A
independência foi há 41 anos. O Presidente de Angola, José Eduardo dos Santos,
está no poder há 37 anos. Nunca foi nominalmente eleito. Angola é hoje um dos
países mais corruptos do mundo. Angola é hoje o país do mundo com o maior
índice de mortalidade infantil.
Orlando
Castro – Folha 8
Apesar
disto tudo, José Eduardo dos Santos defende, com toda a propriedade e
legitimidade que se lhe reconhece, que “não pode ser tolerado o ressurgimento
dos golpes de estado em África”.
Tem
toda a razão. Aliás, a democraticidade do seu regime e a legitimidade do seu
mandato são prova disso. Como bem estabelecem os donos do mundo, há ditadores
bons e maus. Daí que só os maus devam ser derrubados. Não é, obviamente e por
enquanto, o caso de Angola.
De
acordo como Presidente angolano, o continente necessita de exemplos concretos
que confirmem que África pretende “virar firmemente uma página do passado de
uma história em comum”, marcado pela existência de “governos autoritários ou
autocráticos, para dar lugar a sociedades e instituições democráticas”.
Ver
Eduardo dos Santos fazer a apologia da democracia e condenar os governos
autoritários é digno de registo… na enciclopédia das melhores anedotas
mundiais. É, aliás, uma das suas especialidades.
Em
9 de Maio de 2008 já o chefe de Estado angolano, presidente do Movimento
Popular de Libertação de Angola (MPLA) e Titular do Poder Executivo, lançava um
desafio para combater a corrupção e o tráfico de influências, que “atentam
contra os interesses nacionais”.
E
os resultados foram de tal modo eficazes que Angola continua nos primeiros
lugares do ranking mundial dos países mais corruptos.
Afinal,
estando Eduardo dos Santos na Presidência da República há uma porrada de anos,
estando Eduardo dos Santos há uma porrada de anos a chefiar o MPLA, estando o
MPLA há uma porrada de anos no Governo, o que terão andado a fazer desde 11 de
Novembro de 1975?
Andaram,
com certeza, a garantir a liberdade de imprensa e de expressão e um bom
funcionamento do sistema de justiça, que são “condições essenciais para o
aprofundamento da democracia”.
O
chefe de Estado angolano sublinha que estes desafios “não são promessas
demagógicas porque são fundamentadas por um estudo elaborado por técnicos
competentes sobre a realidade nacional, que teve em conta as necessidades do
povo e os recursos da nação”.
A
Educação é também uma prioridade, apontando o chefe de Estado para a criação de
uma unidade de ensino superior ou médio em cada uma das 18 províncias
angolanas. Outras das prioridades estabelecidas por José Eduardo dos Santos é a
Saúde, nomeadamente no que diz respeito às mulheres grávidas e às crianças com
menos de cinco anos.
Com
este enquadramento, não se percebe por que é que os angolanos gostam de
atazanar a vida do mais democrático país do mundo e, igualmente, do mais
democrático presidente. É claro que, perante tão injusto e irreal motivo, o
presidente fica chateado e manda prender uns tantos, dar porrada em mais alguns
e fazer desaparecer muitos outros. Estávamos à espera de quê?
As
forças do mal, como diz Marcos Barrica, teimam em dizer que no reino de Eduardo
dos Santos há 70% de pobres. Mas alguém acredita nisso?
Segundo
José Eduardo dos Santos, quando ele nasceu já havia muita pobreza na periferia
das cidades, nos musseques, e no campo, nas áreas rurais. É verdade. E 41 anos
de independência não chagam para resolver esta questão.
De
facto, é difícil pôr o país em ordem, e na ordem, quando andam por cá uns
tantos oportunistas que só pretendem promover a confusão, provocar a subversão
da ordem democrática estabelecida na Constituição da República, e derrubar
governos eleitos, a favor de interesses estrangeiros. É por isso que o
Presidente alerta que “devemos estar atentos e desmascarar os oportunistas, os
intriguistas e os demagogos que querem enganar aqueles que não têm o
conhecimento da verdade”.
Assim,
por manifesta falta de tempo, José Eduardo dos Santos esquece-se que para haver
alternância democrática é preciso que antes exista democracia. Mas isso até não
é importante…
Diz
o Presidente, do alto da sua sábia cátedra que todos veneramos, que pôr os
vivos (e até os mortos) a votar – mesmo que de barriga vazia – é democracia.
“Para
essa gente, revolução quer dizer juntar pessoas e fazer manifestações, mesmo as
não autorizadas, para insultar, denegrir, provocar distúrbios e confusão, com o
propósito de obrigar a polícia a agir e poderem dizer que não há liberdade de
expressão e não há respeito pelos direitos” refere com toda a propriedade o
Presidente.
José
Eduardo dos Santos diz que os opositores querem apenas colocar fantoches no
poder, que obedeçam à vontade de potências estrangeiras que querem voltar a
pilhar as riquezas e fazer o povo voltar à miséria de que se está a libertar
com sacrifício desde 1975.
Segundo
Eduardo dos Santos, no quadro do Programa de Luta contra a Pobreza, se
continuar com esse ritmo de redução, a pobreza deixará de existir dentro de
alguns anos. Tem, mais uma vez, razão. Aliás, se se excluir dos cálculos da
pobreza todos os que são… pobres, pode já anunciar-se o fim da pobreza.
José
Eduardo dos Santos afirma também que apesar de não existir país nenhum no mundo
sem corrupção, o Governo está a fazer esforços para combater este mal. É
verdade. Por isso repomos uma ideia já aqui ventilada: Se a lei não considerar
a corrupção como um crime, o país deixa de ser o local do mundo com mais
corruptos por metro quadrado.
Presidente,
tenha vergonha!
Segundo
o Boletim Oficial do regime de José Eduardo dos Santos, “o Governo reafirma o
seu propósito de materializar o estabelecido nos instrumentos jurídicos,
nacionais e internacionais, aplicáveis à protecção e à promoção dos direitos
inalienáveis da pessoa humana e da criança em particular”.
Como
anedota até não está mal. Mas a questão das nossas crianças não se coaduna com
os histriónicos delírios de um regime esclavagista que as trata como coisas.
Numa
declaração a propósito do Dia Internacional da Criança, o Governo sublinhou
que, na qualidade de signatário da Convenção sobre os Direitos da Criança,
Angola adoptou e incorporou na legislação nacional os princípios estabelecidos
naquele instrumento jurídico internacional, no que diz respeito à garantia da
sobrevivência e ao bem-estar das crianças.
Assinar
convenções, o governo assina. Cumpri-las é que é uma chatice. Por alguma razão,
por cada 1.000 nados vivos morrem em Angola 156,9 crianças até aos cinco anos,
apresentando por isso a mais alta taxa de mortalidade mundial em 2015.
No
documento, o Governo garante que tem adoptado medidas administrativas,
legislativas e de outra natureza, com vista à implementação dos direitos da
Criança universalmente reconhecidos e plasmados na Constituição da República,
sem distinção de sexo, crença religiosa, raça, origem étnica ou social, posição
económica, deficiência física, lugar de nascimento ou qualquer condição da
criança, dos seus pais ou dos seus representantes legais.
Muito
gosta o regime de gozar com a nossa chipala, fazendo de todos nós um bando de
malfeitores matumbos. Como se não soubéssemos que as nossas crianças são
geradas com fome, nascem com fome e morrem, pouco depois, com fome.
“Angola
registou avanços consideráveis com o estabelecimento de um quadro legal de
referência para a promoção e defesa dos direitos da criança em vários domínios,
designadamente com a adopção da Lei sobre a Protecção e Desenvolvimento
Integral da Criança, que incorpora os princípios da Convenção dos Direitos da
Criança e da Carta Africana e os 11 Compromissos para a Criança, que se
constituem, de facto, no núcleo de uma agenda nacional para a criança
angolana”, lê-se no documento.
Será
por isso que Angola aparece na cauda da tabela da mortalidade infantil mundial
e foi o país com a segunda mais baixa esperança de vida em 2015, segundo a
Organização Mundial de Saúde (OMS).
O
Governo afirma igualmente que a materialização dos Planos de Reconstrução e
Desenvolvimento Nacional, associados às Políticas e Programas de Protecção
Social, têm favorecido a melhoria das condições de vida da população e,
consequentemente, das crianças angolanas.
Será
por isso que a esperança média de vida à nascença em Angola cifrou-se nos 52,4
anos, apenas à frente da Serra Leoa, com 50,1 anos.
Diz
o regime num texto enviado ao Boletim Oficial, que apesar das condições
conjunturais difíceis por que passa a economia nacional e internacional, o
Governo vai continuar a desenvolver esforços significativos para reconstruir os
sistemas e infra-estruturas sociais, para aumentar a oferta, cobertura e
qualidade dos serviços de saúde materno-infantil, para a expansão da educação e
para a implementação dos programas de vacinação, de água potável e saneamento,
a fim de se verificarem progressos substanciais no Índice de Desenvolvimento
Humano.
“Nesta
data especial, o Governo apela a todas as instituições públicas e privadas, às
famílias, às igrejas e à sociedade civil em geral para transmitirem às crianças
valores, informações e normas de comportamento de interesse social e cultural,
no sentido de contribuírem para o desenvolvimento harmonioso da sua
personalidade, das suas aptidões e capacidade mental e física, para que elas
assumam uma vida responsável numa sociedade livre, com espírito de compreensão,
paz, tolerância, igualdade do género e respeito ao meio ambiente”, sublinha o
documento.
No
documento, o Governo salienta que a magnitude das tarefas que ainda tem por
realizar, exige que os direitos das crianças sejam respeitados, protegidos e
valorizados por todos os cidadãos, para que elas possam viver dignamente, com
muito amor e carinho.
“Nunca
nos devemos esquecer que elas serão o nosso futuro”, destaca o Governo no auge
do seu etílico delírio, saudando todas as crianças, augurando que possam viver
saudáveis e felizes e que a breve trecho possam desfrutar de todos os
benefícios de uma protecção integral que garanta a realização plena dos seus
direitos fundamentais.
Presidente,
deixe de ser cobarde!
OPresidente
da República, nunca nominalmente eleito e no poder desde 1979, assume o seu
papel de autocrata e dá lições (aos angolanos) daquilo que desconhece: ética,
democracia, verdade, moral, liberdade etc..
Nas
reuniões do MPLA, Eduardo dos Santos puxa dos galões para, perante uma invariável
plateia subserviente e amorfa, dizer que os angolanos não devem ser expostos a
situações dramáticas idênticas à do 27 de Maio de 1977, onde foi parte activa
no assassinato de milhares e milhares de militantes do MPLA, entre os quais
Nito Alves, supostamente por tentar um golpe de Estado.
“Não
se deve permitir que o povo angolano seja submetido a mais uma situação
dramática, como a que viveu em 27 de Maio de 1977, por causa de um golpe de
Estado”, afirma José Eduardo dos Santos.
Falando,
por exemplo, na abertura da terceira sessão extraordinária do Comité Central do
MPLA, o também presidente do partido, aconselhou os cidadãos interessados a
conquistar o poder para formarem um partido político e concorrem às eleições.
“Quem
quer alcançar a Presidência da República e formar o governo que crie, se não
tiver, um partido político nos termos da Constituição e da Lei, e se candidate
às eleições”, sugeriu o chefe de Estado, acrescentando que “quem escolhe a via
da força para tomar o poder ou usa meios anti-constitucionais, não é democrata.
É tirano ou ditador. Acusaram o MPLA e os seus militantes de intolerantes, mas
a mentira tem pernas curtas, hoje todos sabem onde estão os intolerantes e nem
é preciso dizer os seus nomes”, concluiu José Eduardo dos Santos.
Como
Eduardo dos Santos não é, embora julgue ser, dono da verdade, falemos sempre
que necessário desse 27 de Maio de 1977. E hoje, 11 de Novembro, é um bom dia
para isso.
Os
acontecimentos de 27 de Maio de 1977, que provocaram – repita-se – muitos
milhares de mortos, foram o resultado de um “contra-golpe” que foi
pacientemente planeado, tendo como responsável máximo Agostinho Neto, que temia
perder o poder. Tal como agora acontece com José Eduardo dos Santos que até
vislumbra na sua sombra um golpe de Estado.
Nessa
altura, Nito Alves, então ministro da Administração Interna sob a presidência
de Agostinho Neto, liderou uma manifestação para protestar contra o rumo que o
MPLA estava a tomar. Tal como hoje fazem muitos angolanos descontentes com o
rumo que o MPLA está a dar ao país.
E
isso era inaceitável pelos ortodoxos que, por interesses pessoais, blindavam o
presidente. Exactamente o que hoje se passa. Com o fantasma do Congresso,
previsto para o final desse ano, urgia calar os nitistas pois, se o não
fizessem, poderiam ver os congressistas renderem-se a Nito Alves. Tudo leva a
crer que Neto temia mesmo perder o poder e, por isso, engendrou a tramóia.
Perante
a blindagem que ainda hoje o regime faz ao que se passou, situação que impede
consulta de documentos e que atemoriza muitos dos intervenientes cujo
testemunho é imprescindível para um conhecimento que chegue perto da verdade, a
história do massacre vai continuar com muitos capítulos especulativos mas,
igualmente, como instrumento na mão do poder, como agora demonstrou Eduardo dos
Santos.
Na
versão oficial, através de uma declaração do Bureau Político do MPLA, divulgada
a 12 de Julho de 1977, o 27 de Maio foi uma “tentativa de golpe de Estado” por
parte de “fraccionistas” do movimento, cujos principais “cérebros” foram Nito
Alves e José Van-Dunem, versão que seria alterada mais tarde para
“acontecimentos do 27 de Maio”.
Nito
Alves e José Van-Dúnem tinham sido formalmente acusados de fraccionismo em
Outubro de 1976. Os visados propuseram a criação de uma comissão de inquérito,
que foi liderada por José Eduardo dos Santos, para averiguar se havia ou não
fraccionismo no seio do partido. As conclusões nunca chegaram a ser divulgadas
publicamente mas, segundo alguns sobreviventes, revelariam que não existia
fraccionismo no seio do MPLA.
Tal
como hoje os jovens activistas não lideram nenhuma tentativa de golpe de
Estado. Eduardo dos Santos sabe disso, mas é-lhe conveniente não saber.
Consta
que o próprio José Eduardo dos Santos, tal como o então primeiro-ministro, Lopo
do Nascimento, seriam alvos a abater pela cúpula do MPLA. Ao actual Presidente
terá valido a intervenção do comissário provincial do Lubango, Belarmino
Van-Dúnem.
Os
apoiantes de Nito Alves consideravam que o golpe já estava a ser feito por uma
ala maoísta do partido, liderada pelo secretário administrativo do movimento,
Lúcio Lara, que terá instrumentalizado os principais centros de decisão do
partido e os média, em especial o Jornal de Angola, pelo que consideraram que a
manifestação convocada por Nito Alves foi “um contra-golpe”.
Em
relação aos mortos, os números variam segundo as fontes. Terão sido mais de 15
mil e menos de 100 mil. É claro que, como continua a ser prática, nessa altura
os ditos fraccionistas sofreram horrores terríveis, desde prisões arbitrárias,
a tortura, condenações sem julgamento ou execuções sumárias.
O
apontado líder do alegado golpe de Estado terá sido fuzilado, mas o seu corpo
nunca foi encontrado, tal como o dos seus mais directos apoiantes como José
Van-Dúnem e Sita Valles, que foi dirigente da UEC, ligada ao Partido Comunista
Português, do qual se desvinculou mais tarde, e foi expulsa do MPLA.
Em
Abril de 1992, o governo angolano reconheceu que foram “julgados, condenados e
executados” os principais “mentores e autores da intentona fraccionista”, que
classificou como “uma acção militar de grande envergadura” que tinha por
objectivo “a tomada do poder pela força e a destituição do presidente Agostinho
Neto”.
Exactamente
os mesmos argumentos que hoje o MPLA utiliza.
Moralmente,
pelo menos, o principal responsável foi Agostinho Neto que, assessorado por
alguns dos mais radicais membros do MPLA, não se preocupou em apurar a verdade,
dispensou os tribunais, admitiu que fizessem justiça por suas próprias mãos.
Relatos
dispersos dizem que o Presidente Agostinho Neto foi, antes de tudo, chefe duma
facção e não o árbitro, o unificador, estando completamente dominado pela
arrogância, inflexibilidade e cegueira.
Certo
é, contudo, que Angola perdeu muitos dos seus melhores quadros: combatentes
experimentados em mil batalhas, mulheres combativas, jovens militantes,
intelectuais e estudantes universitários. Dessa forma o MPLA decapitou os que
sonhavam com um futuro melhor, mais igualitário e mais fraterno para os
angolanos.
O
mais recente livro da jornalista britânica Lara Pawson (“Em Nome do Povo – O
massacre que Angola silenciou”) sobre este assunto, “levanta mais perguntas do
que respostas” sobre as verdadeiras intenções, envolvidos e número de mortos.
O
livro, que demorou sete anos a escrever, representa uma investigação de sete
anos da antiga correspondente da BBC em Angola (1998-2000), demora que a autora
atribui à própria “lentidão” e à incerteza criada pelos testemunhos que
recolheu entre Londres, Lisboa e Luanda.
“Todas
as pessoas com quem eu falava pareciam ter visões muito facciosas e eu achava
difícil confiar em alguém. Esse é um dos interesses do livro, porque levanta a
questão do rigor da informação sobre Angola e qual é a informação em que
podemos confiar”, explica Lara Pawson.
O
27 de Maio de 1977 é descrito como uma tentativa de golpe de Estado por
“fraccionistas” do próprio MPLA, então já no poder do país recém-independente,
contra o Presidente Agostinho Neto e “bureau político” do partido.
Segundo
vários relatos, milhares terão morrido na reacção das FAPLA, nomeadamente os
dirigentes Nito Alves, então ministro da Administração Interna, e José
Van-Dúnem, mas foi difícil para Lara Pawson alcançar uma “versão definitiva”
sobre os interesses e objectivos daquele movimento, que alegou tratar-se de um
`contragolpe`.
“Uma
das discussões foi saber se foi manifestação ou golpe de Estado e o que aprendi
após falar com angolanos, em particular o povo, é que muito deles acreditavam
estar a participar numa manifestação pacífica. Mas, por outro lado, o facto de
a 9ª Brigada se ter envolvido, de a rádio ter sido ocupada durante várias horas
por homens com armas e as prisões invadidas parece difícil negar que não houve
tentativa de golpe”, salienta a autora.
Outra
questão controversa que tentou esclarecer foi o número de mortos resultantes da
resposta do regime, e que variam, segundo as versões, entre 20 mil a 30 mil
mortos, número dado à autora pelo irmão de José Van-Dúnem, João, a 100 mil
mortos reivindicados pela Fundação 27 de Maio.
“O
mais próximo que consegui de uma versão oficial foi de Fernando Costa Andrade,
antigo director do Jornal de Angola. Ele disse que o ministro de Defesa da
altura tinha estimado pelo menos 2.000 mortos. Se um ministro diz isto, é
porque no mínimo foram 2.000 mortos, mas podem ter sido mais”, referiu Lara
Pawson.
O
envolvimento de Moscovo, a existência de fracturas entre os próprios
fraccionistas são outras questões que continuam em aberto, bem como o papel do
actual Presidente angolano, José Eduardo dos Santos, que sucedeu a Agostinho
Neto no poder.
A
“complexidade e contradições” que rodeiam o assunto contribuíram para a
“obsessão” de Lara Pawson em querer escrever este livro num tom romanceado, mas
descobriu que o assunto continua a ser um “tabu” e que muitos dos envolvidos
têm medo de falar, pelo que a identidade teve de ser preservada no livro.
O
próprio receio do MPLA em “abrir a ferida” abriu espaço para que Nito Alves
seja actualmente idolatrado por jovens angolanos opositores ao regime, disse a
jornalista britânica, concluindo: “Esconder a verdade está a criar cada vez
mais o peso do próprio mito”.
MPLA
desde 1975. Dos Santos desde 1979
OMPLA
está no poder desde 1975 e por lá vai ficar. Com o poder absoluto que tem nas
mãos (é também o presidente do MPLA e chefe do Governo), José Eduardo dos Santos
é um dos ditadores ou, na melhor das hipóteses, um presidente autocrático, há
mais tempo em exercício.
África,
em nada abona do ponto de vista democrático e civilizacional a seu favor. Sabe
todo o mundo, mas sobretudo e mais uma vez África, que se o poder corrompe, o
poder absoluto corrompe absolutamente. É o caso em Angola.
Só
em ditadura, mesmo que legitimada pelos votos comprados a um povo que quase
sempre pensa com a barriga (vazia) e não com a cabeça, é possível estar tantos
anos no poder. Em qualquer estado de direito democrático tal não seria
possível.
Aliás,
e Angola não foge infelizmente à regra, África é um alfobre constante e
habitual de conflitos armados porque a falta de democraticidade obriga a que a
alternância política seja conquistada pela linguagem das armas. Há obviamente
outras razões, mas quando se julga que eleições são só por si sinónimo de
democracia está-se a caminhar para a ditadura.
Com
Eduardo dos Santos passa-se exactamente isso. A guerra legitimou tudo o que se
consegue imaginar de mau. Permitiu ao actual presidente perpetuar-se no poder,
tal como como permitiu que a UNITA dissesse que essa era (e pelo que se vai
vendo até parece que teve razão) a única via para mudar de dono do país.
É
claro que, é sempre assim nas ditaduras, o povo foi sempre e continua a ser (as
eleições não alteraram a génese da ditadura, apenas a maquilharam) carne para
canhão.
Por
outro lado, a típica hipocrisia das grandes potências ocidentais, nomeadamente
EUA e União Europeia, ajudou a dotar José Eduardo dos Santos com o rótulo de
grande estadista. Rótulo que não corresponde ao produto. Essa opção estratégica
de norte-americanos e europeus tem, reconheça-se, razão de ser sobretudo no
âmbito económico.
É
muito mais fácil negociar com um regime ditatorial do que com um que seja
democrático. É muito mais fácil negociar com alguém que, à partida, se sabe que
irá estar na cadeira do poder durante toda a vida, do que com alguém que pode
ao fim de um par de anos ser substituído pela livre escolha popular.
É,
como acontece com José Eduardo dos Santos, muito mais fácil negociar com o
líder de um clã que representa quase 100 por cento do Produto Interno Bruto, do
que com alguém que não seja dono do país mas apenas, como acontece nas
democracias, representante temporário do povo soberano.
Bem
visível no caso angolano é o facto de, como em qualquer outra ditadura, quanto mais
se tem mais se quer ter, seja no país ou noutro qualquer sítio. Por muito
pequeno que seja o ditador, o que não é o caso de José Eduardo dos Santo, a
História mostra-nos que tem sempre apreciável fortuna espalhada pelo mundo,
seja em bens imobiliários (como era tradição) ou mais modernamente nos paraísos
fiscais.
Reconheça-se,
entretanto, a estatura política de José Eduardo dos Santos, visível sobretudo a
partir do momento em que deixou de poder contar com Jonas Savimbi como o bode
expiatório para tudo o que de mal se passava em Angola.
Desde
2002, o presidente vitalício de Angola tem conseguido fingir que democratiza o
país e, mais do que isso, conseguiu (embora não por mérito seu mas, isso sim,
por demérito da UNITA) domesticar completamente todos aqueles que lhe poderiam
fazer frente.
Não
acreditamos que, até pelo facto de o país ter estado em guerra dezenas de anos,
José Eduardo dos Santos tenha as mãos limpas de sangue. Aliás, nenhum ditador
com 37 anos de permanência seguida no poder, tem as mãos limpas.
Mas
essa também não é uma preocupação. Quando se tem milhões, pouco importa como
estão as mãos. Aliás, esses milhões servem também para branquear, para limpar,
para transplantar, para comprar (quase) tudo e (quase) todos.
Tudo
isto é possível com alguma facilidade quando se é dono de um país rico e, dessa
forma, se consegue tudo o que se quer. E quando aparecem pessoas que não estão
à venda mas incomodam e ameaçam o trono, há sempre forma de as fazer chocar com
uma bala.
Acresce,
e nisso os angolanos não são diferentes dos portugueses ou de qualquer outro
povo, que continua válida a tese de que “se não consegues vencê-los junta-te a
eles”. Não admira por isso que José Eduardo dos Santos tenha cada vez mais
fiéis seguidores, sejam militares, políticos, empresários e até supostos
jornalistas.
É
claro que, enquanto isso, o Povo continua a ser gerado com fome, a nascer com
fome, e a morrer pouco depois… com fome. E a fome, a miséria, as doenças, as
assimetrias sociais são chagas imputáveis ao Poder. E quem está no poder há
37anos é sempre o mesmo, José Eduardo dos Santos.
Até
um dia, como é óbvio.
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