Manuel
Carvalho da Silva* - Jornal de Notícias, opinião
Realiza-se
na próxima quinta-feira, na Universidade de Coimbra, um evento inédito na
Europa: a primeira sessão plenária da simulação da Conferência Internacional do
Trabalho (CIT), - o órgão deliberativo da Organização Internacional do Trabalho
(OIT) - feita por estudantes desta universidade, que assumirão o
"papel" de representantes dos trabalhadores, empregadores e governos,
conforme o modelo tripartido da OIT. Esta sessão contará com a presença de Guy
Ryder, diretor-geral da OIT, que lhes apresentará o tema "O futuro do
trabalho", em torno do qual a OIT prepara a celebração dos seus 100 anos
em 2019. Os mais de 350 jovens envolvidos vão, por um lado, simular a prática
institucional de uma das mais importantes organizações internacionais e, por
outro, participar no debate substantivo do futuro do trabalho.
O
futuro do trabalho enfrenta diversos desafios que podem fazer perigar os
princípios fundadores, os objetivos e a agenda da OIT para um trabalho decente,
ou seja, para trabalho com direitos, com efetiva proteção social e sem
discriminações de idade, etnia, género ou credo. A conferência trabalhará
quatro importantes subtemas: a macrorregulação económica, as desigualdades no
trabalho e no emprego, o futuro das relações laborais e os impactos das mudanças
tecnológicas. É sobre este último que hoje me debruço.
Num
panorama desolador de centenas de milhões de desempregados, vagas sucessivas de
mudança tecnológica e de automação, despidas de enquadramento social,
constituem um dos principais desafios que se colocam hoje um pouco por todo o
Mundo. A emergência da erradamente intitulada "economia colaborativa"
é anunciada como um admirável Mundo novo, onde através de plataformas digitais
descarregadas nos nossos telemóveis teríamos um novo modelo de oferta de trabalho,
flexível, à medida das necessidades e da "autonomia" de cada
trabalhador, com eventuais vantagens para os consumidores. Se hoje os exemplos
mais notórios são os transportes, como acontece com a Uber ou a Cabify, existem
já inúmeras aplicações que alargam este modelo a novos serviços e atividades e
a trabalhos no domicílio, alguns de enorme responsabilidade para quem o
executa. Quem atribui trabalho surge dispensado da responsabilidade de
empregador.
À
boleia de um deslumbramento tecnológico, que o discurso político utiliza
amiúde, são impostas políticas que nada trazem em termos de ganhos da
produtividade. O trabalhador, apresentado como empreendedor independente fica,
de facto, nas mãos dos apetites de plataformas monopolistas, vendendo o seu
trabalho na estrita medida das "tarefas" que surgem e colocado em
concorrência selvagem com os seus companheiros de trabalho. Mais do que um
futuro promissor, assistimos a um real regresso ao passado, ao trabalho à jorna
ou à peça. Sem direitos coletivos (que ancoram os individuais), sem
possibilidade de qualquer negociação séria.
A
reposição do direito à negociação coletiva, a salários e pensões mais justos e
a direitos sociais fundamentais, significa somente o regresso à democracia e ao
progresso. Relações laborais assentes em poder avassalador e unilateral dos
grandes grupos económicos, novas formas de organização e prestação do trabalho
inseridas numa desregulação selvagem, constituem o regresso à vergonha
civilizacional das praças de jorna, agora deslocadas para o telemóvel na mão de
cada candidato a trabalho. Já não há trabalho, mas "atividades" e o
emprego surge como conceito renegado.
Em
vários países, designadamente nos EUA e em Inglaterra, surgem lutas laborais
que abrem novos horizontes e desmistificam este "futuro" que os
poderes dominantes nos querem impor. Não podemos esperar pela reinvenção destas
plataformas digitais para encetar um processo de revitalização da regulação. Os
direitos laborais têm de estar garantidos à partida, em qualquer processo de
organização da economia e do trabalho. A tecnologia só serve o progresso humano
se organizada de forma a servir-nos a todos e não apenas a alguns. Esta é uma
lição da história que necessitamos de valorizar para as gerações que agora
chegam ao mercado de trabalho.
*Investigador e professor universitário
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