No
final de ano de 2016, Isabel dos Santos parecia estar no seu auge. Domina a
Sonangol, onde despede a seu bel-prazer, não hesitando em enfrentar os
protegidos do outrora todo-poderoso Manuel Vicente; lança cervejas novas;
controla a banca angolana; ocupa um lugar de referência na economia portuguesa.
Rui
Verde (*)
Os
seus braços, como dizia o poeta Camões, todo o mundo abarcam.
Apesar
de tudo isso, mesmo não tendo dotes divinatórios nem conhecimentos de
astrologia, acreditamos que 2017 marcará o fim do poderio de Isabel dos Santos.
A
razão é uma, e afecta todos os ditadores e mitómanos desde a Antiguidade
Clássica: o império de Isabel alargou-se demasiado, tem demasiadas frentes de
combate, e ela não chega a todo o lado. Não tem generais a apoiá-la, apenas
mercenários que, ao primeiro sinal de perigo, a abandonarão.
A
necessidade de ocupar directamente a Presidência da Comissão Executiva da
Sonangol P&P, a galinha de ovos de ouro do Grupo Sonangol, é um sinal desse
fenómeno. Isabel tudo abarca, mas nada aperta, como concluía Camões.
Para
se perceber a falta de consistência da actividade de Isabel e o perigo que ela
corre, há dois aspectos-chave.
O
primeiro é que ninguém acredita na história da venda de ovos. Por todo o mundo,
disseminou-se a suspeita de que a sua fortuna tem origem ilegal, muito
possivelmente em actos de corrupção e desvio de fundos públicos. Vários livros
de referência publicados na esfera anglo-saxónica reflectem essa suspeita: “A
Pilhagem de África” de Tom Burgis, ou o mais académico “Corruption and Human
Rights Law in Africa” (Corrupção e a Lei sobre os Direitos Humanos em África),
de Kolawole Olaniyan, são apenas dois exemplos. Em ambos se assume que Angola é
um dos países mais corruptos do planeta. E em ambos se propõe uma tese já antes
desenvolvida em terras angolanas por Rafael Marques: a de que a corrupção não é
meramente um crime, é o principal obstáculo e causa da pobreza e falta de
desenvolvimento em Angola. Quer dizer: a corrupção mata.
Existe,
portanto, a nível mundial a percepção de que, por cada milhão de dólares de
Isabel, há milhares de crianças angolanas que morrem antes de alcançar a
adolescência, e milhares de adultos angolanos que permanecem na pobreza. Por
causa desta percepção, levantam-se especiais cautelas ao fazer negócios com
Isabel. Quem quer que faça negócios com ela sabe que poderá mais tarde ser
acusado de violação das várias leis de direito internacional que condenam a
corrupção e o abuso dos direitos humanos.
O
segundo aspecto é que, a partir de certo nível de alavancagem financeira, Isabel
precisará de outras praças para além da portuguesa, que é uma praça sem
liquidez. Terá essencialmente de recorrer a Londres ou a Nova Iorque, mesmo que
os seus negócios sejam com chineses ou malteses. E nessas praças será submetida
a uma rigorosa due dilligence (avaliação de risco) a que não está habituada em
Portugal, nem nas offshores com que habitualmente trabalha.
Dito
de outro modo, nem o dinheiro lhe vai aparecer a rodos, nem vai poder
movimentá-lo à sua discrição.
Se
a nível internacional a margem de manobra de Isabel é cada vez menor, em Angola
ela enfrenta uma batalha de duas frentes.
Por
um lado, ao atacar a elite angolana representada por Vicente e seus
apaniguados, Isabel está a corroer a base de sustentação do regime. Bem pode
ela dizer que Vicente e os seus acólitos roubaram a Sonangol, mas a verdade é
que, se o fizeram, foi com a conivência do seu pai. Não basta que pronuncie e
faça circular acusações. Isabel tem de ser consequente: tem de instaurar uma
auditoria forense à gestão anterior da Sonangol e enviar os resultados à
Procuradoria-Geral da República. Aliás, já o devia ter feito sob pena de estar
a difamar os visados.
Obviamente,
qualquer auditoria forense à Sonangol demonstrará que esta foi a principal
financiadora de Isabel dos Santos nas suas variadas venturas: GALP em Portugal,
compra das acções do BPI ao BCP, lançamento da Unitel. A Sonangol foi o banco
de Isabel — com que descaramento pode ela agora aparentar surpresa e
indignação?
Por
outro lado, Angola está em ano de eleições. E Isabel será uma peça central do
processo eleitoral. Também aqui a razão é muito simples. A principal fonte de
receitas do país é a Sonangol. Isabel preside à Sonangol. Isabel estará no
centro das discussões sobre o futuro e passado recente do país.
Perante
todos estes factores, ou Isabel encontra armas para manobrar os poderes
financeiros a seu favor, ou tudo aponta para que em 2017 se ponha um fim à
oligarquia isabelina em Angola.
(*)
Maka Angola, em Folha 8 - Imagem: Folha 8
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