Afonso
Camões* | Jornal de Notícias | opinião
Bem
pode a independência ser um sonho catalão. Até ver, porém, a independência da
Catalunha é um ato falhado. Dois dias depois da declaração unilateral, em
Barcelona, nenhum Estado no mundo real reconhece tal república. E o português
terá sido o primeiro a negá-la, condenando "a quebra da ordem
constitucional e o ataque ao Estado de direito em Espanha - parte integrante do
quadro jurídico da União Europeia".
A
Espanha que Ortega y Gasset definia como "criação de Castela"
estremece com a ameaça separatista, a mais grave crise constitucional que a
democracia espanhola enfrenta nos seus 40 anos de existência. E tudo o que de
mau possa acontecer ali não deixará de nos afetar negativamente. Os estilhaços
não tardarão a chegar, sobretudo os económicos.
E
agora? - pergunta a geral, quando se dão os primeiros passos num túnel escuro
que ninguém pisou. Porque não há precedente legal em Espanha para a suspensão
da autonomia, a demissão de um governo e a dissolução de um parlamento
regionais. O Governo central de Madrid marcou eleições regionais para 21 de
dezembro, enquanto o Ministério Público espanhol se prepara para acusar de
crime de rebelião os arquitetos da declaração de independência. O braço de
ferro vai continuar e sobra para as ruas. A escalada pode degenerar em
violência. E há forças que apostam nisso.
Em
Espanha, como noutras paragens europeias, os movimentos nacionalistas têm sido
terreno fértil para a incitação à revolta social e ao aumento do populismo,
fundado no crescimento das desigualdades. A ira popular - perante a corrupção
política, a escassez de mão de obra e tantas outras urgências ignoradas pelos
poderes - por mais justificada que seja, acabará em desilusão, porventura
desesperada, se os líderes políticos e sociais não souberem conduzir os desejos
de mudança e de vida melhor aos seus cidadãos. É disso que trata a política. O
arrepio, esse, é lembrarmo-nos de que ainda há 80 anos, aqui mesmo ao lado, se
travava a sangrenta Guerra Civil que serviria de ensaio geral à mais
ensanguentada das guerras mundiais.
Oxalá
os dirigentes políticos espanhóis tenham lido bem Ortega y Gasset, um dos seus
filósofos maiores no século XX, quando ele dizia que "o poder é menos uma
questão de punhos e mais uma questão de nádegas". Foi ele que traduziu
para os espanhóis o célebre diálogo em que um bispo, opondo-se às políticas de hegemonia
centralista, explicava a Napoleão que nenhum regime se sustenta só pela força:
"Com as baionetas pode-se fazer tudo, menos sentar-se sobre elas".
*Diretor
do JN
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