Francesa
sobre racismo no Brasil
Alexandra
Loras é jornalista e ex-consulesa francesa em São Paulo. O racismo brasileiro
fez com que ela optasse por viver no Brasil e aí combatê-lo.
Provavelmente por
ser francesa tem ganho espaço na grande mídia brasileira (Folha, Veja, Globo,
etc).
Em entrevista à versão brasileira do Huffington Post questiona narrativas
sobre o racismo, diz acreditar que uma pessoa pode deixar de ser racista, vê
inferiorização subjacente na teoria da África como berço da humanidade e
considera o Brasil como o país mais racista do mundo.
Alberto Castro*, Londres
Alexandra
Loras: 'É preciso educar racistas com empatia e paixão'
Alexandra
Loras nasceu na periferia de Paris. Filha de mãe francesa e pai gambiano, é a
única negra entre cinco irmãos. Descobriu que tinha a cor da pele diferente das
pessoas ao redor ainda no jardim de infância, quando uma amiguinha boa de
desenho fez um retrato seu usando apenas lápis marrom. Levou um susto.
A
surpresa inicial com a diferença se tornou agressividade à medida que crescia
sendo rejeitada pelos meninos na escola. Na época, não entendia a influência do racismo em
seu dia a dia. Articulada, teve diferentes empregos no final da adolescência.
Foi babá na Alemanha, nos EUA e na Inglaterra, além de webdesigner e professora
de francês.
Nessa
trajetória de exceções, Alexandra foi também a única entre os irmãos a estudar
na prestigiada IEP (L’École Livre de Sciences Politiques), de Paris,
instituição onde se forma a elite política da França. Após se graduar em
jornalismo, chegou a ser apresentadora de TV. Nesse meio tempo, conheceu e se
casou com Damien, diplomata de família aristocrática.
Mudou-se
para São Paulo em 2012 quando o marido tornou-se cônsul francês no Brasil.
Atenta às questões raciais desde os tempos de solteira, a então consulesa se
deu conta de que por aqui o peso do racismo era maior do que em qualquer outro
lugar que havia pisado.
Passou
então a atuar como ativista no País, propondo a líderes empresariais discussões
sobre diversidade dentro das corporações. Em setembro, Damien Loras deixou o
cargo, mas a família decidiu ficar, para que Alexandra possa seguir com seus
projetos de luta contra a discriminação racial por aqui.
Um
curso de pós-graduação e um livro sobre os grandes personalidades negras da
história mundial estão entre as próximas realizações da ativista que também é
fundadora do Fórum Protagonismo Feminino.
Dias
antes de deixar a residência consular da França em São Paulo, Alexandra recebeu
o HuffPost Brasil para um bate-papo sobre identidade negra e o racismo no
Brasil. Em pouco mais de uma hora de conversa, a ativista oferece dados,
concatena raciocínios e insights que acabam provando por A mais B seu ponto de
vista — o de que o Brasil é um país extremamente racista, distante da
famigerada ideia de democracia racial. Os principais pontos desta conversa estão
elencados a seguir:
Ativismo
no Brasil
Fiquei
um bom tempo na sombra de Damien acompanhando o acompanhando em eventos. Fui,
inclusive, presidente das consulesas de São Paulo. Até que um dia ele me
perguntou: “Por que você não vai trabalhar?”. Eu já havia passado os dois
primeiros anos do Rafael [filho do casal, hoje com 5 anos] junto com ele em
casa, então decidi me mover. Professoras e diretoras de escolas públicas me
chamavam, dizendo: “Você poderia vir fazer uma visita às nossas crianças?
Porque eles não têm uma referência de pessoas negras na elite”. Fiquei
empolgada com as propostas, mas ao mesmo tempo não queria ir até eles apenas
para tirar selfies e fazer como a Lady Di: “Ah, sou muito bem-sucedida.
Tadinhos deles, vamos posar para uma foto”. Queria mostrar para essas crianças
o que me ajudou a resgatar a autoestima. E isso é um trabalho diário, porque
você está aqui falando comigo sobre essas coisas e as lágrimas já começam a
aparecer. Comecei então a fazer palestras. A primeira foi horrível. Falei sobre
os zoológicos humanos, sobre escravidão e percebi aqueles jovens se fechando.
Eu precisava sair daquele caos. Comecei então a falar sobre as grandes figuras
negras: o inventor da geladeira, do marca-passo, da antena parabólica, falei de
Teodoro Sampaio, André Rebouças e Machado de Assis. E aí vi uma luz brilhando
nos olhos deles. Ao final, abracei todos e muitas crianças choravam. Foi uma
coisa muito visceral. Naquela ocasião caiu minha ficha: “Achei minha missão”.
Durante 20 anos, eu passei pedindo para o universo, para Deus, que me ajudasse
a achar minha missão. Eu fui web designer, jornalista, professora de francês,
fui babá na Alemanha, na Inglaterra, nos EUA, em um sistema que me permitia
viajar gratuitamente e aprender outros idiomas. Fiz muitas coisas. Fiz sete
anos de TV e não gostei do meu trabalho um dia sequer. Hoje eu entendo por que
tive que passar por todas essas etapas: para ser boa no que estou fazendo hoje.
Invisível
na residência consular
Quando
os jornalistas se interessaram por mim, uma consulesa da França, negra, os
assuntos abordados eram glamour, moda, vinho, champanhe, vinho, gastronomia
francesa e coisas do tipo. Mas sempre consegui colocar questões de militância
nas conversas. Compartilhava com eles uma das coisas que mais me deixavam
chocada. Durantes os eventos na residência consular, o protocolo pede que a
consulesa fique na porta recepcionando os convidados. Cerca de 6 mil pessoas
passam por ano pela casa consular. E em muitas vezes eu era ignorada por
brasileiros, que passavam na minha frente, sem me cumprimentar, achando que eu
era funcionária da casa. Ou falavam: “Moça, onde eu posso colocar esse
casaco?”. Isso era violento, paralisante, mas o que eu podia fazer? Eu era a
anfitriã, então tinha que ficar feliz, agradável, leve. Mas isso machuca a
gente. Porque sou um ser humano igual a você.
Racismo
nada velado
O
racismo é muito mais forte no Brasil do que em qualquer lugar por onde passei.
Aqui nós não somos minoria. Pelo contrário, somos uma maioria. Então o problema
é muito mais grave. Em outros lugares do mundo a questão racial pode ser
tratada com descaso, por estar relacionada a uma pequena parte da população.
Mas aqui é totalmente diferente. Há quem diga que o racismo no Brasil é velado.
Não é velado de jeito nenhum. Estamos num País que ainda está numa dinâmica de
feudalismo que, inclusive, choca os gringos. Uma dinâmica de ricos e pobres, em
que os mais abastados são servidos pelos mais pobres, sem ninguém questionar.
Aliás, ninguém questiona o uniforme branco das babás por aqui, que nada tem a
ver com higiene. Tem a ver, sim, com o período da escravidão, quando as
mulheres escravizadas trabalhavam na casa-grande. Elas tinham que se apresentar
sempre de branco, limpinhas, para se diferenciar dos negros escravizados que
trabalhavam no campo. Esse uniforme já era uma questão de status. Em nenhum
outro país as babás estão vestidas de branco, só no Brasil.
Onde
está a Beyoncé brasileira?
O
que as pessoas têm que se atentar é que em 1830 cerca de 88% da população do
Brasil era formado por negros. Houve então um planejamento para embranquecer a
nação, pois os governantes tinham medo da formação de um país, grande e forte,
por uma população negra que poderia se rebelar e aplicar algum tipo de
retaliação no futuro. E funcionou muito bem. Essa ideia de que somos um povo
miscigenado é resultado da prática de um bom plano. Quando falo que o racismo é
mais forte no Brasil é porque aqui vejo a maioria dos negros com baixa
autoestima, o que não se vê nos EUA ou na Inglaterra, por exemplo. Nos EUA, até
os anos 60 não podíamos entrar nos mesmos lugares que pessoas brancas. Não
podíamos entrar nos mesmos banheiros e restaurantes. Sentar nos mesmos assentos
no ônibus. E nos últimos 50 anos de cotas raciais, temos o Barack Obama na
presidência; Ursula Burns, CEO da Xerox; Spike Lee, Beyoncé. Então eu pergunto:
onde está a Beyoncé brasileira? Onde está o Spike Lee brasileiro? Onde está o
candidato negro a presidência do Brasil? Bom, aqui temos a Marina Silva, mas
ela não levanta essa bandeira. Eu não sei nem se ela se considera negra. E essa
é outra questão a ser discutida. Existem tantos negros com o mesmo tom de pele
que o meu que não se consideram negros, por acharem essa uma condição ruim. E
tem também a questão do cabelo crespo. Em nenhum outro país eu ouvi coisas como
"cabelo ruim" ou "cabelo duro". Isso é muito forte aqui. E
são adjetivos reproduzidos pelos próprios negros aqui.
África,
berço da humanidade
A
ideia de que a África é o berço da humanidade é também uma forma de nos
inferiorizar. Quando se fala que todos são descendentes da África, querem dizer
basicamente que a ordem de evolução é: o macaco, o negro africano e os povos
civilizados. Eu gosto de questionar essas teorias. Porque se você olhar a
eugenia, era considerada uma ciência exata à época e se falava: "O ariano,
loiro, é um ser humano superior a todas as outras raças". E muitos
cientistas aprovavam essa teoria. Até ela ser usada pelos nazistas, ela era
tida uma ciência exata. Imagine agora se ele não tivesse sido usada pelos
nazistas. Como seria? Mas ainda vivemos resquícios desse cenário. Hoje, no
mundo, existem apenas 2% de pessoas originalmente loiras. E por que mulheres
escolhem pintar o cabelo de loiro? Porque traz privilégios, traz uma narrativa
de superioridade.
Educar
pelo bem da diversidade
Por
que não vemos uma família de pessoas negras promovendo um comercial de
margarina? Pasta de dente? Fraldas? Quer dizer que não usamos nenhum desses
produtos? Por que nunca se viu um negro historicamente nas campanhas de
marketing brasileiras? Isso pra mim é um racismo violento. Porque se fala do
Brasil lá fora como uma democracia racial, uma grande miscigenação, com tudo
resolvido. Quando cheguei aqui pensei que veria 50% de negros protagonistas nas
novelas, em cargos de liderança, nas empresas, nos desenhos animados. E não
estão. E fiquei chocada, porque no Brasil as mulheres saem mais diplomadas que
os homens das universidades. E por que apenas 6% das mulheres ocupam postos
executivos nas empresas? Porque o ser humano vai sempre favorecer uma pessoa que
se parece com ele. Então, um homem branco vai sempre favorecer outro homem
branco. Se não educarmos as pessoas para enxergarem o negro como igual, a
mulher como igual, a pessoa com deficiência física como igual, vamos ficar
estagnados nessa condição de poucos com privilégios.
O
estereótipo do negro pobre
Acho
interessante a gente parar para pensar no quanto o negro é anulado na sociedade
brasileira. Não precisa existir uma placa "Só para brancos" no
shopping Iguatemi para ele não ir almoçar lá. E não é por uma questão
financeira também. Os negros consomem 1 trilhão e meio de reais por ano no
Brasil. Aqui não existem só negros pobres, o estereótipo da empregada que mora
na favela. Estudos recentes mostram que 1% dos brasileiros detêm 60% da riqueza
do País. Desse total, 7% são negros. Quando li isso perguntei: onde eles estão?
Talentos
desperdiçados
Eu
participei de um treinamento de dois dias no YouTube para melhorar a
performance do meu canal e das minhas rede sociais. Lá eu conheci uma
quantidade enorme de formadores de opinião negros. E fiquei chocada. São tantas
pessoas super hypes, super trends, bons de comunicação. E percebi que ninguém
está falando deles. Existem vários youtubers negros com milhares de seguidores
e ninguém está falando deles. Para mim, esse é o futuro da comunicação. E me
aproximei para trabalhar a questão da autoestima deles, quero que eles aceitem
patrocínio de marcas pelo trabalho que têm feito. Porque os youtubers brancos
cobram, e cobram caro pelo que produzem. Vejo que o Brasil está se privando
desses talentos, só enxergando os negros como coitadinhos, pobres e favelados.
O carnaval, por exemplo. A produção do carnaval sai na hora. É super
bem-organizada, tudo é impecável, dá certo. É uma das maiores festas do mundo.
E quem são as pessoas por trás do carnaval? São os negros e pobres, que não
acredito que são carentes. A questão é que muitos talentos não foram explorados
para se destacar. Não precisamos daquela mulher apertando o botão no elevador.
Tampouco daquela pessoa para colocar gasolina no carro. Em que país você vê
esse tipo de emprego de pessoas? Só no Brasil, país que é a 9ª maior economia
do mundo. Não dá mais para ter 80% da população ganhando R$ 3 mil reais por
casa. Não dá mais. Vamos ter que mudar a quantidade pela qualidade. E deixar
esse povo ter dignidade econômica para também poder consumir.
Brancos
escravizados
É
preciso lembrar que o branco também foi escravizado, mas toda a narrativa foi
construída de outra forma. Porque houve o feudalismo. Os castelos da França,
por exemplo, não foram construídos de acordo com normas trabalhistas, com 35
horas semanais, final de semana de descanso. O branco foi escravizado, mas a
sua narrativa não conta isso. O que contam é que sempre tiveram dignidade,
sempre foram poderosos. Ao observar toda essa construção narrativa dos livros
vejo que podemos contar o que queremos. Quem vai lá verificar?
"Conversão
de racistas"
Acredito
que uma pessoa pode deixar de ser racista. Eu já "converti" várias. É
preciso educar com empatia e paixão. E aqui no Brasil isso também é
particularmente possível por conta da formação acadêmica diferente da europeia.
Aqui vocês estão muito mais ligados ao corpo e à conexão humana. Então, ter
empatia é muito mais fácil do que na Europa. Lá, nós não sentimos nada no
corpo. O corpo é feito para segurar as cabeças cheias de informação.
Desenvolvemos muito as qualidades mentais, deixando o corpo em segundo plano.
Quando vocês beijam ou abraçam alguém estão automaticamente filtrando a energia
dessa pessoa, verificando se ela está bem. Vocês nem se dão conta do valor
disso nas relações humanas.
Amauri Terto – Huffpost
Brasil
4 comentários:
O Brasil é um país tão racista, mas tão racista, que teve como primeiro presidente da república um mulato filho de escravos alforriados, que aliás foi marechal do exército. Simples assim.
Aliás, basta ver as lideranças dos partidos esquerdistas brasileiros, ONDE PREDOMINAM BRANCOS, para se concluir que isso só pode ser verdade, não é?
E suspeito que artigos como este predominarão, ainda mais após o Lula ir para a cadeia em Curitiba.
Concordo plenamente com a ilustre consulesa. Basta fazer um teste de pescoço em universidades, colégios particulares, shoppings, empresas publicas e privadas, principais mídias, governos federal e estaduais, ver quem são os favelados e quem são os privilegiados do asfalto, visitar prisões, olhar quem são as maiores vítimas da violência policial para se chegar a essa triste conclusão.
Em resposta ao Anônimo direi que, pelo que sei, não me consta que o marechal Deodoro da Fonseca que foi o primeiro presidente do Brasil seja filho de escravizados. Nilo Peçanha, mulato embranquecido, esse sim, foi presidente. Mas será que ele se via a si mesmo como mulato/negro? Por outro lado, lideranças de partidos políticos brasileiros tanto da esquerda quanto da direita são totalmente brancas, representantes da Casa Grande. Artigos como esse, que nos chocam e envergonham, nada tem a ver com o fato do meu homônimo poder ser levado para passar férias vendo o sol aos quadradinhos em Curitiba. Espero que não se esqueçam de levar também, os Serras, Aécios, Temer, Sarneys, Renans, Alckmins, etc, para todos juntos curtirem merecidas férias.
Deodoro era filho de forros, basta pesquisar, mas quem sempre se orgulhou de ter se tornado presidente sem ter feito faculdade, sem dúvida deve desconhecer essa questão.
Quanto a questão da lideranças de partidos políticos brasileiros serem predominantemente brancas, isso se deve a um fato muito simples: a "maioria negra" no Brasil só existe na realidade paralela dos politicamente corretos, ou alguém aqui acredita que, se essa suposta maioria negra existisse, ela não seria refletida na formação do Congresso Nacional? Aliás, quem quer tirar a dúvida, pois que entre num vagão de metrô lotado em São Paulo, a maior cidade brasileira. Passeie pela estação da Sé ou pela gigantesca rodoviária do Tietê, e veja a predominância luso-brasileira na aparência do povo.
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