitórias, enfatiza, é a reposição das
35 horas de trabalho na Função Pública. Aqui está a segunda parte da entrevista
a Arménio Carlos.
As
35 horas de trabalho semanal entraram há pouco tempo em vigor e já se fala em
desigualdade entre funcionários públicos com diferentes tipos de contrato. Não
será mais discriminatório em relação aos trabalhadores do privado?
Não,
isso é uma falsa questão. Os primeiros trabalhadores que tiveram horários
inferiores a 40 horas eram de alguns subsetores e empresas
do setor privado, através da
contratação coletiva (indústria de
vidro, cimenteiras e setor financeiro, por exemplo). Isto
antes de ser implementado o regime de 35 horas na administração pública. Não
estão a dar nada aos trabalhadores, estão a dar algo que eles já tinham.
Relativamente ao setor privado, esta reposição vem-nos dar mais força
para que na contratação coletiva possamos reduzir os horários de
trabalho sem reduzir salários. Se entretanto for possível na Assembleia a
redução para todos os trabalhadores para as 35 horas, melhor ainda.
Acredita
que isso é possível sem se reduzir a produtividade?
Acredito,
por uma razão muito simples: todos os estudos que conhecemos indicam que não é
por se trabalhar mais horas que se produz mais, pelo contrário. A partir de um
determinado número de horas, começa a baixar o nível de produção. Além disso,
menos horas de trabalho são determinantes para motivar e ir ao encontro das
necessidades dos trabalhadores, que ficam com mais tempo para gerir a sua vida.
Encostar
os feriados aos fins de semana poderia ser uma forma de colocar os portugueses
a produzir mais e de aumentar a competitividade das empresas?
Se
dúvidas subsistissem, nos últimos quatro anos provou-se que, ao contrário do
que alguns teimosamente afirmavam, não se melhorou a competitividade
das empresas, a qualidade do emprego ou a economia. Uma questão que releva o
papel da importância da Assembleia da República é que se hoje estivéssemos
a discutir a reposição dos feriados na concertação social, ainda não
tínhamos resolvido problema nenhum. Além disso, a produtividade das empresas
não se assegura por mais horas de trabalho, mas pela modernização tecnológica
das empresas.
Nós não
somos favoráveis a que se associem feriados aos fins de semana, porque cada
feriado tem um sentido político, cultural ou religioso. É preciso respeitar as
pessoas que têm esses sentimentos e se reconhecem naquele feriado. Por outro
lado, daria azo a que, daqui a alguns anos, muitos empresários achassem que
tínhamos muitos fins de semana prolongados.
É
viável voltar a injetar dinheiro na Caixa Geral de Depósitos tendo em
conta o défice do país?
Eu
creio que é fundamental o país ter um banco público com a pujança necessária
não só para ter outro tipo de gestão como para responder às necessidades das
populações. Mal de nós se perdêssemos a CGD. Então é que ficávamos
completamente dependentes de uma série de gurus da alta finança
que veem em tudo uma oportunidade de negócio. Está em causa muito
dinheiro, mas é um investimento que se faz num bem público que importa depois
rentabilizar ao serviço da população. Mas não se pode questionar este
investimento sem abordar o dinheiro do erário público que foi desviado
para recapitalizar bancos privados que entraram na falência (BPN,
Novo Banco e Banif). E há ainda os processos decorrentes de concessão de
créditos que ainda hoje estão por explicar.
Como
é que se justifica aos portugueses que, com um buraco deste tamanho, o Governo
tenha descongelado o salário dos gestores da CGD?
O
argumento que foi invocado pelo ministro das Finanças é que era uma exigência
do Banco Central Europeu (BCE). E sobre esta exigência só temos a relembrar que
o mesmo BCE que nos últimos anos andou a exigir que se cortasse nos
salários e não se aumentasse o salário mínimo nacional é o mesmo banco que tem
uma atitude diferente para os gestores da CGD. Não estamos de acordo nem
com o alargamento da administração e muito menos com este alargamento dos
vencimentos dos gestores. Há dois pesos e duas medidas. Se há dinheiro para os
gestores, tem de haver para os restantes trabalhadores. Isso nós vamos exigir.
Depois
de todos os esforços de consolidação feitos pelos portugueses, como acompanhou
o processo das sanções europeias?
Não
devíamos ser sancionados, devíamos ser indemnizados pelas políticas que a
troika nos impôs e que deixaram o país nesta situação de mais desigualdade e
empobrecimento.
Pode
ler a primeira parte desta entrevista aqui.
Goreti
Pera – Notícias ao Minuto – Foto Global Imagens
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