Longe
de contribuírem para qualquer melhoria no sucesso educativo, os rankings têm
como única função estigmatizar as últimas escolas e criar uma corrida às
primeiras
Agosto
não é só férias, praia e despreocupações. Por estes dias, milhares de famílias
interrompem ou adiam o início de férias para tratar das matrículas das suas
crianças nas respetivas escolas. É uma burocracia necessária e relativamente
simples, sobretudo se o petiz tiver sido colocado num dos estabelecimentos
pré-indicados como de preferência.
A
única coisa que estorva esta rotina estival é a frustração das famílias que não
conseguem matricular os filhos nas escolas pretendidas. Quando essas escolas
correspondem à área de residência e os alunos acabam preteridos por critérios
duvidosos ou por fraude ao sistema, a frustração transforma-se em legítimo
protesto.
A
polémica instalou-se recentemente com os casos de duas escolas de Lisboa, a D.
Filipa de Lencastre e a Pedro Nunes, mas o problema é mais antigo e a solução
muito mais complexa do que fiscalizar a veracidade da morada indicada pelos
encarregados de educação. Todas as suspeitas devem ser investigadas, claro, mas
a pergunta para um milhão de euros é outra. Como se impede que a escola pública
seja contaminada pela lógica do privado e do mercado da educação?
Quando
fizemos o debate sobre o abuso dos contratos de associação havia dois
argumentos em cima da mesa. O primeiro, que se tornou consensual, condenava a
transferência de dinheiro público para colégios privados nos locais onde
existia oferta pública. O segundo, de mais largo alcance, desmontava a falácia
da “livre escolha” que nos levaria a sistemas como o “cheque-ensino” e à
criação de escolas de primeira e de segunda.
Esse
deve ser levado a sério, a bem da preservação da equidade como princípio
fundamental da escola pública. Não é casual que os protestos mais recentes
tenham ocorrido no Pedro Nunes e no Filipa, duas das escolas secundárias mais
bem “cotadas” no maldito ranking que compara notas de exames.
Longe
de contribuírem para qualquer melhoria no sucesso educativo de quem quer que
seja, estes rankings têm como única função estigmatizar as últimas escolas e
criar uma corrida às primeiras. Cria-se a ilusão de que as escolas são ilhas
sem contexto social, produtoras de boas ou más médias por algum processo
milagroso, desgarrado da realidade de origem dos alunos.
As
consequências são desastrosas. As escolas desligam-se da comunidade onde estão
inseridas, deixam de representar a sua diversidade e tornam-se cada vez mais
homogéneas social, cultural e economicamente. Em última instância, a competição
para entrar numa escola do topo do ranking cria um processo de seleção social
que se resume àquilo que todos criticam aos privados: “no colégio não entram
todos”.
A
fiscalização pode ajudar a combater este problema. Mas o essencial é desconstruir
a ideia de que as escolas podem ser seriadas num ranking. A educação não é uma
corrida de cavalos. Nos últimos anos, o reconhecimento da função social da
escola pública tem vindo a diluir-se nesta competição desenfreada pelas notas.
Cada vez mais se valoriza simplisticamente o ponto de chegada e se ignora o
progresso dos alunos e a aprendizagem de competências não “examináveis”.
Ironicamente,
tendo uma importância absoluta no acesso ao ensino superior, a função das
médias esgota-se aí. Há milhares de outros critérios que fazem uma boa escola,
todos nós sabemos a diferença entre uma média alta e uma educação de qualidade
que contribuiu para educar cidadãos conscientes e emancipados. Talvez seja
tempo de identificar essa contradição e expurgar da escola pública o que não
lhe pertence: a lógica do mercado.
*Deputada
do Bloco de Esquerda
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