Manuel
Carvalho da Silva* - Jornal de Notícias, opinião
Não
é possível Portugal desenvolver-se continuando com uma elevada taxa de
desemprego e sem condições para melhorar significativamente o investimento
público. Uma análise objetiva destes dois grandes problemas mostra-nos o cerne
dos perigosos aprisionamentos em que está metido este país. E, desafia-nos à
construção de uma dinâmica social bem mais ofensiva que a observada nos últimos
anos.
Para
a Direita e para Bruxelas, o desemprego resolve-se eliminando direitos no
trabalho, precarizando, renegando o objetivo do pleno emprego e
responsabilizando as pessoas pela sua "empregabilidade", fazendo
desaparecer a contratação coletiva, desvalorizando o salário mínimo nacional,
cortando nos salários. Ora, essas políticas empobrecem e provocam exclusão social,
acentuam desigualdades, desqualificam as pessoas, geram doenças e conflitos,
afastam a modernização da economia e a utilização dos conhecimentos e das
tecnologias, diminuem a capacidade de produzir riqueza. Ao mesmo tempo, a
pressão para a emigração faz desaparecer do país muitos dos portugueses mais
qualificados e mais jovens. O uso e abuso das chamadas políticas ativas de
emprego - prática levada ao extremo com o Governo da Direita -, em grande parte
dos casos, apenas escondem desemprego; mas alimenta abusos de patrões que não
sabem viver sem parasitar desempregados, trabalhadores em absoluto estado de
necessidade e o Orçamento do Estado (OE).
Sejamos
claros: se Portugal mantiver uma elevada taxa de desemprego por 15 ou 20 anos,
como em certos meios já se admite, não existe qualquer possibilidade de a
sociedade portuguesa se desenvolver. Teremos um definhamento contínuo.
Entretanto, se a cura assentar na cartilha atrás enunciada, teremos retrocesso
acelerado do nosso patamar de desenvolvimento.
Quanto
ao investimento público, os aprisionamentos também são muito fortes. Mandam-nos
cortar na "despesa", mas já se tornou bem claro que os cortes na
saúde, no ensino, na justiça, na proteção social, na estrutura de grande parte
dos serviços da Administração Pública, nos criam graves problemas e muito
sofrimento no presente e para o futuro. A União Europeia teima em impor regras
de tratados injustos e decisões não democráticas do Eurogrupo. Não tem em conta
as condições específicas dos países. De forma mentirosa, montaram a tese de que
a crise resultou da divergência dos custos salariais na Zona Euro, e prosseguem
na imposição de políticas que vão transferindo riqueza das esmagadoras maiorias
das populações para os muito ricos, e dos países em dificuldades para os poderosos.
Ostensivamente ignoram os bloqueios e contradições em que assenta o sistema da
moeda única a que estamos sujeitos. Como é possível encontrar folga para
incremento do investimento público se os muito ricos não querem pagar impostos
de acordo com a sua riqueza, e se não há abertura para renegociação das
dívidas?
Sempre,
mas em particular no contexto em que estamos e se perspetiva à escala europeia
e global, o relançamento do investimento público é imprescindível. Dificilmente
surgirá significativo investimento privado sem essa alavanca.
Estamos
em plena discussão do Orçamento do Estado para 2017 e os grandes meios de
Comunicação Social centram o debate em possíveis desavenças entre os partidos
que dão apoio parlamentar ao Governo. Não se mobilizam para discutir o que é
fundamental para os portugueses, expondo o profundo conflito de interesses que
nos está tolhendo. O presidente da Republica ressuscitou a tese da
"realidade" que se opõe à ideologia, como se fosse possível definir
qualquer realidade sem quadros de valores claros, sem ideologia.
O
Governo e os partidos que lhe dão apoio parlamentar não vão, por certo, quebrar
compromissos em resultado dos esforços a fazer para sintonizar o fundamental do
que tem de ser inscrito no OE. O seu grande desafio, com estratégias próprias,
é preparar e encetar debate que pegue a sério a resolução dos grandes bloqueios
que enfrentamos e a mobilização da sociedade no seu todo. Discutindo com
frontalidade a formação, a distribuição e redistribuição da riqueza.
*Investigador e professor universitário
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