Pepe
Escobar | Asia Times
O colapso atual do mundo unipolar, com a emergência inexorável de quadro multipolar, está deixando correr solta uma subtrama aterradora – a normalização da ideia de guerra nuclear.
A
prova mais recente disso apareceu sob a forma de um almirante
dos EUA que diz a quem queira ouvi-lo que está pronto a obedecer ordens do
presidente Trump de disparar um míssil nuclear contra a China.
Esqueçam
o fato de que guerra nuclear no século 21 que envolva as grandes potências será
A Última Guerra. Nosso almirante, almirantemente chamado Swift [“rápido”,
“veloz”], só está preocupado com minúcias democráticas tipo “todos os membros
das forças armadas dos EUA fizeram um juramento de defender a Constituição dos
EUA contra todos os inimigos estrangeiros e domésticos e obedecer aos oficiais
superiores e ao presidente dos EUA como comandante-em-chefe e chefe de todos
nós.”
É
pois questão de lealdade ao Presidente e controle civil sobre os militares –
sem considerar o risco de incinerar massas incontáveis dos chamados cidadãos
civis, norte-americanos inclusive (porque haverá inevitável resposta chinesa).
Swift,
mais uma vez, acorre em socorro: “Esse é o núcleo da democracia norte-americana
e sempre que um militar se afasta do foco e entrega-se a controle civil, nesse
caso, sim, temos um grave problema.”
Não
importa que o proverbial porta-voz da Frota dos EUA no Pacífico – nesse caso,
Charlie Brown (nome adequado?) – rapidamente abraçou o controle de danos,
fazendo pouco da premissa da questão nuclear, para ele, “ridícula”. Ambas,
pergunta e resposta, são muito reveladoras.
- MacArthur’s park is melting
in the dark [“A praça MacArthur derrete na escuridão”]
Para
acrescentar nuances extras no “controle civil sobre os militares”, um flashback até
setembro de 1950 e a Guerra da Coreia, com uma pequena ajuda de Korea: The
Unknown War [Coreia: A Guerra Desconhecida] de Bruce Cumings e John
Halliday, pode ser qualquer coisa, exceto “ridículo”. Especialmente agora que
facções do Partido da Guerra em Washington andam pressionando a favor de
bombardear (bomba atômica) não a China, mas a própria Coreia do Norte.
É
fundamentalmente importante relembrar que, à altura de 1950, o presidente
Truman já emitira uma ordem de “controle civil sobre os militares” para lançar
duas bombas atômicas sobre o Japão em 1945 – primeira vez, um marco histórico.
Truman
se tornara vice-presidente em janeiro de 1945. FDR tratou-o com desdém máximo.
Não tinha nem notícia de algum “Projeto Manhattan”. Quando FDR morreu, Truman tivera
apenas 82 dias na vice-presidência, e tornou-se presidente dos EUA sem saber
coisa alguma de política externa ou da nova equação militar/nuclear.
Truman
teve cinco anos, depois de bombardear o Japão, para aprender tudo sobre o
assunto, e já em serviço. Agora, a ação estava no front coreano. Mesmo antes do
desembarque dos carros anfíbios em Inchon, liderada pelo general MacArthur – o
maior desembarque desde o Dia D na Normandia, em 1944 –, Truman já autorizara
MacArthur a avançar além do paralelo 38. Há substancial debate histórico,
segundo o qual ninguém informara MacArthur detalhadamente sobre o que fazer –
porque ele estava vencendo. Perfeito para um homem que gostava de citar
Montgomery: “Os generais nunca recebem diretivas adequadas”.
Apesar
disso, MacArthur recebeu de Truman um memorandum top secret reforçando
que operações ao norte do paralelo 38 só estavam autorizadas se “não houvesse
forças soviéticas ou comunistas chinesas na Coreia do Norte, nenhum aviso de
entrada planejada, nem ameaça de contraofensiva às nossas operações militares
“.
E
então, MacArthur recebeu mensagem a ser lida exclusivamente por ele, do chefe
do Pentágono George Marshall: “Queremos que se sinta desimpedido taticamente e
estrategicamente para avançar para o norte acima do paralelo 38.”
MacArthur
continuou indo. Tinha certeza de que a China não interviria na Coreia: “Se os
chineses tentassem descer para Pyongyang seria o maior massacre.” Bem,
MacArthur errou. As forças dos EUA capturaram Pyongyang dia 19 de outubro de
1950. Exatamente no mesmo dia, nada menos de 250 mil soldados do 13º Grupo do
Exército Voluntário Popular Chinês cruzaram o rio Yalu e entraram em território
coreano. A inteligência dos EUA não tinha nem ideia do que o historiador
militar S.L.A. Marshall descreveu como “um fantasma sem sombra”.
MacArthur
foi-se descontrolando dia a dia, inclusive requerendo bombas atômicas a serem
usadas contra a Coreia do Norte. Ele tinha de ir. A questão era como. Os civis
– Dean Acheson, Averell Harriman – eram a favor de ir. Os generais – Marshall,
Bradly – eram contra. Mas também se preocupavam, porque “se MacArthur não
pudesse ir, grande segmento de nosso povo diria que as autoridades civis já não
controlavam os militares”.
Truman
já se decidira. MacArthur foi substituído pelo general-tenente Ridgway. Mas a
loucura da guerra persistia, refém da “ameaça” sino-soviética de “dominação
comunista mundial”. Foram mortos mais de dois milhões de civis norte-coreanos.
E o que o general Curtis LeMay – um Dr. Fantástico [Dr. Strangelove] da vida
real – disse adiante sobre bombardear o Vietnã “até devolvê-lo à idade da
pedra” foi realmente feito pelos EUA, contra a Coreia do Norte.
Toda
a indústria e toda a infraestrutura do norte foram completamente destruídas. É
impossível compreender as ações da liderança em Pyongyang ao longo das últimas
décadas, sem considerar o quanto aquela destruição física e humana ainda
permanece viva na mente dos norte-coreanos.
Assim,
o que o almirante Swift realmente disse, em código, é que, se vier uma ordem
civil, os militares dos EUA iniciarão a 3ª Guerra Mundial (ou a 4ª Guerra
Mundial, se se contabiliza a Guerra Fria), aplicando devidamente a doutrina de
primeiro-ataque, do Pentágono. O que Swift não disse é que o presidente Trump
também tem o poder de dar uma de Truman e demitir qualquer doido com ambição de
ser clone de MacArthur.
-
em Pátria Latina
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