O governo Michel Temer
O
governo Michel Temer, com apoio dos grandes meios de comunicação nacional e
setores conservadores da sociedade, implanta as chamadas reformas da educação,
trabalho, previdência e privatização da Petrobras.
Wladmir
Coelho*
A
profundidade das alterações de ordem política, econômica, social determinadas
no conjunto dessas reformas deveriam, no mínimo, vincular sua aprovação à
consulta aos interessados, entretanto prefere o governo o entendimento de
democracia associada a aplicação da ideologia neoliberal.
Na
base deste debate encontraremos uma antiga disputa referente a forma mais
adequada da participação de um país, politicamente soberano, no chamado mercado
internacional. Mercado esse considerado ou denominado, nos últimos trinta anos,
de globalizado.
Neste
caso, entendem os defensores do discurso oficial, a única forma de garantir o
crescimento econômico nacional seria a adesão plena aos princípios neoliberais.
Para o entendimento deste posicionamento torna-se necessário uma breve análise
do modelo de comércio internacional. Vejamos.
O
comércio entre países, como sabemos, não constitui nenhuma novidade histórica,
contudo a submissão destes às regras do neoliberalismo e destas, o conceito de
democracia revela-se um episódio recente.
Objetivamente
temos, nesse caso, a associação do conceito de democracia a simples aplicação
dos princípios de liberdade comercial entendendo como modelo ideal a submissão
nacional a chamada globalização.
Os
defensores desse modelo apontam um caminho de maravilhas repleto de empregos,
investimentos internacionais, conquistas tecnológicas. Essas promessas circulam
o mundo nos últimos 30 anos, mas poucos informam qual o fundamento do modelo.
A
esse respeito o economista David Cayla, da Universidade de Angers,
observa que a globalização não encontra-se reduzida a livre circulação das
mercadorias visto que inclui os fatores de produção "isto significa
que não são apenas os produtos acabados que circulam no mundo, mas o capital, a
capacidade de produção (...) e isso muda tudo porque este tipo de globalização
coloca os territórios e estados em competição e cada país procura retirar
do seu vizinho suas plantas empresariais e seus empregos."
O
resultado dessa disputa, segundo Cayla, encontramos na concentração de empresas
e empregos em determinadas regiões vencedoras. Essas regiões, acrescento, não
apresentam uniformidade quanto a criação de políticas econômicas e destas os
direitos sociais.
Verificam-se
situações adversas a exemplo da União Europeia, Canadá, México, China e Rússia.
Esses dois últimos casos, inclusive, encontram-se em meio a disputa
internacional envolvendo os Estados Unidos e o alegado isolacionismo de Donald
Trump.
União
Europeia e nacionalismo
No
caso da União Europeia, por exemplo, temos um conjunto de regras comerciais que
em tese facilitam ou buscam facilitar a circulação de pessoas, mercadorias e
empresas. Entretanto verificam-se conflitos de ordem jurídica quando os
trabalhadores de empresas multinacionais passam a cobrar os mesmos
direitos trabalhistas ofertados nos territórios que sediam essas empresas.
Temos,
nesses casos, a retirada ou negativa da igualdade de direitos aos trabalhadores
de uma mesma empresa multinacional,em função de sua localização geografica,
mesmo que essa encontre-se no âmbito de um acordo comercial. O exemplo da Alemanha
merece destaque;
Naquele
país um grupo de acionistas minoritários da TUI Group questionou a proibição da
participação dos trabalhadores de suas filiais no exterior, nesse caso no
âmbito da União Europeia, da eleição dos representantes dos empregados no
conselho de administração.
A
legislação alemã determina que a participação de trabalhadores de filiais
estrangeiras não é possível, mas o caso foi levado à Corte de Justiça Europeia
e levanta questionamentos importantes, nos meios sindicais e jurídicos, a
respeito da legitimidade dos interesses comerciais presentes nos acordos
internacionais na formulação das políticas econômicas das sedes destas mesmas
empresas.
A
diferenciação entre os direitos trabalhistas observados nas empresas mães e
aqueles existentes em decorrência dos acordos internacionais, fora do
território sede, ganham nesse debate maior clareza.
Defendem
os sindicatos, juristas, deputados no parlamento europeu o direito dos alemães
em editarem uma política social separada, diferenciada dos evidentes interesses
comerciais, presentes nos acordos internacionais. Inexiste nesse ponto a ideia
de renuncia a soberania em nome da ideologia neoliberal mesmo que essa sirva de
base aos rumos tomados na União Europeia.
As
reformas trabalhistas do governo Temer, ao contrário, defendem a ampla
submissão da política trabalhista aos interesses da empresa privada ao propor a
desregulamentação do setor em nome da liberdade de negociação elevando
ideologia neoliberal a condição de regra.
A
regulação ideológica do comércio internacional
A
participação comercial, no chamado mercado globalizado, inclui um conjunto de
normas administradas por um órgão internacional denominado Organização Mundial
do Comércio (OMC).
A
criação da OMC ocorre em 1995 ou 4 anos após a dissolução da União Soviética
reforçando as "profecias" cujo conteúdo anunciava a supremacia das
chamadas democracias liberais. A OMC surgiu, desta forma, no contexto
internacional de predomínio da crença no "Armagedom" ideológico
responsável, inclusive, pelo fim da história ou predomínio da alegada natureza
econômica na qual o livre mercado, sem elementos de intervenção ou controle do
Estado, conduziria a humanidade ao paraíso.
Ao
utilizarmos o termo fim da história naturalmente nos referimos ao funcionário
do Departamento de Estado dos Estados Unidos Francis Fukuyama e seu artigo, de
16 páginas, publicado na revista The National Interest louvando as reformas
liberais do leste europeu entendendo esse fato como o encontro da humanidade
com a essência da organização política.
Esse
mesmo principio, a crença nos elementos liberais de comércio como forma de
garantir a felicidade humana e deste a constituição de governos democráticos,
revela-se como elemento fundamental na criação da OMC constituindo essa
instituição em guardiã econômica de uma nova e permanente ordem mundial.
Em
2013 o economista de Havard, Craig Vangrasstek, ao escrever a história oficial
da Organização Mundial do Comércio confirma a função de garantidora da nova
ordem da instituição afirmando: "os termos do acordo que estabelece a
Organização Mundial do Comércio foram alcançados dois anos após o colapso da
União Soviética. Um conjunto de eventos não criou o outro, mas todos eles podem
ser vistos como pontos finais em sistemas políticos e econômicos
paralelos."
Vangrasstek
complementa sua afirmação garantindo aos britânicos e estadunidenses o papel de
gestores do livre comércio mundial afirmando: "O sistema de acordos
comerciais bilaterais vinculados negociados durante o período da hegemonia
britânica foi substituído após a liderança dos EUA pelo Acordo Geral sobre
Tarifas e Comércio (GATT), o precursor da OMC. Esses dois poderosos Estados
ajudaram a estabelecer e impor regras que concederam igualdade jurídica e
oportunidades econômicas a outros estados".
O
mercado globalizado pressupõem, em termos gerais, a idealização do liberalismo
clássico representado na plena satisfação comercial. Esse discurso, para os
países não industrializados, revela-se na manutenção de um modelo voltado ao
fornecimento de produtos do extrativismo mineral, vegetal, agricultura,
pecuária.
No
Brasil a ideologia neoliberal acima da Constituição
As
insatisfações no Brasil, quanto as chamadas reformas, nos diferentes setores da
produção indicam um distanciamento entre governo e sociedade. Para tentar
legitimar a submissão à ideologia neoliberal o governo Temer assume um discurso
de caráter religioso no qual o sofrimento, nesse caso dos trabalhadores, será
recompensado com tempos melhores. no prazo de vinte anos. Uma imensa vantagem,
no imaginário da supersticiosa classe média nacional, comparado aos 40 anos
bíblicos.
Na
base as chamadas reformas do governo Temer, considerando a sua ideologia,
revelam-se contrárias a presença do Estado como elemento indutor do crescimento
e desenvolvimento econômico.
Esses
princípios, presentes na ideologia da Constituição de 1988, apresentam-se na
forma da obrigatoriedade, ao Estado, do planejamento econômico, no respeito aos
direitos sociais incluindo a educação, o trabalho e a saúde.
A
Constituição de 1988 ao consagrar o planejamento econômico e reconhecer os
direitos sociais revela, inclusive, uma proposta de inserção do Brasil no
mercado internacional revelando o entendimento de soberania em sua plenitude
implicando, deste modo, a não subordinação aos interesses do chamado mercado.
Temos
nesse ponto uma continuidade e ampliação das políticas econômicas adotadas a
partir de 1930 nas quais o Estado apresenta a condição, inclusive, de
empresário garantindo os elementos necessários ao crescimento e
desenvolvimento.
O
governo Michel Temer, por seu turno, aplica o receituário oposto à prática
nacional, adotada ao longo dos últimos 87 anos, com recuos e avanços, como
forma de garantir a inclusão do país no mercado internacional seguindo um
modelo diferente da forma colonial tradicionalmente adotada.
O
modelo de base colonial, reforçado e aprofundado no atual governo, amplia a
entrega dos bens naturais, dessa vez incluindo a única empresa sobrevivente do
massacre neoliberal dos anos 90.
Renunciando
ao instrumento empresarial de planejamento econômico o governo Michel Temer,
através do presidente da Petrobras Pedro Parente, apressa-se em anunciar aos
oligopólios a existência de 42 bilhões de dólares em ativos da Petrobras em
oferta.
Destes
ativos inclui as refinarias retornando aos tempos da ortodoxia financeira e
submissão plena aos interesses imperiais do Marechal Dutra com seu Pedro Malan
de então o banqueiro Gastão Vidigal.
Na
América Latina o México, seguindo os ditames neoliberais, aplica semelhante
política cujo resultado revela-se no aumento dos lucros dos oligopólios
contrastando com aumentos constantes nos valores dos combustíveis.
A
Petróleos Mexicanos (PEMEX), da mesma forma que a Petrobras, foi criada para
garantir a utilização do poder econômico decorrente da exploração
petrolífera em beneficio do crescimento e desenvolvimento nacional. O controle
dessas empresas a partir dos interesses dos oligopólios possibilita exatamente
o oposto.
Os
discursos oficiais tornam-se comuns e verificamos um louvor a responsabilidade
de adequar ao mercado - cuja tradução é ideologia neoliberal - a política de
preços dos combustíveis. No México, como presente de ano novo, ocorreu um
reajuste de 20% nos valores da gasolina. O resultado verifica-se nas ruas
das cidades; uma revolta popular, o chamado "gazolinazo".
O
governo Temer, submisso e omisso diante dos acontecimentos internacionais,
revela-se ideologicamente disposto a submeter a economia nacional as regras
neoliberais nas quais o Estado, no máximo, regula a economia afastando-se dos
elementos, inclusive empresariais, necessários ao planejamento.
Ao
planejamento econômico, aqui recordamos, encontram-se associados diretamente a
criação das políticas econômicas necessárias a manutenção e ampliação dos
direitos sociais.
O
presidente Michel Temer defende como proposta exatamente o oposto das
determinações constitucionais, substituindo os direitos sociais, a
soberania nacional por simples ditames de ordem moral decorrentes da
ideologia neoliberal, amparada essa moral em frases de efeito notadamente na
alegada meritocracia.
Em
termos gerais o discurso da meritocracia entende a desigualdade como decorrente
do menor esforço considerando o mercado como local de realização da justiça.
Esse entendimento místico do mercado justifica, por parte das elites, o combate
as políticas de redistribuição cuja prática revela não a preguiça ou inveja dos
mais pobres frente aos mais ricos, mas um movimento mínimo no sentido de
equalizar a distribuição dos resultados do trabalho.
A
injustiça quanto a distribuição do resultado do trabalho verifica-se em
inúmeros índices que apontam a elevada concentração de renda simbolizados no
número de 8 pessoas, no mundo, detentoras do equivalente aos recursos da metade
da população mais pobre ou três e meio bilhões de pessoas.
O
principio do mercado como espaço pleno da justiça aplica-se ao trabalhador e
suas relações com o capital, retirando desse, qualquer mediação política
bastando para sua sobrevivência encontrar o melhor caminho, tenha esse o nome
de livre negociação, flexibilidade de horário, múltiplas funções,
terceirizações.
Temos,
nesse caso, uma clara substituição dos princípios constitucionais por
fundamentos de uma ideologia cuja legitimação, ilegítima, resulta de um
Congresso sem poderes constituintes.
Em
termos práticos a submissão ao modelo neoliberal aplicado pelo governo Temer
marcha associada a exclusão dos trabalhadores do processo decisório, bastando
para esse fim a manutenção formal das instituições, associando democracia aos
interesses comerciais dos grandes grupos econômicos traduzidos na ilusória
integração ou globalização.
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