Isabel
Moreira – Expresso, opinião
A
forma como decorreu a eleição de António Guterres para o cargo de SG da ONU não
pode deixar de merecer uma dupla reflexão.
Em
primeiro lugar, se sabemos que a ONU não é uma organização de iguais, sabemos
que nesta eleição em particular foi assumido um compromisso de transparência
traduzido no processo a que todos pudemos assistir: aberto, com debates e
sucessivas votações. Se Ivanova Kristalina tivesse posto em causa a eleição de
António Guterres, a tentativa de credibilização da ONU cairia por terra num buraco
fundo e a causa da igualdade de género seria manchada pela eleição manipulada
de uma mulher. A eleição de António Guterres credibiliza a ONU, que resistiu a
manobras pouco recomendáveis e abre as portas para uma liderança que, entre
outros fatores positivos, pode colocar no topo da agenda a matéria relativa aos
refugiados.
Em
segundo lugar, a vitória de António Guterres como que grita em voz alta a
vergonhosa prestação da comissão europeia e da Alemanha. O mundo não é a europa
e impressiona recolher pontos de vista de observadores deste processo de países
não europeus. A estupefação é a norma.
Numa
UE a braços com o Brexit, com o drama mal gerido dos migrantes, com o referendo
xenófobo da Hungria, com a crise económica e social em que muitos dos seus países
estão mergulhados, encontramos o esplendor da direita na atitude de Merkel, que
se prontificou a apoiar a candidatura imoral de Ivanova Kristalina.
A
atitude de Merkel está em linha com a da comissão europeia, da qual Ivanova
Kristalina é comissária, que teve por eticamente esplêndido conceder uma
licença sem vencimento à candidata de última hora. Assim, sem tapar a cara de
vergonha.
Enquanto
uns se candidatam desde o início do processo ao cargo de SG da ONU prestando
provas e sujeitando-se a sucessivas votações, outros, neste caso a senhora
Kristalina, têm, pelos vistos, a possibilidade do respaldo de uma comissão
europeia que guarda o emprego de quem queira fazer batota.
A
vitória de António Guterres é a vitória dele, em primeiro lugar, do seu mérito posto
à prova de acordo com o procedimento anunciado e concluído de forma
transparente.
A
vitória de António Guterres é a derrota de uma certa direita europeia, de um
conceito de diplomacia europeia que nos envergonha e no qual não nos podemos
reconhecer e dos que se têm alinhado, em todos os dramas que enfrentamos, no
lado desnorteado da história.
É
cristalino.
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