sexta-feira, 11 de novembro de 2016

UMA QUESTÃO DE PLASTICIDADE



Martinho Júnior, Luanda 

1 – Em Setembro de 2016 escrevi “Cuidem-se que vem aí a Clinton”, numa altura em que os Democratas tinham clara vantagem sobre os Republicanos nas intenções de voto do eleitorado norte-americano e tinham à sua disposição plasticidades internas a não desperdiçar.

Com efeito, depois duma renhida disputa interna entre Hillary Clinton e Bernie Sanders, esperava-se dos Democratas uma plataforma no sentido de coesão e até mesmo de integração, impedindo polarização ou diluição de tudo o que Bernie Sanders claramente representava, perfeitamente ao alcance das possibilidades da inteligência elitista.

Esse desafio que colocava à prova a capacidade de plasticidade interna dos Democratas sofreu erosão, particularmente desde o momento que os mails de Hillary demonstraram publicamente, a quente (em cima da hora) e a nu, o carácter do poder inerente ao exercício da inteligência elitista conforme ao “lobby” dos minerais, em plena época de capitalismo neoliberal e perseguindo a trilha unipolar…

A inteligência elitista, com uma linguagem “lapidada”, não teve criatividade na plasticidade interna que lhe era exigida face ao inesperado “infortúnio” dos mails, pelo que muitos votos antes arrebanhados pela campanha de Bernie Sanders, entre outros, foram dispersados por independentes, por partidos menores, pela abstenção e até captados por Trump.

Estou-me a referir a votos de sectores “vitais” para os Democratas como os da juventude, bem como dos latino-americanos e dos afrodescendentes.

2 – Comparativamente, a plasticidade interna dos Republicanos funcionou sem qualquer percalço ou “ameaça” ao nível dos mails de Hillary Clinton, com base numa trilogia que aparentemente até tinha um equilíbrio pouco estável: o “tea party”, o amplo “centrão” conservador e um “franco-atirador” considerado como um “antissistema, outsider, populista e nacionalista”, capaz de todo o tipo de acrobacias verbais que lhe eram permitidas por ser um principiante “meio anarquista” nos ambientes sócio-políticos complexos da muito complexa sociedade norte-americana.

 Essa trilogia tinha também o desafio da criatividade em relação às mensagens que deveria difundir para captar o eleitorado, pelo que acabou por utilizar uma verbalização pouco cuidada, “bruta”, mas susceptível de estabelecer no mínimo nexos emocionais com muitas franjas que iam desde trabalhadores sindicalizados das periferias industriais, até jovens desiludidos com o carácter da inteligência elitista de Hillary Clinton, mas sobretudo com o norte-americano médio, rural, “prático”, de franjas religiosas por vezes fundamentalistas e pouco intelectualizada dos estados centrais, entre as margens oceânicas leste e oeste do país, que acabaram por compor uma imensa mancha “vermelha” (Republicana) nessas vastas regiões.

A plasticidade Republicana sem dúvida que foi bem-sucedida comparativamente à dos Democratas, salvaguardando sem dúvida os interesses do “lobby” do petróleo e do armamento, sem apelo nem agravo em relação à inteligência elitista visivelmente cristalizada e remetida à defensiva no exercício dos interesses da aristocracia financeira mundial.

Um homem fora do “estabelishment”, bem-sucedido na vida, identificado com a força de trabalho nacional e “pragmático” foi um “meio” que justificou os fins.

3 – Uma grande parte dos observadores destas eleições, lançam agora múltiplas incógnitas sobre o carácter do poder que Donald Trump vai implementar em nome dos Republicanos.

Há sinais que os esforços nacionais serão prioritariamente “voltados para dentro”, onde efectivamente há imensas coisas a mudar em termos de infraestruturas e estruturas do país, que reclamam modernidade e a integração de novas tecnologias, algo que impactará também na indústria militar.

 O objectivo é recriar o modo de vida norte-americano, garantindo que não há mais fábricas a transferir, o trabalho bem remunerado será garantido e tornado muito mais amplo, haverá maior abertura às novas tecnologias… e os Estados Unidos encontrarão padrões de crescimento que mais ninguém poderá igualar!…

Partindo do princípio que essa leitura será a mais aferida às mensagens da candidatura, é evidente que tudo isso poderá ser feito no eixo da representatividade do “centrão” Republicano, numa autêntica resposta aos estímulos da aristocracia financeira mundial, que não abandonou a ideia dum “novo século norte-americano”!

É evidente que, a curto prazo pelo menos, essa equação “in” vai exigir melhores níveis de emparceiramento com as emergências multipolares, restando avaliar se esse será um plasma capaz de ser estendido para os médios e longo-prazos, para outros relacionamentos similares com outros estados, nações e povos.

É muito possível que sim, por exemplo:

Se forem lançadas novas tecnologias modernizando os caminhos de ferro norte-americanos, poderão elas ser aplicadas também a componentes das “rotas da seda” euro-asiáticas, emparceirando com europeus, russos, chineses e outros asiáticos?

O que acontecerá em relação aos oleodutos e gasodutos euro-asiáticos e transcontinentais?

Os navios dos europeus e dos norte-americanos, em que medida poderão circular pelo Ártico nos meses de degelo, de forma a encurtar a rota entre o Atlântico e o Pacífico?

Haverá necessidade de manter a NATO?

O partido Republicano, dominando no Senado, no Congresso e na Presidência, com um desenvolto “mãos à obra”, parte numa posição sem empecilhos internos maiores e galvanizado pelos reptos vitoriosos da campanha eleitoral.

As respostas serão remetidas particularmente ao “centrão” Republicano, com a garantia que o “acrobata verbal” Donald Trump terá uma pronta mensagem, prática e a contento, que jamais um membro do “estabelishment” poderia garantir!

**Fotos referentes à campanha

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