Mariana
Mortágua* – Jornal de Notícias, opinião
Estamos
no segundo processo orçamental em que o tema não são as privatizações, os
cortes ou o aumento de impostos sobre o trabalho, mas o aumento das pensões, do
salário mínimo e a eliminação da sobretaxa. A Direita está fora de jogo. No seu
programa eleitoral defendia o congelamento das pensões e a manutenção dos
cortes. Como pode agora dar a cara por esse programa? Na falta de uma Direita
parlamentar capaz de ser Oposição, as elites movem-se e organizam-se. Não é
tanto o Orçamento que as preocupa, mas o que acontece para lá dele: o aumento
do salário mínimo e os avanços no combate à precariedade.
É
esta pressão que vemos nas capas dos jornais que anunciam o recuo na intenção
de aumentar o salário mínimo já em janeiro. As notícias já foram desmentidas, o
acordo entre o PS e o Bloco sobre o salário mínimo é para valer. Mas a
preocupação das confederações patronais diz-nos muito sobre o estado a que
chegou a nossa economia.
A
nossa elite empresarial veste-se com as roupas do sucesso, ganha salários de
sucesso, e discursa sobre o segredo do sucesso. Mas o que defende, na verdade,
é a mesma economia, velha e ultrapassada, de baixos salários e abuso.
Da
EDP à Jerónimo Martins, os exemplos sucedem-se. Lucros avultados,
administradores pagos a peso de ouro, e precarização total. De cada vez que
fazemos uma chamada para a EDP, do lado de lá está uma das 1500 pessoas que
asseguram este serviço desde 1992. São a voz da EDP, mas são contratados pela
Randstad por um salário de 655euro.
Da
EDP à Jerónimo Martins, passando também pelo próprio Estado, temos o regresso à
praça de jorna dos tempos modernos. O "mercado de trabalho" é um
museu cheio de novidades. Uma multidão que trabalha uma vida inteira a prazo
para empresas que lhes ficam com uma parte do salário para vender os seus
serviços a outros.
À
nossa elite pouco importa que um em cada dez trabalhadores seja pobre. Ou que a
precariedade hipoteque a vida, a família e o futuro. Ou mesmo que as
vergonhosas condições laborais sejam a principal causa da emigração.
Quando
a nossa elite combate os aumentos salariais e os direitos laborais, o que está
a combater é o progresso, a evolução para um sistema económico que sirva a
sociedade em vez de a canibalizar. É em nome desse progresso, e da decência,
que valorizamos o muito que fizemos, como o acordo para o salário mínimo e para
a regularização dos precários no Estado. Mais do que isso, não desistimos do
tanto que ainda falta fazer.
*Deputada
do BE
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