Martinho Júnior, Luanda
(Na
viagem-memória das minhas amadas ancestrais, de todas as avós do mundo e das
avós que comigo repartem, ainda que numa desumanizada distância, a derradeira
lágrima, a última côdea).
Na
mais densa sombra dos santuários da ocasião, por dentro do miolo inchado pelos
gases abrasadores dum pré-anunciado vulcão, o segredo é de há irrisórios
séculos, segundo dizem, um segredo voraz, gaseificada alma de negócio…
Por
isso, nas imensas periferias das cidades cosmopolitas, tisnadas de soltas
poeiras acobreadas e atiçadas pela ardência filtrada ao sol, as últimas noivas
sobem meio trémulas, meio sonâmbulas, como exauridos fantasmas em pleno dia, às
auréolas dum altar feito vácuo!
Com
seus severos rostos de pedra e olhos cadentes, já transparentes da plácida
névoa poente, seus sonhos vivenciados jazem trespassados por estranhas lâminas
transversais…
…
e as últimas noivas, dos sonhos arrancados em partos inesperados que marcam os
traços dos seus próprios caminhos, partos sofridos de outros tantos sonhos a
sangue frio, sobem descalças, em suas vestes brancas, com suas grinaldas
perseverantes e odor a terra e a frutos, meio perdidas no ocaso das
bessanganas, secas e de estômagos inúteis por que sempre vazios, próximos do
nada em que se vão acolher…
Sabem
que são a carne mirrada como a morna e palpitante lava agónica, que vai
alimentar a grande besta da ilusão derradeira, mas desafiam em sua ousadia,
verticais, ao se deixarem pairar como trémulas borboletas próximas dos
vendavais e do abismo…
Apesar
de seus passos vacilantes e dos seus pés gretados abeirando-se de mansinho dos
sulcos quase finitos, trazem nelas, dentro de si, ao invés dos sonhos
decepados, o segredo alado dum obstinado tesouro que nada, nem alguém pode
comprar: um sopro feito de poalha e hóstia sagrada que é com elas e nelas, como
um resto de alimento na vida, como um cintilar, ao mesmo tempo vacilante e
coado, de longínqua estrela…
…um
último pulsar e um último sussurro engolido pela grande solitude dum universo
ao obscurecer…
…ausculto
com olhos húmidos de gratidão e saudade, minhas ancestrais, as minhas avós,
imediatamente antes de, num silêncio terminal, tão ignota quão suavemente,
enquanto evaporadas gotas de orvalho conformadas e conformes à decisão da
idade… doce e timidamente a última das noivas desaparecer...
Martinho
Júnior, SOLDADO DO MPLA
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