Mariana
Mortágua* | Jornal de Notícias | opinião
"É
um apoio social que deve ser transitório e não um modo de vida". Foi uma
das frases que o líder parlamentar do CDS-PP usou para justificar a sua
"preocupação" com novas regras que facilitam a atribuição do
rendimento social de inserção (RSI).
A
posição do CDS sobre a pobreza e, em particular, o RSI é tudo menos inocente. O
partido de Assunção Cristas tem-se esforçado ao longo dos anos por estigmatizar
os seus beneficiários, usando e abusando de um discurso populista sobre o
"parasitismo" ou a "preguiça" dos pobres.
É
precisamente essa ideia que, de forma mais polida, se encontra subjacente na
frase acima transcrita. O que Nuno Magalhães no fundo quer dizer é que se se
removerem as barreiras criadas pelo Governo de PSD/CDS no acesso ao RSI, há
pessoas que irão ver a prestação como um "modo de vida", em vez de
procurar um trabalho. Magalhães alia esta ideia à da transparência, dando a
entender que a fraude no RSI é imensa.
Acontece
que a pobreza não só não é uma escolha como, infelizmente, também raramente é
transitória. A pobreza reproduz-se, trespassa gerações deixando profundas
marcas nos percursos educativos, na integração social, no exercício da
cidadania, na relação com o Estado. Portugal tem 20% de pobres. Não falamos de
um fenómeno transitório, mas de um profundo problema social que o RSI muito tem
contribuído para minimizar.
Mais,
o "modo de vida" de que fala o CDS são 90euro mensais em média por
beneficiário, sendo que, imagine-se, a larguíssima maioria destas pessoas são
crianças ou adultos que já trabalham, mas que não ganham o suficiente para
ultrapassar o limiar da pobreza.
Finalmente,
é preciso lembrar que as preocupações do CDS com a transparência fizeram com
que o valor do RSI para as famílias mais numerosas fosse cortado em 30%
enquanto muitas outras eram excluídas. À medida que aumentava a pobreza
infantil em Portugal, o Governo de PSD/CDS retirava a prestação a mais de 50
mil crianças.
Não
é a atribuição de dinheiros públicos ou a eficácia do RSI que preocupa o CDS. A
sua luta é puramente ideológica. Demonstrou-o bem quando cortou apoios sociais
no período de crise e pôs em prática um conjunto de medidas caritativas, como
as cantinas sociais. Ao invés do Estado social preferiu dar a uma rede de
instituições privadas de solidariedade social o poder para administrar e gerir,
de forma muitas vezes discricionária e clientelar, a atribuição de dinheiros
públicos aos mais pobres. "Transparência" e "rigor" seria, já
agora, fiscalizar todo esse processo de transferência de competências, poder e
recursos.
Historicamente,
a erradicação da pobreza esteve no centro do programa democrata-cristão. Mas no
populismo do CDS, os mais pobres já só entram como suspeitos de fraude e abuso.
*
Deputada do BE
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