A
venda sigilosa a Angola de um sistema de comunicações encriptado foi financiada
pelo BES, no que se pode tornar no último acto público conhecido de Ricardo
Salgado. E revelado pelo P2 na semana em que o banqueiro é suspeito de
corromper José Sócrates, que em Luanda validou o negócio de 113 milhões
Cristina
Ferreira (Texto) e Mariana Soares (Ilustração) - Público
Quando
em causa estão negócios militares em Estados emergentes, existe grande
secretismo e um elevado grau de informalidade — os entendimentos são verbais,
os suportes escritos escasseiam. E, se se movimentam muitos milhões, a par da
competitividade forjam-se solidariedades e, talvez por isso, raramente se
declaram as hostilidades. Já as traições não são toleradas. E, se há uma zanga
marginal, ela ganha proporções atómicas.
Foi
o que aconteceu nesta história, na qual o P2 vai revelar a venda de um sistema
encriptado de telecomunicações de dados de voz, de origem portuguesa, aos
serviços secretos angolanos (Serviço de Inteligência e Segurança do
Estado-SISE). Uma operação pontuada por incidentes que lembram os tempos da
Guerra Fria e estimada globalmente em 113 milhões de euros, dos quais 60
milhões já foram pagos— a transacção, financiada pelo ex-Banco Espírito Santo,
ainda se encontra em curso.
No
centro está a sociedade All2it, detida pela Reditus, uma grande tecnológica
cotada no PSI20, na qual o Millennium bcp possui 18%, e presidida por Miguel
Pais do Amaral, o principal accionista, com 25,6%. Pais do Amaral, conde de
Alferrarede, é também dono da editora Leya e está à frente da gestão não
executiva da Media Capital, proprietária da TVI.
Esta
é uma história da qual não se saem bem as relações europeias e africanas e na
qual um erro pode desencadear uma guerra feroz. E que Pais do Amaral resume
deste modo: “uma loucura total” e “uma grande infelicidade.” Pais do Amaral é
ainda o homem que um inspector do Estado angolano considera a imagem “do
oficial e cavalheiro”, de “educação esmerada”. O inspector em questão é o
ex-comando português Ângelo Gonçalves, também ele protagonista nos eventos.
Telefonema
de um desconhecido
A
história arranca em 2003, com empresas geridas pelos dirigentes do PSD Ângelo
Correia e Pedro Passos Coelho, vendidas a meio do trajecto, em 2007, à Reditus,
também cheia de gente conhecida. Não é só Pais do Amaral que lá está, é o
advogado Fernando Fonseca Santos, accionista (5,3%) e mandatário nacional
oficial de Marcelo Rebelo de Sousa à Presidência da República; é o advogado
Diogo Lacerda Machado, homem de confiança e a arma secreta do primeiro-ministro,
António Costa; e José Lemos, o ex-presidente da Bolsa de Valores de Lisboa e
ex-deputado do PS, agora à frente da consultora ClearWater.
Esta
história, que se revelará embaraçosa para todos os intervenientes, uniu Lisboa,
Luanda, Maputo e Brasília. E juntou condes e gestores, pesqueiros e
marisqueiros. E também generais e almirantes. E “espiões”, comissionistas e
ex-governantes. E pistolas em cima da mesa, em sentido literal do termo.
O
que aqui está em causa é uma certa forma de fazer negócios: com investidores
que montam as suas empresas com elevados custos sempre à espera das receitas
que estão para vir. E será também a história de empresários que ignoram os
perigos da proximidade de certos grupos que defendem interesses obscuros — o
que explica os episódios que se desencadeiam a par da transacção, com nomes que
coincidem.
Um
deles é António Maria de Mello Menezes, conde de Sabugosa e embaixador da Ordem
de Malta em Angola, e, até 2014, vice-presidente da Reditus, da qual foi
afastado. O gestor, que foi um dos pivôs da venda do sistema de comunicações
encriptadas ao Exército angolano, está hoje no epicentro do fogo cruzado entre
os comissionistas daquele negócio e os seus promotores, que o acusam de falhar
os pagamentos combinados. Mello é presença assídua em eventos da alta sociedade
portuguesa e entrou neste negócio a convite de Paolo Bennati, um italiano
armador de pesca de marisco em Moçambique e na Tanzânia, onde reside, que
também o acusa de traição. Em 2016, o Tribunal da Comarca de Lisboa condenou o
conde a pagar-lhe 2,866 milhões de euros e este recorreu para o Supremo
Tribunal de Justiça.
Depois
de um período de silêncio, directamente ou através de círculos próximos, os
vários intervenientes aceitaram prestar esclarecimentos. António Mello começou
por se mostrar disponível, mas foi adiando sucessivamente os encontros — o que
não impediu o P2 de fazer contactos na sua esfera.
O
ponto de partida para esta investigação foi um telefonema de um desconhecido,
seguido de uma conversa num bar de hotel, num domingo à tarde. O tema ficou
então registado numa nota de rodapé de um caderno de apontamentos e é um dos
casos em que pensamos duas vezes antes de iniciar uma investigação. Mas, quando
se acede a depoimentos credíveis escritos e orais ou a gravações confidenciais,
deixa de haver caminho de recuo. E há testemunhos e factos, entretanto provados
em tribunal, que nos contam o que se passou.
Para
enquadrar o contexto em termos geopolíticos, o P2 recorreu às análises do
embaixador António Monteiro e do gestor Luís Todo Bom, com experiência alargada
da realidade africana, mas sem qualquer ligação aos eventos que se vão narrar.
António
Monteiro está hoje à frente da administração não executiva do BCP, detido em
16% pela petrolífera Sonangol, mas chefiou, em 1991, a missão portuguesa que
acompanhou a primeira tentativa de promover a paz em Angola. Já Todo Bom é
docente universitário e preside à Angopartners. Nasceram ambos em Angola,
origem que assumem.
Brasília
de olhos em Angola
No
final da guerra civil, Angola é um país em ruínas, sem dinheiro, sem acesso a
crédito, com as principais vias de comunicação destruídas. “Era muito difícil
descobrir algo que valesse a pena comprar. Pura e simplesmente não havia. E as
pessoas viviam assustadas, fechadas em casa, com recolheres obrigatórios,
tiroteios, angustiadas com o dia seguinte. Não sabiam se ia haver ataques ou
tensões sociais”, evoca António Monteiro. “Foram décadas em que as pessoas não
tinham praticamente nada. E, de repente, abriu-se um mundo ao consumo, que para
muitos angolanos se vai traduzir numa vida melhor.”
A
4 de Abril de 2002, MPLA e UNITA assinam o Memorando de Entendimento de Luena e
o quadro altera-se substancialmente, pois já é possível circular em todo o
território. Com um senão: as estradas, os caminhos-de-ferro e os aeroportos
estão destruídos. O Presidente, José Eduardo dos Santos, pode agora afectar à
construção de infra-estruturas as receitas da exploração dos recursos
energéticos, até aí concentradas no esforço militar.
Luís
Todo Bom destaca outros desafios. Um deles é “organizar o Estado embrionário,
unificar o território e unir a população”. E há mais. Com a paz “há que
integrar as tropas derrotadas, o que não se verificou no Sudão e em Moçambique,
com as repercussões conhecidas”.
Ao
assumir-se como potência regional de uma área instável, a África Austral,
Angola necessita de um exército apetrechado para intervir em zonas limites e
actuar no âmbito da Organização da Unidade Africana”
Luís
Todo Bom, gestor
Redimensionar
e modernizar as Forças Armadas são também prioridades. “Ao assumir-se como
potência regional de uma área instável, a África Austral, Angola necessita de
um exército apetrechado para intervir em zonas limites e actuar no âmbito da
Organização da Unidade Africana”, sublinha Todo Bom. É assim que após 27 anos
de conflito armado se começa a desenrolar uma história no maior dos sigilos.
No
último trimestre de 2002, ainda se festeja a paz, e já o Serviço de
Inteligência e Segurança do Estado-SISE promove a aquisição de um sistema
exclusivo de comunicações para equipar a rede de quartéis das Forças Armadas
angolanas.
Em
Brasília, há quem tome boa nota deste plano ambicioso, que vai exigir um
investimento de muitos milhões. Ângelo Gonçalves, que pertenceu à guarda
pessoal de José Eduardo dos Santos, e, à data dos factos, opera na esfera da
embaixada angolana no Brasil, começa a desenvolver contactos junto de empresas
locais com experiência no sector da vigilância. E que possam garantir o
financiamento do BNDES — o banco estatal brasileiro viria a ser apanhado nos
casos “mensalão’”e Lava-Jato.
Ângelo
Gonçalves apresenta-se ao P2 com três origens — angolana, portuguesa e
brasileira — e não é uma figura comum. Pertence ao grupo de 40 comandos
portugueses, alguns nascidos em Angola, que após a independência, a 11 de
Agosto de 1975, se foi oferecer ao MPLA para executar operações especiais.
Seguiu-se a carreira de inspector “espião”. Não é também um “espião” qualquer:
fala sempre muito, e muito depressa. E o vocabulário é inventivo.
Aceder
a informação confidencial pode revelar-se uma arma poderosa — isto é, quando
nada transpira para fora. O inspector Gonçalves observa que em Luanda “corre
mais depressa um muxinque [fofoca] do que um telefonema ou um fax”. E as suas
movimentações depressa se tornam um segredo de Polichinelo.
O
primeiro a ouvi-lo foi Paolo Bennati, da boca de um militar angolano a
colaborar com o Exército moçambicano e que, em Maputo, deixa escapar a
“indiscrição”: em Luanda ultima-se um negócio milionário de fornecimento de
equipamento de telecomunicações protegidas.
1 comentário:
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