Miguel
Guedes – Jornal de Notícias, opinião
Estranho
Mundo este em que a maior responsabilidade da classe política perante os seus
eleitores passa pelo cumprimento das promessas. Mais importante que a diferença
entre bem e mal, mais relevante do que a boa execução das medidas, bem maior do
que a percepção e avaliação dos resultados, é da eficácia da
"check-list" que reza a história. Mesmo que subam os impostos de uns
em detrimento dos impostos da riqueza de outros, mesmo que o emprego não aqueça
e o crescimento da economia não alavanque, ainda que se cortem salários ou
pensões, o gozo supremo que dá quando se cumprem mais de metade das promessas
secundárias ou de vão de escada. Foi assim em tantos governos dos últimos 20
anos. No prometer é que está o ganho, promete-paga porque se pagas pareces cumprir.
Um
indicador de cumprimento de promessas é muito redutor quando ninguém tem
grandes dúvidas de que parte substancial do Poder Político eleito em democracia
preferiria ocultar o seu programa eleitoral dos eleitores, abstendo-se de o
discutir, se pudesse. Seria o fim de tantas eras de edição actualizada, do
copy-paste revisto do programa anterior, bem-vindos ao golpe de misericórdia
para a paciência dos democratas. A forma como as ideias políticas e societárias
são objectos não identificados ou alucinações menos próprias para consumo no
debate eleitoral e no cumprimento das legislaturas fazem da apropriação do
chavão mais inócuo a principal bandeira programática. E também por isso é que
em cada eleição tudo parece transformar-se num "reality-show" com a
sondagencracia no comando do sistema. Se existes, logo és; como tem sido útil
para o voto útil e para o freio do voto em convicção. Vota-se, tantas vezes,
pela tendência. Agora, aprecia-se pelo índice de cumprimento.
Por
cumprir está o desígnio. Os portugueses continuam a acreditar que os políticos
são incumpridores de promessas e, infelizmente, ainda bem. O novo estudo do
ISCTE que demonstra que os governos da últimas décadas cumpriram cerca de 60%
das promessas escritas nos programas eleitorais (o primeiro Governo de António
Guterres, minoritário, terá cumprido 85% e José Sócrates cerca de 80%) não
engrandece por si só a classe política portuguesa. É possível fazer igual e o
seu contrário com a mesma taxa de eficácia. "Read my lips". Basta
perguntar a qualquer ditador sobre a vantagem da eficácia das promessas
cumpridas e vê-lo soletrar um sorriso. Antes mentissem.
O
autor escreve segundo a antiga ortografia
*Músico e advogado
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