Guilhermino
Alberto – Jornal de Angola
Dizia
Dom Damião Franklin, arcebispo de Luanda, de feliz memória, que quando se opta
por uma religião, uma formação política ou associação sócio-profissional, temos
de respeitar a doutrina, os estatutos ou os princípios que regem essa
instituição.
Não
podemos pertencer a uma organização e não respeitar os seus valores ou
contra-valores, se for esse o caso. Temos que ser coerentes com as opções que
tomamos.
Se isso acontece com as pessoas, o mesmo também se passa com os Estados.
Salvo melhor entendimento, pensamos que quando os Estados optam por seguir, que é o caso aqui chamado à reflexão, uma economia livre de mercado, como entre nós gostamos diplomaticamente de chamar ao capitalismo, então esses Estados têm de seguir as regras que regem o capitalismo. Sempre adaptadas, como é evidente, à realidade concreta de cada Estado ou país.
Pretendo com esse intróito, que já vai longo, dizer que Angola ao optar pelo capitalismo, que como se sabe é hoje o sistema político-económico dominante no mundo, tem de seguir as regras do mercado, porque o socialismo científico já era, gostemos disso ou não. O tempo do cartão para compras nas lojas do povo ficou para trás.
É claro que os Estados não se devem dirimir das suas obrigações sociais, mas desengane-se quem pensa que o capitalismo, que é hoje uma opção global, na sua essência visa dar as coisas às pessoas quase de graça, como já aconteceu num passado recente. Tenhamos a coragem de o dizer frontalmente e sem tabus. Já lá vão os tempos em que o vadio “vijú”, com vários “cartões de abastecimento”, vivia muito melhor que os operários e os camponeses, que eram afinal a razão da existência do Estado de então.
Não quero com isso dizer que os operários e os camponeses perdem importância nos Estados capitalistas, como é agora o nosso. Longe de mim tamanha barbaridade. Quero apenas chamar à reflexão que o capitalismo na sua essência visa o lucro e o mercado é regulado sem ou com pouca intervenção dos Estados. Os Estados, como dizem os especialistas em ciências económicas, têm a responsabilidade de intervir somente em casos delicados e na implementação de medidas que garantam a promoção do investimento privado e a estabilidade macro-económica. O resto, com algum apoio dos Estados, é claro, tem de partir da iniciativa individual do cidadão. O cidadão não pode mais andar de mão estendida à espera que o Estado faça tudo para o seu bem-estar pessoal e familiar. Tem de ter iniciativa própria e fazer recurso aos instrumentos legais existentes no mercado para criar a sua própria riqueza. Tem de empreender e compreender que nesse jogo de acumulação do capital não é possível o capitalismo sem capitalistas.
Embora entre nós se fale muito pouco disso, repito, a verdade é que sem capitalistas não há Estados capitalistas. É como em democracia. Não há democracia sem democratas.
Saído de uma economia centralizada, com quase nula experiência de projectos económicos de livre iniciativa individual, Angola tem de criar rapidamente mais capitalistas. Questione-se ou não a forma como se vão criar os nossos capitalistas, a verdade é que Angola tem a obrigação de o fazer com a necessária urgência, para no futuro não sermos engolidos, passe a brutalidade do termo, por interesses outros vindos de fora, que há muito nos querem dividir para melhor reinar. Não sejamos ingénuos. O mundo é hoje uma aldeia global, mas os interesses monopolistas estão bem localizados.
Criemos, pois, os nossos próprios capitalistas sem invejas nem intrigas. Não tenhamos medo de ser ricos. Deixemos é de ser endinheirados. O país precisa e agradece. Uma classe forte de capitalistas patriotas é necessária para explorar os grandes negócios e criar riqueza interna, multiplicando assim o emprego e alargando a classe média.
A concorrência é tão renhida hoje que me atrevo a vaticinar que só Estados com capitalistas fortes e patriotas vão poder sobreviver no futuro. Não é por acaso que sempre que se fala de africanos capitalistas se lance, a partir do Ocidente, ferozes campanhas mediáticas de intoxicação da opinião pública, com acusações de corrupção, violação dos direitos humanos, entre outras coisas estapafúrdias.
Querem, na verdade, continuar a subjugar-nos e arredar-nos do bolo global. Esqueçamos por alguns instantes as nossas diferenças ideológico-partidárias e de forma racional reflictamos à volta do nosso destino comum, que passa necessariamente pela criação de uma classe capitalista forte, de rosto humano e virada para o mundo.
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