Com
políticas de destruição do sistema de bem-estar social e de indução do
desenvolvimento, país pode chegar a desemprego e recessão profundos, avalia
Esther Dweck
Eduardo Maretti,
da RBA – Brasil Atual
São Paulo –
A estimativa do Banco Mundial de que a crise econômica brasileira
pode levar, ou devolver, numa projeção mais pessimista, até 3,6
milhões de cidadãos a um patamar abaixo da linha de pobreza
até o fim de 2017 pode impressionar, mas não é uma surpresa.
Porém, a causa não é só a crise. Aliado a ela, cumpre papel importante
para a previsão o desmonte das políticas públicas. Juntos, os dois
fatores têm o potencial explosivo não só de consolidar,
como também agravar a previsão e aumentar a tensão social.
De modo geral,
as previsões não são nada otimistas. O mercado projeta
que o Produto Interno Bruto (PIB) cresça apenas 0,5%
em 2017. A professora Esther Dweck, do Instituto de Economia
da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e secretária de Orçamento Federal
entre 2015 e 2016 avalia que o risco de o Brasil viver uma situação similar
à vivida pela Grécia é real. "Nã oestou nem um pouco otimista. Se o país
crescer 0,5% este ano, o desemprego aumenta. Precisa crescer 2%,
3% para ter uma queda de desemprego razoável. A Grécia
foi proibida de fazer política anticíclica pela Troika (União Europeia,
Banco Central Europeu e Fundo Monetário Internacional). No nosso caso,
estamos abrindo mão pelas políticas de destruição do nosso sistema de bem-estar
social e da indução do desenvolvimento".
Entre outras
consequências, os oito anos de austeridade fiscal
imposta pelo sistema financeiro à Grécia levou a uma redução de cerca de 30%
do PIB do país. Com isso, o desemprego está há cinco anos
acima dos 20%, com impacto dramático sobre os mais jovens – 44%
dos gregos até 24 anos.
"No médio prazo,
medidas como a PEC que estabelece limites aos gastos públicos e a reforma
da Previdência, tendem a eliminar o 'colchão', a rede de proteção social
que, no Brasil, é bastante consolidada para um país em desenvolvimento,
apesar de pequena em comparação com países desenvolvidos",
diz Esther. "Eliminado esse 'colchão', o país fica mais
vulnerável a convulsões sociais em caso de crise econômica, como a de agora."
Emblemático é o caso do Bolsa
Família. O programa beneficia cerca de 14 milhões de famílias
no país, foi importante não apenas como parte da "rede de proteção"
como ajudou a movimentar a economia do país, mas foi estigmatizado por setores
da população como "bolsa esmola". O governo Michel
Temer parece estar de acordo com esses últimos. Embora não admita
que quer diminuí-lo, está tentando acabar com uma das lógicas do programa,
que fazia uma avaliação sobre se a simples saída da
chamada "linha de pobreza" é motivo imediato da
saída do beneficiário do Bolsa Família.
Para o governo atual, se a
pessoa saiu da linha da pobreza, tem que deixar o programa. Mas
essa política é uma das que subvertem sua lógica. "Quem está muito perto da
linha da pobreza pode ter algum revés, perder a renda e precisar continuar
no benefício. Havia um mecanismo mais sensível a quem está nesse limiar. O governo quer
acabar com isso porque diz que a pessoa recebe assistência indevida, quando na
verdade é uma preocupação com as flutuações de renda
que acontecem com qualquer um", diz Esther.
Esse é apenas
um exemplo. Na verdade, o que é mais urgente é a
recuperação da economia. "Mas para isso é preciso que se tomem
medidas concretas de retomada do crescimento, e também de medidas
distributivas. Este ano o salário mínimo não teve
aumento real. O Bolsa Família teve um aumento no ano passado,
mas neste ano não foi anunciado nada."
A
economista entende ainda que outras iniciativas poderiam ajudar a
estender a proteção aos cidadãos atingidos no momento de crise.
Por exemplo, a ampliação das parcelas do seguro desemprego, como foi
feito em momentos de crise no passado, como em 2009. Outro exemplo:
a devolução, pelo BNDES, de R$ 100 bilhões ao Tesouro Nacional
em janeiro, dinheiro que poderia estar sendo usado para o investimento e o crescimento,
inclusive no seguro-desemprego.
"Numa faixa
no limiar da linha da pobreza, a pessoa fica muito mais exposta à crise com
qualquer revés, por isso precisamos de mais mecanismos de proteção.
Como todas as ações estão sendo feitas para tirar o que
tem, e não para ampliar, a situação tende a ser bastante
preocupante."
Crises
nos estados
Enquanto isso,
as crises nos estados pouco a pouco vão pipocando, como no Espírito Santo e
no Rio de Janeiro. A economista ressalta que existem particularidades
nos estados, mas a queda de arrecadação em todoo país agrava
as situações locais. "O Espírito Santo é emblemático,
porque de fato os policiais ficaram anos sem reajuste. Isso claramente
tem ligação com o ajuste fiscal forte feito no estado (pelo governador
Paulo Hartung, do PSDB)."
Já
no Rio há o movimento dos servidores, que, como lembra
a economista, estão pagando a conta decorrente da enorme
queda de arrecadação com a baixa dos preços do petróleo, já
que a receita do estado é muito dependente dos royalties (o Espírito Santo também,
embora em menor grau). "Em todos os estados e municípios está havendo queda de arrecadação muito forte.
Com cada vez mais cortes nos gastos, vamos indo cada vez mais para o buraco",
conclui a professora da UFRJ.
Ironicamente,
em sua página da internet, o Banco Mundial, que não é nenhum organismo marxista,
diz o seguinte sobre o Brasil: "Entre 2003 e 2014, o Brasil viveu uma fase de progresso econômico e
social em que mais de 29 milhões de pessoas saíram da pobreza
e a desigualdade diminuiu expressivamente (o coeficiente de Gini
caiu 6,6% no mesmo período, de 58,1 para 51,5). O nível de renda
dos 40% mais pobres da população aumentou, em média, 7,1% (em termos reais)
entre 2003 e 2014, em comparação ao crescimento de renda de 4,4% observado na
população geral. No entanto, desde 2015 o ritmo de redução da
pobreza e da desigualdadeparece ter estagnado".
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