Vanessa
Riambau é doutorada em estudos literários e o seu campo de estudo inclui a
escrita moçambicana. Nesta entrevista, a brasileira considera que Moçambique
tem potencial literário e que o que deve acontecer é expor-se ao mundo, sem
permitir que factores externos ditem quem são os autores a serem
publicados.
Co-organizou
o livro “Letras na poesia, versos universitários”. Como é que esses versos
actuam ou configuram-se em livro?
Sou
professora universitária, e procuro desenvolver com os alunos um trabalho de
incentivo à poesia. Inclusive, tenho grupo de declamadores exactamente com o
propósito de dessacralizar a poesia. Nesse sentido, para incentivar os alunos
que são poetas, organizei o livro com uma antologia de versos dos próprios
alunos. E foi um trabalho gratificante.
A
ideia foi produzir poetas ou dar voz aos poetas em potência?
Produzir
poetas não, que não se produzem, pelo menos, bons poetas. A ideia foi mesmo
essa de dar voz aos poetas que já existem e permitir que eles apareçam com mais
visibilidade.
Discutiu
“Abordagens literárias entre Moçambique e Brasil”, na AEMO. Como é que descreve
a relação dos países, agora, do ponto de vista literário?
De
certa forma, Brasil incentivou muito a Moçambique no período da afirmação
nacionalista, no período da Poesia de Combate. Os poetas de cá foram beber da
fonte dos poetas modernistas brasileiros. Por isso, hoje não há um moçambicano
com quem fale e não saiba quem é Carlos Drummond de Andrade, Manoel Bandeira ou
o escritor Jorge Amado. Paradoxalmente, naquele período, no Brasil, não havia
conhecimento da literatura moçambicana. Hoje, percebo um fenómeno interessante:
o Brasil, há alguns anos, virou os seus olhos para os países africanos de
língua oficial portuguesa e muito para Moçambique, também pela projecção que
alguns autores moçambicanos têm no mercado externo. Actualmente, parece-me que
estamos a ver um fenómeno contrário, de Brasil estar muito em contacto com a
literatura moçambicana e Moçambique a não ter o mesmo contacto com os autores
contemporâneos brasileiros. No sentido de entender as razões desse processo
acontecer desta forma, pensei na abordagem dada à palestra na AEMO.
Consegue
encontrar uma explicação para que Moçambique, neste momento, não esteja em
contacto com os autores contemporâneos brasileiros?
Agora
deveria haver um interesse dos moçambicanos em relação à literatura brasileira
sem razões de ordem ideológica. Esse interesse, ainda não se vê e isso não se
percebe. Mas também há que pensar se esse interesse acontece em relação à
própria literatura moçambicana. Talvez, haja necessidade de o público
moçambicano desenvolver um grande interesse pela sua literatura, para que,
depois, o interesse abranja outras literaturas, como a brasileira.
Faço
a pergunta de outro modo. Como compreender o interesse do Brasil em relação à
literatura moçambicana?
Acredito
que, depois da independência, tanto Brasil assim como Portugal, começaram a
olhar para os países africanos de modo a compreender o que estava sendo feito.
No Brasil, por exemplo, há mais de 30 anos que as principais universidades
lecionam literaturas africanas. Acho que no caso da literatura moçambicana isso
acontece pelo facto dos autores moçambicanos terem conseguido uma projecção
maior que os de outros países que falam português. Em Moçambique há o fenómeno
Mia Couto, que há 30 anos é estudado no Brasil. Há um Ungulani, que é, mas
precisa que seja mais conhecido, e Paulina Chiziane, que bate records de venda.
Mas estes autores que já são tidos como consagrados no Brasil ainda são muito
poucos. O problema é que esses autores, com a excepção de Mia que todos
conhecem, são estudados nas universidades, o público comum não os conhece. É
necessário ser culto e curioso para saber de Ungulani, Craveirinha ou Noémia de
Sousa. Por isso é necessária uma abertura maior das editoras e da comunicação
brasileira em relação à literatura moçambicana, porque o que está sendo
produzido é de enorme qualidade, e não deve ser continuado a ser ignorado pelo
mundo.
Sinceramente,
julga que as feiras do livro e palestras que envolvem Moçambique e Brasil estão
a surtir o efeito desejado?
Espero
que sim, porque essa é a missão. Percebo que, nos últimos anos, há uma mudança
em termos de conservadorismo, porque antes, o que se via, era a repetição do
que está consagrado, ou seja, eram estudados os autores que eram bem conhecidos
no Brasil. Hoje, há um movimento, por parte de alguns académicos, interessados
em saber o que mais se produz. A questão é que existem factores externos que
definem quem são os autores que devem ser estudados. A interferência é mais
externa do que interna. Esses factores endógenos acabam delimitando os autores
que são potencialmente conhecidos no mercado externo. E essa é uma deficiência
grave porque faz com que uma literatura tão rica, quanto a moçambicana, não
tenha força de se afirmar sozinha, precisa sempre de um traço que até pode ser
originário de um certo colonialismo ou paternalismo colonial que se assume como
responsável por difundir uma literatura que já não lhe diz respeito. Isso,
penso eu, acontece devido à carência que Moçambique tem em termos da
distribuição do livro, algo que não tem a ver com a qualidade das obras, mas
que é importante.
Como
estudiosa da literatura moçambicana, passa-lhe pela cabeça a ideia de que os
nossos autores são rapidamente reconhecidos internamente, quando há premiação
no estrangeiro?
Tenho.
Porque a afirmação da literatura moçambicana, infelizmente, tem sido estabelecida
de forma exógena, de fora para dentro. Tal situação, tanto condiciona o mercado
externo quanto interno. De facto, para um moçambicano reconhecer a sua própria
literatura, às vezes depende de uma premiação que vem de fora. Isso é
preocupante.
Tenho
dito que por via da literatura conhecemos a alma de um povo. Assim sendo, o que
a nossa literatura permitiu-lhe conhecer de Moçambique?
Por
via da literatura, entrei em contacto com um país culturalmente muito
diversificado, que procura preservar as suas tradições e cantar a sua terra.
Quando estive em Moçambique falei com Suleiman Cassamo e ele disse-me que, de
alguma forma, está sempre a escrever sobre o seu lugar, a sua terra. E este é
sempre um regresso ao lar. Percebe-se que em Moçambique ainda há uma enorme
necessidade de se cantar a sua cultura, por isso, é muito fácil conhecer o país
por via da literatura.
Essa
verosimilhança que encontra na nossa literatura pode criar um desinteresse ao
leitor, por nela encontrar a repetição quotidiana?
Acredito
que não, porque a literatura presta-se a esse papel de mimesis da
vida, como dizia Aristóteles. De alguma forma, a vida é repetitiva. Sempre
falamos de amor e morte. O que muda é forma de contar as estórias.
Consegue
indicar factores que fortalecem a nossa literatura?
Essa
aproximação com a oralidade, que se encontra muito em Chiziane, e uma certa
vocação à lírica, na poesia.
Está
em contacto com autores com Lucílio Manjate, Andes Chivangue e Mbate Pedro.
Acredita que esses autores introduzem alguma novidade?
Acredito
que sim, porque a literatura moçambicana ainda está em formação identitária. É
um processo. Talvez aqueles autores não sejam muito diferentes, mas as suas
peculiaridades são boas, sobretudo quando são postas em choque. Por exemplo, Andes
Chivangue tem uma escrita muito crua, dura e enxuta, diferente de outros poetas
como Amosse Mucavele, Mbate Pedro ou Nelson Lineu, com poesia mais leve. Com
isto, percebe-se estilos literários, e é enriquecedor perceber esses estilos.
Trabalha
com o cânone literário moçambicano, na sua área de pesquisa. Como o descreve?
O
cânone moçambicano foi definido a partir de obras que transmitem e resgatam
elementos culturais do seu povo e sua gente. Os autores que os conhecemos como
canónicos são os que promovem esse resgate. O meu estudo é com base nesses
autores que já são consagrados e também na promoção dos novos autores.
Em
Maputo referiu-se a singularidades e influências entre a literatura moçambicana
e angolana. Ainda se pode falar de influências, actualmente?
Creio
que não. Houve pouca no passado e hoje ainda menos. Moçambique está um pouco
afastado e partilha mais essa singularidade com países de língua inglesa.
Sugestões
artísticas para os leitores do jornal O País?
Sugiro
“Fogo preso”, de Andes Chivangue, as obras de Lucílio Manjate, de Chico Buarque
e Conceição Evaristo.
Perfil
Vanessa
Riambau Pinheiro é professora e pesquisadora brasileira. Doutorada em estudos
literários, Riambau é especialista em literaturas africanas de língua
portuguesa. Leciona na Universidade Federal da Paraiba, e o seu campo de
pesquisa inclui o cânone literário moçambicano. É autora de “Letras na poesia,
versos universitários”.
José
dos Remédios | O País
1 comentário:
A Ilustre Senhorita
Vanessa Riambau Pinheiro.
Congratulações.
Fraternalmente
Marcos Limoli { Linkedin }*
Porta-Voz & Oráculo.
REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.
Conexões PALOPS / BRICS / UNASUL & III GUYANAS.
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